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Abordagem ao Contexto Político, Social e Económico Qual o Perfil do Proprietário?

No documento Pág.1 736.CorpoTese Primeira Segunda Parte (páginas 175-199)

Introdução

A ausência de fontes textuais que refiram a sua existência da Villa aristocrática492 da Antiguidade Tardia descoberta no Rabaçal entre 1984 e 2010, com continuação na actualidade (Figuras 4b, 5e), no quadro da ciuitas ou municipium de Conímbriga, no conventus scallabitanus, província da Lusitânia, é um traço comum em relação aos 14 sítios de prováveis Villae do território de Conímbriga, alguns deles já identificados no início do século XX493. Esse traço é comum494 também em relação aos 254 sítios relacionados com a existência de Villae recentemente assinaladas para o Portugal Romano, que inclui a parte portuguesa da Callaecia e da Lusitânia495. O inventário completado em 1986 regista 2800 estações romanas no território actualmente português496. Gorges assinalava, em 1978, a existência de 602 Villae na Península

Ibérica, sendo 96 repartidas da seguinte forma pela Lusitânia: 47 no Conventus

Pacencis, 30 no Emeritensis e 19 no Scalabitanus497. O mesmo autor, posteriormente

assinalava já a existência de 226 Villae na Lusitânia498. Outro traço comum, consiste em alguma supremacia da planta de peristilo, assinalada no conjunto destas Villae, atestando que esta referência ao palácio helenístico teve adeptos, por parte de arquitectos e clientes até ao fim da Antiguidade Tardia499.

492 BALMELLE, 2001, p.19, Nota 17. “O termo aristocrático designa por um lado a aristocracia de ordem

senatorial, a aristocracia municipal, a saber as elites das populações urbanas, sobre o plano jurídico e social, enfim a aristocracia provincial em sentido lato, como o são os proprietários fundiários de uma certa grandeza”.

493 PESSOA, 2005, p.394

494 Exceptuam-se a Villa de Pisões, a 7 quilómetros de Beja, na freguesia de S. Tiago Maior, que foi

propriedade de uma família de nome Atília, como se deduz de uma inscrição à deusa Salus ali encontrada (cf. ALARCÃO, 1974, p. 11); a matriz de um selo com inscrição recolhido na Villa de Torre de Palma levou o descobridor da Villa a atribuí-la à família Basilii, sendo que o achado de uma ara Marte consagrada por M. Célio Celso poderia, por idênticas razões atribuí-la a uma família Coelii. Ou talvez a

Villa tenha sido propriedade destes no século II e dos basílios no século IV (cf. ALARCÃO, 1974, p.

108); a legenda Viventes Cardilium et Avitam Félix Turre num mosaico da Villa de Cardílio, em Torres Novas, parece evidenciar que os seus proprietários seriam Cardílo e Avita (cf. ALARCÃO, 1974, p.116).

495 ABRAÇOS, 2006, p.217. 496 ALARCÃO, 1986, p.376. 497 GORGES , 1978, p.??. 498 Idem, 1990, p.91-113.

Apelidar de Villa de Vallerius ou Villa Vallerii ao conjunto do palácio romano, balneário, casa agrícola, oficinas e fundus, objecto do nosso presente estudo, a partir da descoberta, realizada na campanha de escavações da pars rustica, no ano de 2003, de um grafito sobre cerâmica que refere aquele antropónimo500, parece-nos prematuro. Aquela inscrição, sobre um instrumentum domesticum501, pode revelar um tipo de

tratamento, por parte de quem ofereceu um peso de tear, próprio de uma relação entre fornecedor e encomendador, do senhor para o servo ou serva ou de pessoas que têm relações de estima e amizade, porventura do mesmo nível social?

No actual estado dos nossos conhecimentos preferimos a designação pelo nome actual de Rabaçal por ser a povoação sede de freguesia, do concelho de Penela, que está mais próxima, a uns escassos 500 metros, do lugar da Ordem, junto do qual se encontra a Villa. No entanto, certo é que os Vallerii constituem uma família de Conímbriga que adquiriu pela riqueza ou pelo mérito importante posição social, tendo ligação aos

Turranii, que por sua vez souberam aliar-se com os Sulpicii e os Aurellii para

dominarem o poder político da cidade502 e, naturalmente do seu território. De notar que

as restantes inscrições aqui identificadas em pesos de tear exibem os distintivos das firmas Maelo e Allia, de famílias muito conhecidas em Conímbriga e no seu território bem como fora dele como é o caso de Aeminium.

