I - 2. 1. O Vale e as Serras
I - 2. 1. 1. Localização
O vale do Rabaçal encontra-se na porção continental de Portugal, na região dita da Beira-Litoral e, mais concretamente, na sua sub-região do Baixo Mondego.
A multímoda e vasta região da Beira Litoral, cingida a poente pelo mar Atlântico, a nascente pelas vertentes das serras da Gralheira, Caramulo, Buçaco, Açor, Lousã e Cordilheira do Zêzere, estende-se das imediações do rio Douro, a norte, à Bacia do Lis, a sul, sendo divisível em oito sub-regiões tradicionais. São elas, como sabemos, as Terras de Ovar e de Cambra, Ribeira do Vouga, Ria de Aveiro, Gândara, Bairrada, Entre Lousã e Alva, Baixo Mondego / Mondego Litoral e Lis110.
O Baixo Mondego é uma área marcadamente rural, a que um rio, uma fachada marítima e a cidade de Coimbra imprimem uma unidade muito própria111. O Mondego,
cujo percurso até à foz é de 227 km, atravessa, em desenho sinuoso, o maciço antigo ibérico e a orla mezo-cenozóica ocidental. Ao entrar na Portela de Coimbra, baliza nascente desta sub-região do Baixo Mondego112, nas planuras e ondulações do litoral de formação moderna terciária e quaternária, o rio serrano dá lugar ao rio de planície do Baixo Vale do Mondego, nestes últimos 48 Km até à Figueira da Foz. É aqui alimentado, neste percurso e nesta fase, sobretudo pelas águas das chuvas, decorrendo daí as suas características torrenciais113.
É de facto na sub-região do Baixo Mondego, assim definida por Fernandes Martins114, que engloba os concelhos de Coimbra, Penela e Condeixa-a-Nova, onde predominam as altitudes entre os 50 e os 200 metros, mais precisamente na sua
110 DIONISIO, 1941, p.45. 111 COELHO, 1983, p.1
112 Ver em GIRÃO, 1933, MARTINS, 1940, RIBEIRO, 1967, COELHO, 1983, VILAÇA, 1988, como é
alargada a discussão sobre os critérios que definem estes limites.
cabeceira Sul-Sudeste, que se situam a serra e o vale do Rabaçal. É no Mondego Litoral, que compreende os concelhos de Cantanhede, Montemor-o-Velho, Soure e Figueira da Foz, onde encontramos, em maioria, os terrenos inundáveis a altitudes entre os 0 e os 30 metros.
O nome de vale do Rabaçal (concelhos de Penela, Soure, Ansião, Condeixa115) tem origem no nome do lugar existente a meio do vale, habitado até aos nossos dias pelo menos desde a Idade Média, sendo de notar a existência nesta zona de alguns vestígios pré e proto-históricos116. A sua designação (fitotoponímia) advém do facto deste aglomerado se encontrar envolvido por campos onde abunda a rabaça (Apium
nodiflorum L.), cuja florzinha branca se destaca bem nesta paisagem, sobretudo durante
a Primavera.
Aqui, tem vindo a ser descoberta junto ao lugar da Ordem, no limite entre os concelhos de Condeixa e Penela, uma Villa tardo – romana, objecto de estudo deste trabalho, para a qual foi adoptada, na ausência de minúcia toponímia possível, o nome por que é apelidada tanto a Serra (532 m) como o vale (c. 160 m de altitude) e, ainda, como vimos, a aldeia mais próxima do sítio arqueológico – Rabaçal, cabeça de freguesia do concelho de Penela, no distrito de Coimbra.
A Estação Arqueológica do Rabaçal, que aqui apresentamos, está situada numa das plataformas de rebordos alcantilados na base da encosta do monte de Maria Pares. Trata-se da vertente este da Serra de Sicó, percorrida por arrifes na direcção norte - sul, cobertos de terras argilosas de semeadura, vinha e olival, sobranceiras ao vale do Rabaçal, a meio do qual serpenteia o Rio dos Mouros ou Rio Caralio.
O vale do Rabaçal reúne um território recortado administrativamente por quatro freguesias, Rabaçal, Alvorge, Pombalinho e Zambujal, pertencendo aos seguintes quatro diferentes concelhos: Penela, a norte, nordeste, este e sudeste; Ansião, a sul e sudoeste; Soure, a este; Condeixa-a-Nova, a norte e noroeste.
As vinte e uma comunidades que nele se avistam, entre o sopé, as encostas e algumas cumeadas, estão interligadas por duas estradas, uma longitudinal, no sentido
115 Carta Militar de Portugal, Instituto Geográfico do Exército, 1:25000, Folhas nº 251, 263. 116 PESSOA, 2003, p.319-325. AUBRY, 2011, p.160-169.
norte-sul (E.N. 347-1), e outra transversal, no sentido Este-Oeste (E.N. 563), cujo ponto obrigatório de passagem é a intercepção entre ambas no interior do lugar do Rabaçal.
