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Aberturas e rupturas no desenvolvimento da cidadania no período de 1945 a 1964

Na elaboração constituinte do artigo 158 da Constituição Federal de 1946, ficou prevista uma envergadura mais forte no tocante à liberdade sindical. O artigo 157 da Constituição de 1946 dispõe sobre a legislação do trabalho e da previdência social objetivando o cumprimento dos preceitos que visem a "melhoria da condição de vida dos trabalhadores".298 Segundo PACHECO, na Comissão Constitucional da Assembleia Constituinte de 1946, o Sr. João

294 Idem. p. 46. 295 Ibidem. pp. 46-47.

296 LÖWY. Op. Cit. pp. 48-49. 297 Idem. p. 49.

298 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Vol. V (Arts. 157- 218). São Paulo: Max Limonad,

1953.p. 6. Ensina Pontes de Miranda que não havia disposições referentes ao assunto na Constituição Política do Império do Brasil, tampouco na Constituição de 1891, presentes apenas na Constituição de 1934, artigo 121. Idem. p. 6.

Amazonas "manifestava temores quanto à possibilidade de restrições por via de regulamentação legal". No entanto, coube a Agamêmnon Magalhães responder em termos favoráveis à liberdade sindical.299

Posteriormente ao período de 1945, novos rumos começaram a ser definidos e algumas características conduziram a derrota do movimento operário devido ao golpe de 1º de abril de 1964.300 A característica do período é a política populista que levou diversos setores a uma prática apoiada pelos comunistas. A consolidação da estrutura sindical criada pelo Estado Novo foi uma das características principais desse período.301

Importante é demonstrar-se que tal cenário foi decomposto pela compreensão de Getúlio Vargas sobre o impacto que o desenvolvimento urbano-industrial recente, e pela presença de novos atores sociais poderiam ter no jogo sucessório. Este motivo o fez fazer um pedido pela participação popular na política durante as comemorações oficiais de 1o de Maio, e a modificar, pouco depois, a legislação eleitoral para incitar a participação do eleitorado urbano nas eleições presidenciais e parlamentares.

Por meio do Decreto-Lei n o 7.586, de 28/05/1945, promulgado poucos dias após

a criação do PTB, Vargas alterou a legislação eleitoral para estimular a participação dos eleitores das áreas urbanas e para contrabalançar o poder dos coronéis que controlavam as áreas rurais. Assim, manteve a exigência de alfabetização para o exercício do voto, que discriminava especialmente a população rural, ao mesmo tempo em que tornou obrigatório o voto de todos brasileiros alfabetizados, excetuando as mulheres que apenas trabalhavam em casa. Além disso, estabeleceu um procedimento ex officio de alistamento eleitoral em grupo para empregados de repartições públicas, de associações profissionais e de empresas privadas, mistas ou estatais, bastando para obtenção do título eleitoral a apresentação de seus nomes à um juiz eleitoral pela empresa em que trabalhavam. Nas eleições de 1945, foram alistados ex officio 33% dos eleitores de São Paulo e do Rio de Janeiro e 15% do estado de Minas Gerais. 302

Para OLIVEIRA, uma maneira de desalojar os dirigentes dos sindicatos foi a promulgação do Decreto-Lei no 9.502, de 23 de julho de 1946, que reforçou a proibição ao exercício de atividades político-partidárias e previu a realização de novas eleições sindicais a

299 PACHECO, Cláudio. Novo Tratado das Constituições Brasileiras. Vol. 3. Direito Constitucional geral e

brasileira. Brasília: Offset, 1992. p. 81.

300 CASTRO, Sandra. Apogeu e Crise do Populismo. 1945/1964. In: LÖWY, Michael(et alii). Introdução a uma

História do Movimento Operário Brasileiro no Século XX. Belo Horizonte: Editora Vega, 1980. p. 52.