Sabemos que estamos perante o centro de uma grande propriedade rústica. Mas terá sido fundada pelos romanos ou é anterior à sua chegada? De facto o achado monetário mais antigo que aqui se conhece foi recolhido, à superfície, numa terra de semeadura e olival, nas proximidades da Villa, provavelmente no território pertencente ao seu fundus, junto à linha de água do “Rio dos Mouros”, sendo datável das últimas décadas do século I a.C.503. Este numisma atesta assim o uso agrícola do solo desde tempos recuados em relação à fundação da Villa áulica aqui construída em meados do século IV d.C. De salientar que no sítio da Villa das Lameiras, Póvoa de Pegas, Zambujal, concelho de Condeixa, a cerca de 3 quilómetros para Norte do Rabaçal504, foram recolhidos entre os achados, dois sestércios, um de Adriano e outro de Trajano505,

500 L.(ucius) VAL.(erius) / VT.(ere) V.(ale)

501 Ver, por favor, Capítulo I - 4. 2. 2. Qual o Perfil do Proprietário? - p.193-198. 502 ALARCÃO, 1990, p.405; ÉTIENNE, FABRE, LÊVEQUE, LÊVEQUE, 1976, p.99. 503 PESSOA; RODRIGO, 2010, p.5.

504 Sondagens realizadas por Jorge de Alarcão na década de 1960. 505 PESSOA, 1986, p.66.

o que poderá provar que o momento de instalação das propriedades, granjas e Villae, no vale do Rabaçal terá ocorrido em diferentes períodos ou épocas.

De salientar que a ocorrência da descoberta na pars rustica de um conjunto de 39 moedas datadas de meados do século III e apenas 2 na pars urbana e 2 no balneário, comparativamente com as moedas do mesmo período506, leva-nos a colocar a hipótese de que esta propriedade, fundada em época romana ou mesmo anteriormente, ao tempo do domínio dos Lusitanos e depois do Túrdulos507, tenha sido dotada, por volta de meados do referido século III, de uma construção do tipo granja ao casal agrícola508, cujas fundações poderão ter servido de base à implantação do terceiro dos três pavilhões, o da pars rustica, delineado no quadro do mesmo plano construtivo geral da

Villa, aqui implantado entre os meados do século IV e o início da segunda metade da

mesma centúria (Figura 5g). O pavillhão do balneário da Villa romana do Rabaçal, à semelhança da Villa de Torre de Palma e de Pisões, fica isolado ou meio independente da residência, ao contrário do descoberto em Villa Cardílio, Milreu ou no palácio intramuros de Conímbriga, em que o balneário se integra na casa509. O pavilhão da pars

urbana apresenta, como vimos, uma planta octogonal muito rara, de elevado efeito

estético, com origem na arquitectura termal monumental510 (Figura 5b). Os outros dois exemplos conhecidos situam-se em Itália (Palazzo Pignano, Lombardia) (Figura 5h) e em Espanha (Valdetorres de Jarama, Castela)511 (Figura 5i).

Sabemos, no entanto, que esta Villa, situada a meio de uma encosta, que sem grande declive desce até às águas da ribeira do “Rio dos Mouros”, junto à qual corre a linha da estrada romana que ligava a Villa a Conímbriga, distante a escassas VIII milhas, terá sido assim dotada de meios à medida de novas necessidades de maior e mais diversificada produção, não só do ponto de vista agrícola mas também da criação

506 PEREIRA, PESSOA, SILVA, 2011, Cat.1-2, século I; Cat.3-7, século II; Cat.8-53, século III; Cat.54-

342, século IV; Cat.343-350, século V; Cat.351-358, Ilegíveis século IV-V; Cat.359-377, Moedas Portuguesas (no prelo).

507 ALARCÃO, 1974, p.20-24.

508 De referir que o marco miliário do imperador Décio, datado de 250-252, descoberto junto à via romana

(que ligava Sellium, Tomar, a Aeminium, Coimbra, passando por Conímbriga, Condeixa-a-Velha), no lado nascente do vale do Rabaçal, a escassos 500 metros da Villa, pode corresponder a uma melhoria da via, nesta mesma época, resultando daí uma melhoria das condições económicas ocorridas nesta área (MANTAS, 1985, p.179).

509 À semelhança da Villa de Torre de Palma e de Pisões o Balneário da Villa romana do Rabaçal ficam

isolados ou meio independentes da residência, ao contrário do descoberto na Villa Cardílio, em Milreu ou no palácio intramuros de Conímbriga, em que o balneário se integra na casa (ALARCÃO, 1974, p.114).

de gado, bem como industrial, como o provam, por exemplo a escória de fundição da serralharia e as estruturas do forno cerâmico.

