• Nenhum resultado encontrado

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.5. Perspectivas de análise do comportamento desportivo

2.5.2. A abordagem baseada numa perspectiva ecológica

2.5.2.3. A abordagem baseada nos constrangimentos

Na perspectiva de Davids e Araújo (2005), a abordagem baseada nos constrangimentos (ABC) tem sido proposta como racional teórico para a compreensão da aquisição do movimento e da acção táctica no desporto.

Esta abordagem tem como suporte a psicologia ecológica e a TSD, sendo concebida para explicar como o comportamento habilidoso do atleta muda e evolui sob os constrangimentos à acção (Davids & Araújo, 2005). Segundo estes autores, por exemplo, a interacção das principais classes de constrangimentos no sistema neuromuscular, durante a actividade orientada para objectivos, proporciona a emergência de estados óptimos de coordenação.

Segundo vários autores (Barreiros et al., 1995; Handford et al., 1997; Davids et al., 2003; Araújo et al., 2004; Savelsbergh et al., 2004; Araújo e Volossovitch, 2005; Davids & Araújo, 2005; Mateus, 2005; Araújo 2006b; Passos et al., 2006; Newell & Jordan, 2007), os constrangimentos podem ser classificados, de acordo com o modelo de Newell (1986), em três categorias distintas: Constrangimentos do praticante/organismo, constrangimentos do ambiente/envolvimento e constrangimentos da tarefa.

Davids e Araújo (2005) caracterizam mais especificamente cada categoria destes constrangimentos da seguinte forma:

Os constrangimentos do praticante referem-se às características individuais dos atletas (genes, peso, altura, composição corporal, características psicológicas, as suas conexões sinápticas no cérebro, etc.). Podem incluir padrões habituais de pensamento, níveis de perícia ou, por exemplo, anomalias no sistema visual. Os recursos usados pelos atletas podem ter limitações que levam a adaptações específicas para resolver determinada tarefa;

Os constrangimentos do ambiente podem ser físicos ou não. Estão incluídos nesta categoria a luz ambiente, a temperatura, a altitude, etc., que podem afectar o movimento humano em diferentes níveis. Os factores

sócio-culturais também estão presentes, os quais incluem a família, amigos, expectativas sociais, normas e valores culturais, etc.;

Os constrangimentos da tarefa, são por norma mais específicos a um tipo de desempenho, onde podemos incluir os objectivos, as regras, a superfície de jogo e os utensílios usados num desporto específico, sendo ainda consideradas as informações disponíveis nos contextos específicos do desempenho que os atletas podem usar no sentido de coordenar as suas acções (ex: acústicas, visuais ou proprioceptivas). Os constrangimentos informacionais estão incluídos nesta categoria, pois permitem guiar as acções de um praticante à medida que as acções são realizadas.

Recentemente, Newell e Jordan (2007) apresentaram uma actualização da teoria original dos constrangimentos do movimento de Newell, referindo que no modelo de 1986 foi realizada uma distinção entre constrangimentos do ambiente para a acção, mais gerais, e aqueles que eram mais específicos da tarefa. Actualmente, os autores consideram que uma definição se pode tornar mais clara se não se forçar esta distinção, sendo mais coerente considerar os constrangimentos do envolvimento como o conjunto de todas as condições externas ao organismo, sendo destacado que, esta é a única modificação à linha de pensamento do modelo de Newell (1986).

Por tudo o que anteriormente mencionamos facilmente se percebe que, os praticantes de desportos dinâmicos precisam de interagir com o seu contexto em mudança e as decisões emergem à medida que os constrangimentos da tarefa mudam (Araújo & Volossovitch, 2005; Davids & Araújo, 2005). De acordo com os investigadores, cada categoria de constrangimentos atrás referida não actua isoladamente mas sim interagindo para influenciar o desempenho, sendo que o comportamento emerge da interacção entre praticante e ambiente, em direcção ao objectivo da tarefa.

A natureza da variabilidade do movimento deriva da interacção de várias fontes de constrangimentos na acção, levando isto à singularidade do sistema dinâmico para que uma performance em particular ocorra (Davids et al., 2003).

Savelsbergh e colaboradores (2004), referem que os constrangimentos são factores que de alguma forma permitem a ocorrência de um padrão coordenador, mas não o prescreve, guiando contudo a direcção do desenvolvimento ao tornar certos padrões impossíveis ou improváveis. Araújo (2006b) acrescenta que os constrangimentos não

são influências negativas que tiram liberdade ao sistema. De acordo com o autor, os constrangimentos são a forma como os componentes do sistema estão ligados, formando um tipo de organização específica.

Warren (2006), enfatizando a dinâmica comportamental, destaca que o comportamento adaptativo mais do que imposto emerge desta confluência de constrangimentos.

Nos JDC com bola, cada equipa actua como um sistema, onde os seus jogadores estão organizados de tal forma que podem ser considerados um super-organismo, sendo que a equipa com os seus constrangimentos específicos, distintos dos de cada indivíduo por si só, ao interagir com o ambiente procura atingir o objectivo da tarefa (Davids & Araújo, 2005). Podemos dizer também que, as funções locais de cada hoquista, de forma coordenada com os demais e em função dos constrangimentos presentes, procuram alcançar os diferentes objectivos globais da equipa.

Segundo Júlio e Araújo (2005), importa que os jogadores aprendam a encontrar o seu próprio comportamento adaptativo, de forma a antecipar e a resolver os problemas do contexto do jogo.

A emergência de padrões de coordenação é também referida por Savelsbergh e colaboradores (2004), no que concerne à aprendizagem perceptivo-motora. Estes autores destacam existirem evidências empíricas claras em que a alteração de constrangimentos pode permitir a emergência ou o desaparecimento de habilidades motoras e que uma ligeira alteração de um dos constrangimentos pode levar à alteração de padrões coordenativos, podendo, inclusivamente, ocorrer a re-emergência de um padrão coordenativo outrora perdido.

Assim, importa compreender como a TD e as acções emergem durante o desempenho em contextos complexos e dinâmicos tais como os do desporto (Davids, 2006). Segundo o autor, os pedagogos devem compreender os constrangimentos chave que interagem, com o objectivo de moldar o desempenho e manipular estes constrangimentos para que quem esteja a aprender seja guiado em direcção a soluções emergentes de desempenho. Para tal, o aspecto chave, passa por definir quais os constrangimentos que no treino devem ser o mais similar possível aos constrangimentos da situação de jogo (Savelsbergh et al., 2004).

Devemos então ter um conhecimento que permita criar condições para que, no treino, o hoquista se adapte melhor às condições do contexto que pode encontrar em competição e não prescrever antecipadamente essa acção.