301 Idem. p. 52.

partir de 6 de setembro de 1946. O Decreto-Lei mencionado proibiu qualquer atividade não compreendida pelo artigo 511 da CLT, até as de caráter político- partidário, bem como a cessão gratuita ou remunerada da sede do sindicato para qualquer entidade político- partidária. Esse artigo considerava lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exercessem a mesma atividade ou profissão ou atividades similares ou conexas. Essa medida provocou a reação de todas as correntes sindicais, até dos sindicalistas “ministerialistas” que se insurgiam sobretudo contra a realização de eleições. Isso favoreceu uma momentânea unidade de ação, que permitiu a convocação do Congresso Sindical dos Operários do Brasil, no qual foi criada a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).303

Em 1946, Dutra regulamentou o "direito de greve" com o Decreto nº 9.070, de 16 de março, podendo o governo considerar qualquer greve ilegal. Dutra utiliza ainda mecanismos repressivos conservados do Estado Novo para estagnar o movimento operário que se inicia. As greves são consideradas ilegais, os comícios passam a ser reprimidos pela polícia que volta a espancar e prender os trabalhadores, os sindicatos sofrendo intervenção com os salários congelados sob o pretexto de conter a inflação. As relações com a URSS são finalmente quebradas, o PCB, o MUT (Movimento de Unificação dos Trabalhadores), e a CGTB304 são postos fora da lei.305 No caso do MUT, este apareceu oficialmente em 30 de abril de 1945, com o lançamento de um manifesto à nação assinado por mais de 300 dirigentes sindicais de 13 estados, e logo se envolveu na organização de várias manifestações em favor da Constituinte com Getúlio e nas greves ocorridas em São Paulo em maio de 1945, as mais importantes desde o início do Estado Novo. Quanto a autonomia sindical, fazia parte de seus objetivos, o restabelecimento da soberania das Assembleias com o fim da presença de representantes ministeriais; a eliminação dos controles estatais sobre a administração dos sindicatos e a aplicação de seus recursos financeiros; e o fim da padronização dos estatutos sindicais. Alem disso, afirma OLIVEIRA que:

303 OLIVEIRA. Op. Cit. pp. 127-138.

304 O Decreto-Lei no 23.046, de 7 de maio de 1947, determinou o fechamento da CGTB e das intersindicais estaduais

ligadas a ela, além de prever a substituição pôr juntas governamentais das diretorias sindicais que tivessem apoiado a fundação da CGTB. Idem. p. 127-138.

305 CASTRO, Sandra. Apogeu e Crise do Populismo. 1945/1964. In: LÖWY, Michael (et alii). Introdução a uma

o governo já havia afrouxado alguns mecanismos de controle sindical diante das pressões do MUT e de suas próprias conveniências políticas, e tratou de alterar por meio do Decreto-Lei no 8.080, de 11 de outubro de

1945, o artigo 532 da CLT que condicionava a posse das diretorias eleitas à autorização ministerial, assim como a alínea „c‟ do artigo 555 que determinava a cassação da carta de reconhecimento de entidade sindical que não obedecesse as normas emanadas das autoridades competentes ou as diretrizes da política econômica, ou criasse obstáculos à sua execução. Neste último caso, alterou-se apenas a parte inicial do dispositivo, mantendo-se a passagem referente aos obstáculos à execução de política econômica. 306

Uma de suas preocupações era canalizar as demandas dos trabalhadores para a Justiça do Trabalho, que era vista menos como um instrumento de colaboração de classes e mais como uma esfera de resolução dos conflitos trabalhistas.307 O Decreto-Lei no 9.070, de 15 de março de 1946, passou a subordinar os dissídios coletivos “à disciplina do interesse coletivo” e a exigir que fossem submetidos à conciliação prévia ou à decisão da Justiça do Trabalho. A Constituição de 1946, ademais, em seu artigo 157, manteve alguns direitos inscritos na Constituição de 1937.308