Sobre a longevidade da ocupação desta Villa áulica, supomos que, por alguns materiais datáveis, ela se tenha prolongado pelos séculos IV e V e mesmo pelo VI512, senão mesmo posteriormente, ultrapassando o pressuposto de que tudo acabava com o período das invasões e da decadência do “Baixo Império”. Serão as peças aqui recolhidas, datadas dos séculos I e II, e sobretudo, porque em maior quantidade, do III, contemporâneos do uso da propriedade ou reflexo do uso de moeda e de outros objectos daqueles séculos nos século posteriores? A existência de um tesouro numismático, recolhido numa canalização da área rústica, ocultado, provavelmente, no início do século V, pode ser um sinal disso mesmo. No entanto, só através do estudo aprofundado dos materiais, objecto da investigação interdisciplinar em curso, cujos autores, temas e graus de desenvolvimento da mesma apresentamos, em anexo, bem como o quadro das mudanças sociais, económicas e políticas ocorridas na Lusitânia, durante o século V, teremos assim reunidos os elementos indispensáveis para alcançar um novo olhar sobre a Villa e o seu contexto.

O estudo aqui apresentado à volta do tema “Villa romana do Rabaçal, Penela, Portugal - Um centro na periferia do Império e no território da civitas de Conímbriga” incide sobre o momento a partir do qual ocorreu a instalação da Villa áulica, entre o final da primeira metade do século IV e o início da segunda metade do mesmo, tendo em conta o achado de uma moeda de Constâncio II, anterior a 350, num nível que interpretamos como de preparação do nivelamento do terreno que deu lugar à implantação da pars urbana, e por ser nesse período cronológico 340/350-350/364 que se concentra cerca de metade do total do espólio numismático de datação segura, recolhida até hoje nas escavações arqueológicas realizadas nas três partes constituintes da Villa513.

I - 4. 1. Abordagem ao Contexto Político

512 QUARESMA, 2011, p.96-108.

513 PEREIRA, PESSOA, SILVA, 2011, Cat.1-2, século I; Cat.3-7, século II; Cat.8-53, século III; Cat.54-

342, século IV; Cat.343-350, século V; Cat.351-358, Ilegíveis século IV-V; Cat.359-377, Moedas Portuguesas (no prelo).

I - 4. 1. 1. A Passagem para o Século IV e Antecedentes

É hoje tónica dominante na análise dos historiadores contemporâneos que o século IV representou “um novo século de paz romana”, ao contrário da longa situação de instabilidade do período de “anarquia militar” que atravessou o império após o final da dinastia dos Severos, a partir de 235 d.C. (ano da morte de Maximino) até à aclamação de Diocleciano, em 284, o que diminuiu a resistência das fronteiras romanas aos ataques dos ditos Bárbaros. Entre 270-275 as incursões franco-alamanas terão atingido a Galécia e a Lusitânia. A Hispânia havia sido dividida, por Augusto, entre 16 e 2 a.C. em três províncias: a Bética, a Tarraconense e a Lusitânia; o Douro e o Guadiana constituíam os limites desta última província, que, para oriente, ultrapassava a actual fronteira portuguesa sendo Emerita Augusta (hoje Mérida) a sua capital. No tempo de Probo, 276-282, a guerra civil alastrou-se à Península Ibérica, sendo que a construção ou remodelação das muralhas das cidades faz parte de um plano sistemático como medida preventiva contra novos ataques, como aconteceu em Conímbriga, entre os fins do século III e os inícios do seguinte, isto é, sob Maximiano (284-294) e Diocleciano. No tempo deste imperador, como vimos, o mundo romano repartia-se, de Oriente a Ocidente e de Norte a Sul, em cerca de 100 Províncias. Algumas destas, através dos seus centros emissores de moeda, estão representadas no acervo do Museu do Rabaçal (Figura 8c). A Península Ibérica foi então dividida na Baetica, Lusitania,

Callaecia, Tarraconensis e Carthaginensis, cada uma com o seu praeses e todas

constituindo a dioeceses Hispaniarum (que veio a englobar também a Mauritânia Tingitana). Das 5 províncias romanas da Península Ibérica, a mais Atlântica é a Lusitânia – repartida por 3 conventus ou distritos (Scallabitanus – Santarém; Pacensis – Beja; Emeritensis – Mérida). Em termos do actual território português, assinale-se que o

Conventus Bracara Augustanus, a norte do rio Douro, integrava a Província da

Callaecia, sendo Braga a sua capital (Figura 8a).