Por fim, a Constituição incorporou os tribunais do trabalho à estrutura do poder judiciário, com poucas modificações. A partir de então, seus órgãos passaram a ser as Juntas de Conciliação e Julgamento, os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho. E antes mesmo da promulgação do novo texto constitucional em 18 de setembro de 1946, o governo Dutra já havia alterado as disposições da CLT relativas à Justiça do Trabalho para adaptá-la à essas mudanças, via do Decreto-Lei no 9.797, de 9 de setembro de 1946.309 Quanto ao MUT, foi o mecanismo fundamental dessa coligação sindical. Juntaram-se em torno dele trabalhistas, comunistas e lideranças independentes, muitas delas restantes de sindicatos criados à época do Estado Novo, que se identificavam com a retórica trabalhista de Vargas e de Prestes.310

Em 1949 Prestes dá o primeiro passo para preparar a guinada à esquerda que se dá no ano seguinte, feita sob o espectro de “guerra fria”, que refletiu as mudanças no movimento

306 OLIVEIRA. Op. Cit. pp. 119-127.

307 Em 1946, foram julgados 420 dissídios, mas esse número logo declinou em virtude da política trabalhista do

governo Dutra. Entre 1947 e 1950, quando aumentou a repressão sindical, os dissídios coletivos caíram de 295 para 134 (French, 1995:312). Apud: OLIVEIRA. Op. Cit. pp. 127-138.

308 Idem. pp. 127-138. 309 Ibidem. pp. 127-138.

comunista internacional.311 No ano de 1950, Vargas é eleito, defendendo um programa anti- imperialista, a favor da industrialização, prometendo justiça social e liberdade sindical. Após tomar posse em 1951, concede aumento de 100% do salário mínimo e se dirige a classe operária pedindo seu apoio, estimulando sua organização, e dando especial importância ao fortalecimento dos sindicatos312. Por meio da Lei no 1.667, de 1o de setembro de 1952, aboliu-se a exigência de atestado ideológico para os candidatos a dirigentes sindicais, mas se manteve a exigência de atestado de boa conduta, de prova de nacionalidade e de comprovação de pelo menos dois anos de exercício efetivo da profissão na base territorial.313

As características do populismo de Vargas referem-se principalmente à seus apelos nacionalistas; importante aspecto à que se refere a questão foi a campanha “O Petróleo é Nosso”, lançada em 1949, sendo o movimento nacionalista mais popular da história do Brasil, com os comunistas sendo seus principais organizadores dessa campanha vitoriosa e o estabelecimento do monopólio estatal da prospecção e extração do petróleo em 1953.314

Em 1953 a greve têxtil de São Paulo estendeu-se para várias outras categorias. A greve foi declarada ilegal desde o início. No terceiro dia de greve, forma-se o CGG (Comando Geral de Greve), do qual participam dirigentes sindicais e operários mesmo não sindicalizados. Ao mesmo tempo vão-se organizando comissões de Greve por setor. A CGG é o primeiro passo para a formação da Comissão Intersindical, onde a participação dos dirigentes sindicais será dominante. Isto significava objetivamente que tais organizações (CGG, CIS, e mais tarde PUA, PIS, etc.), passam a apoiar-se, de fato, nas estruturas do sindicato vertical, e que os interesses operários continuam subordinados ao Estado.315

No dia seguinte ao suicídio de Vargas, foi divulgada a “carta-testamento”, que acusa a seus inimigos e às “forças ocultas do estrangeiro” como responsáveis pelo seu gesto. As massas populares foram às ruas em manifestações desesperadas e indignadas, sendo essas as mais violentas que se tem conhecimento desde 1930.316

311 CASTRO, Sandra. Op. Cit. pp. 53-58.

312 “Na hora presente, nenhum governo poderá substituir, ou dispor da força suficiente para suas realizações sociais

se não contar com o apoio das organizações operarias”. Discurso de Vargas pôr ocasião do 1o de Maio de 1951 (cf.

WEFFORT, op cit, cap. III – p.5). Apud: CASTRO. Op. Cit. pp. 58-63.