“O perigo de desmembramento do Império Romano foi momentaneamente esconjurado, nos finais do século III e começos do IV, graças à enérgica reacção dos imperadores Aureliano (270-275), Diocleciano (284-305) e Constantino (306-337), e a paz regressou, assegurando uma última fase de reconstrução, propícia ao florescimento de uma civilização da qual subsistem interessantes testemunhos arqueológicos”514.

De facto, “a explicação de Rostovtzeff para este surto económico, que é geral e de modo nenhum específico da Lusitânia, é conhecida: os decuriones, os homens ricos de cada município, apertados pelo fisco, solicitados a contribuírem largamente para a edificação de monumentos municipais, teriam trocado as cidades pelos campos, onde lhes seria mais fácil escapar ao fisco e aos encargos da cúria. Não está porém provada esta fuga das cidades para o campo. A razão, aliás, podia também ser outra: as cidades, reduzidas após as invasões do século III, acanhadas dentro das muralhas, muitas vezes sem os teatros e anfiteatros que haviam tornado atraente a vida urbana dos séculos anteriores, já não seduziam”515.

Como sabemos pelo inventário de distribuição das Villae romanas em Portugal estas encontram-se sobretudo no Alentejo e Algarve; menos ricas e menos densas, aparecem-nos logo a seguir nas actuais províncias da Estremadura e da Beira Litoral. Fora destas são raras e quase sempre mais pobres. De facto, ainda hoje os latifúndios se encontram nas mesmas regiões, e os minifúndios igualmente no interior das Beiras, no Minho e em Trás-os-Montes516.

I - 4. 1. 2. O Século IV na Península Ibérica e seus Reflexos Possíveis ao Nível das Civitates e das Villae da Lusitânia

Em seguida à ampla reforma da administração, levada a cabo por Diocleciano e pelos tetrarcas, as províncias, como aconteceu com as da Península Ibérica, e em concreto com a Lusitânia, ficaram sob a autoridade de um praeses e, todas, constituíam a diocesis Hispaniarum. A diocese das Hispânias era governada por um vicarius, por seu turno sujeito ao praefectus das Gálias, cargo criado por Constantino; deste

praefectus das Gálias dependiam igualmente os vicários da Bretanha, das Gálias e da

Vienense.

Os praesides ou governadores das províncias, na Hispânia como nas outras dioceses, foram durante muito tempo viri perfectissimi, isto é, homens escolhidos na classe equestre; a classe senatorial, dos viri clarissimi, perdeu uma boa parte da sua

515 ALARCÃO, 1974, p.106-107. 516 Idem, p.108.

influência política. Na Lusitânia, porém, em data incerta mas entre 338 e 360, o governador voltou a ser de condição senatorial, com o título de praeses517.

As reformas de Constantino vão reforçar a pirâmide administrativa do Império. As províncias da Península Ibérica são subordinadas no plano hierárquico à prefeitura instalada na corte imperial de Trèves, tendo sido instalado em Mérida, cidade capital da Lusitânia, o Vicarius Hispaniarum, governador-geral e supremo daquelas províncias518.

No quadro da municipalização da Lusitânia, a sul de Aeminium, ficava o território da ciuitas de Conímbriga (no qual foi implantada, na sua porção sudeste, a

Villa romana do Rabaçal), cuja institucionalização está suficientemente demonstrada no

período do flávios. A sua definição como civitas é, porém, da época de Augusto, visto que se construiu nessa fase o primeiro fórum da cidade. A sua fronteira meridional não andaria longe dos paralelos de Alvaiázere e Ansião, por onde confrontaria com Sellium, e do paralelo de Pombal, por onde se entestaria com Collipo. A serra de Lousã poderia constituir a estrema oriental do territorium. Há nesta serra um topónimo, Trevim, que parece derivar de trifinum, local onde se encontram três extremidades. Poderiam convergir aqui as três civitates de Conímbriga, Aeminium e Bobadela (ALARCÃO, 1988, p.46). A Norte, o limite do território entre a civitas de Conímbriga e de Aeminium seria definido por uma linha marcada para além da margem sul do rio Mondego519.

Após a criação das civitas e dos conventus, onde se julgavam os pleitos do distrito correspondente, a Lusitânia não parece ter conhecido, até aos fins da dominação romana, nenhuma outra reorganização administrativa interna.

A ciuitas de Conímbriga encontrava-se no Conventus Scallabitanus. Scallabis (perto de Santarém) era a sua sede. O Douro e o Tejo limitavam, a Norte e a Sul esta circunscrição. A fronteira oriental poderia acompanhar o rio Côa e seguir depois pelo Erges até ao Tejo. É todavia incerto se a civitas Igaeditanorum ficava incluída no convento escalabitano ou no emeritense520.