313 OLIVEIRA. Op. Cit. p. 138-147. 314 CASTRO. Op. Cit. pp. 58-63. 315 Idem. pp. 58-63.

Com a destituição de Vargas, o MUT lança a organização de uma central sindical, a CGTB (Confederação geral dos trabalhadores do Brasil). Para a formação dessa organização sindical os comunistas chegam a exigir a colaboração do governo. Assim pedem em seu programa eleitoral “a ajuda decidida do governo à organização sindical do proletariado que unifique nacionalmente suas forças em uma confederação geral”.317

O Ministério do Trabalho utilizou, entre agosto de 1954 a janeiro de 1956, a legislação existente para o controle dos sindicatos. Durante os governos de transição Café Filho- Nereu Ramos, dezenas de diretorias foram suspensas. Entre janeiro e junho de 1955, 40.000 operários em São Paulo tiveram seus sindicatos sob intervenção.318 Um apelo em defesa da autonomia sindical foi assinado pôr 13 sindicatos liderados pelos metalúrgicos de São Paulo, apoiado pôr declarações de entidades operárias de várias regiões e diferentes setores de trabalhadores de todo país.319 O período Nereu Ramos foi positivo para o movimento operário, pois os lideres sindicais foram soltos, suspensas as intervenções, empossadas as diretorias eleitas.320

Nas eleições de Juscelino Kubitschek e João Goulart, o voto operário foi decisivo. Inicialmente os sindicalistas próximos ao PCB combateram a candidatura.321 O governo de Kubitscheck, de 1955-1960, caracterizou-se pela mobilização crescente dos trabalhadores visando garantir o poder de compra dos salários, continuamente desgastados pela inflação cada vez mais descontrolada.322

Além de sua política de salário mínimo e de controle de alguns preços do custo de vida, que procuravam ao menos atenuar as perdas decorrentes da inflação, o presidente da República chegou a sancionar a Lei no 3.807, de 27 de agosto de 1960, que definiu novas regras de funcionamento da previdência social.323

O Plano de Metas de JK acelerou o desenvolvimento industrial com importantes consequências para a classe e o movimento operário, alterando-se a estrutura da composição da mão-de-obra, com aumentos significativos dos setores metalúrgicos, plásticos e

317 “Tribuna Popular” – 14/11/45 (cf. WEFFORT, Sindicato e Política, p. II-54). Idem. pp. 53-58. 318 Ibidem. p. 64-66.

319 CASTRO. Op. Cit. pp. 64-66. 320 Idem. p. 64-66.

321 Ibidem. p. 64-66. 322 Idem. pp. 66-73.

derivados do petróleo, e caracterizados ainda pela migração rural-urbana. A penetração do capital estrangeiro foi maciça.324

As constantes mobilizações dos trabalhadores promoveram uma elevação do salário real até 1958, intensificando o fenômeno inflacionário e fazendo com que os sindicatos, sobretudo as bases, começassem a aprender mecanismos determinantes em sua condição de explorados, iniciando um processo de intervenção na economia. Tal situação resultou nos anos 60, na proposição de reformas estruturais.325

Já no início da década de 60 estava em pauta a reforma da CLT, porém pouco se avançou no sentido de se revisar amplamente a legislação sindical e trabalhista. Durante o governo João Goulart foi criada uma Comissão de Estatutos Legislativos, presidida pelo Ministério da Justiça.326

Ainda segundo OLIVEIRA:

Para essa comissão foram apresentados um Código Judiciário do Trabalho, elaborado por Vítor Russomano, e um Código do Trabalho, elaborado por Evaristo de Moraes Filho. O primeiro foi enviado ao Congresso em fins de 1963, sendo depois retirado pela Junta Militar. O segundo foi publicado no Diário Oficial de 23 de abril de 1963. O governo ainda tentava criar uma Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, que seria fundada pôr meio de um ato do Poder Executivo em 1o de Maio de 1963. (OLIVEIRA: 2002. p., 157)

No governo Jânio Quadros pela primeira vez o PTB esteve fora do Ministério do Trabalho. Esse período foi marcado por esforços de reorganização de cada uma das tendências do movimento sindical, e pela busca de apoio junto ao governo.327