De facto, do mesmo modo que, nos últimos séculos antes da nossa era, os povos da região do Mondego viveram a ameaça da conquista romana, habitando aglomerados

517 ALARCÃO, 1974, p.60. 518 Idem

urbanos, como é o caso de Conímbriga, consideravelmente desenvolvidos, dado que as escavações alcançaram níveis pré-romanos, ao longo do século IV as invasões da Lusitânia foram apenas um receio, sendo que no século V, porém, se transformaram numa realidade.

Está atestada pelo menos a existência de um Vicus Baedorus, no território de Conímbriga521, mas ignoramos a sua posição exacta. Está comprovada a existência de outras Villae e casais atestados no vale do Rabaçal. É provável ter existido um Vicus ao longo dele, no sítio do Barbealho522, dado ser comum a sua localização na proximidade das vias, estando atestada a sua descoberta, ao longo delas com intervalos de cerca de15 a 20 quilómetros. Por exemplo, parece estar atestado, em Sacavém, na margem norte do Tejo, a existência de um Vicus que seria governado por dois magistri, e que e na margem sul do Sado os Vicani de Tróia poderiam eleger os seus magistri523.

São conhecidas as transformações ocorridas nas cidades da Lusitânia do Baixo- Império. O facto da reformulação de um dos balnea de Olisipo, à Rua das Pedras Negras, no ano 336, ter sido realizado sob os auspícios de Numério Albano, praeses da Lusitânia, traz luz sobre esta província e denota a importância do porto capital do ocidente da Península524.

Pouco tempo depois surge-nos, para a História da Lusitânia, o testemunho do primeiro escritor conhecido lusitano, Potamius, “primeiro bispo conhecido de Lisboa, cujo floruit se baliza entre os anos 343 e 360. Teria passado do catolicismo ao arianismo nos anos de 355-356 e teria falecido por volta de 360, quando se dirigia à sua Villa que lhe teria sido oferecida pelo Imperador Constâncio II, que reinou entre 337 e 361. Este comportamento não seria raro no tempo pois Juliano, poucos anos depois, também oferece ao retórico Evrágio, seu amigo, uma propriedade (agros) de quatro terras com residência (dwma), balnea, viridarium, que havia herdado da sua avó, na Bitínia, que descreve, na linha de Plínio, o Jovem, com o pormenor e o carinho típicos dos proprietários romanos”525. Porém, aquele bispo poderá ter vivido até aos anos 80, ou

521 CIL II 365, ÉTIENNE, FABRE, LÊVEQUE, LÊVEQUE, 1976, p. 35-36. 522 PESSOA, 1998, p.14-15, nº7.

523 ALARCÃO, 1988, p.76-78. 524 MACIEL, 1994, p.35.

seja até ao tempo do Imperador Teodósio526. Com efeito, o tempo de Potâmio coincide, conforme a nossa proposta de datação, com o da construção da Villa romana do Rabaçal e, ainda, com a subida ao poder de Juliano, ainda no tempo de Constâncio II, tempo esse caracterizado pela tríplice controvérsia arianismo – paganismo – catolicismo. O arianismo terá tido predominância com o apoio de Constâncio II; o segundo terá ganho significativo alento com a legitimidade de Juliano como imperador e o terceiro será definitivo vencedor com Teodósio527.

Um exemplo significante da rhetorica christiana no discurso de Potâmio é a utilização da linguagem metafórica no uso do termo “Auriga” para significar a alma humana528. “O ser humano, para este lusitano do século IV, era composto de alma e corpo, sendo esse conduzido pela vida fora, como o auriga conduzia então, no cursus do circo a sua biga, a sua quadriga ou até mesmo, pelas estradas do império, um carro de transporte – plaustrum ou carpentum – ou o carro do correio público”529.

É interessante notar que Potâmio nos fala também do ficus in paradiso530 e

Juliano descreve o fruto da figueira (como parece constar dos mosaicos do Rabaçal) como oferenda para os deuses, posta sobre os altares como sacrifício e melhor que o incenso para a produção de perfumes531. O figo era então reconhecido como o melhor fruto mediterrânico, exportado já nesse tempo para a Índia, a Pérsia e a Etiópia532 e por isso também são citados por Potâmio, juntamente com outros igualmente, por fazerem parte da imagem do paraíso, como a cereja / cerasium, a pêra / pirum, a maçã / pomum,

No documento Pág.1 736.CorpoTese Primeira Segunda Parte (páginas 175-199)