Situamo-nos, aqui, a 12 km a Sul de Conímbriga, a 25 km a Sul de Coimbra, a 47 km a Este da atlântica Figueira da Foz, a 142 km a Sul do Porto, a 196 km a Norte de Lisboa, a 192 km de Vilar Formoso e, ainda, a 2509 km de Roma, a 4284 km de Atenas e a 600 km de Tanger.
Molduram esta paisagem do vale do Rabaçal, a nascente, na sua máxima projecção da linha do horizonte, os altos xistosos do maciço antigo paleozóico, pré- câmbrico, da Serra da Lousã (1204 m), Espinhal (864 m) e Cordilheira do Zêzere, nos quais neva habitualmente em época invernal. Esta linha de cumes ergue-se em soberba aptidão florestal, a prumo sobre a planície, prenúncio do Baixo Vale do Mondego. As elevações atrás referidas são a parte mais elevada do extremo sudoeste do sistema montanhoso central português. Nasce aqui, neste limite, uma linha divisória que vai de Espinho a Tomar, separando as formações da chamada “orla mezo–cenozóica”, do lado ocidental, ricas de calcários, areias e argilas, em maior ou menor grau de consolidação, e as do chamado “maciço antigo ibérico”, a Oriente, velhas de xistos, quartzitos e granitos117.
De facto, para Poente, a mais longínqua linha do horizonte que se avista em dia claro é a do areal e mar Atlântico de formação post – jurássica. Para Sul e para Norte são vários os contornos. Apesar de próximas, as cabeceiras de outras bacias hidrográficas não trazem mudanças assinaláveis na paisagem, dando lugar à ausência de linhas naturais separadoras das fronteiras sub-regionais. Assim, mesmo a menos beiroa das Beiras onde nos encontramos, também ela “enfaixa e gradua em si as sete cores do arco-íris das paisagens de Portugal”118. Esta região apresenta, de facto, um manto vegetal com feições que denunciam a passagem de um clima semelhante ao da Europa Central, para outro em que prevalece a vestimenta mediterrânica. É na variedade que encontramos a característica genuinidade desta paisagem.
Ao subir do vale à Serra do Rabaçal, situada esta a 532 metros de altitude, avistamos as formas orográficas que caracterizam a transição de um a outro quadro geográfico e paisagístico.
117 BORGES, 1987, p. 13-14.
Observamos, a nascente, as serranias de ligação ao maciço hespérico, através da sub-região de Entre–Lousã e Alva; para norte, ao longe, a Serra do Buçaco (548 metros de altitude na Cruz Alta) anuncia-nos, no seu sopé poente, as planícies Bairradina e Gandaresa; mais para sudeste, erguem-se os fraguedos da Cordilheira de aquém Zêzere, ainda no maciço antigo, remetendo-nos para as regiões da Beira Interior e Vale do Tejo; para Sul, o ponto mais alto do maciço calcário mezo-cenozóico de Sicó, no cume da serra de Alvaiázere (618 m), anuncia-nos as cabeceiras do Nabão, pertenças da bacia hidrográfica do Tejo, e, nas alturas, a continuidade do maciço calcário estremenho; para sudoeste viramo-nos para dentro das baixas colinas de Pombal e bacia do Lis; para poente, a vista espraia-se pela paisagem, pontuada de colinas calcárias onde predominam planícies de formação cenozóica compostas de argilas, aluviões e abundantes cursos de água, até às areias escaldantes das dunas litorais, junto ao mar.
I - 2. 1. 2. A Geologia
O vale do Rabaçal é conhecido como uma sub – região, embora de pequenas dimensões, dado apresentar uma paisagem inconfundível no quadro do Baixo Mondego. E sê-lo-á tanto pelos diversos factores naturais presentes como pelos fenómenos imputáveis à actividade humana que aqui têm lugar.
As vertentes e cumeadas que dão corpo a esta paisagem são um complemento natural do vale, integrando, como sabemos no seu todo, o maciço das serras calcárias de Condeixa, Sicó e Alvaiázere119.
A linha de cumes aparece-nos seca, cinza, sinuosa e nua, típico da morfologia cársica (de Karst, região da Eslovénia, Croácia e Itália), originada pela corrosão do relevo calcário. É envolvida, na base, por vegetação, nalguns pontos luxuriante, das margens do Rio dos Mouros (que sofreu efeitos das descargas poluentes das fábricas de laticínios), associada a um micro-clima húmido onde as espécies naturais se encontram, nalguns pontos, intocadas.
As formações geológicas do vale do Rabaçal120 são constituídas por calcários, calcários margosos, calcários dolomíticos e margas, depositados há mais de 150 milhões de anos,
119 CUNHA, 1991.
no período jurássico, da era Secundária, na era dos Grandes Répteis. São rochas fossilíferas, onde podemos encontrar restos de corais, moluscos e outra fauna tal como belemnites, amonóides, braquiópodes, lamelibrânquios, e crinóides.
No extremo Sul deste vale, entre o Alvorge e Santiago da Guarda, ocorrem depósitos areníticos de idade posterior (período Cretácico), contemporâneos dum ambiente continental e não marinho. Neste conjunto de rochas carbonatadas do período Jurássico das serras ditas do Sicó, estão identificadas, a partir dos mais antigos, os calcários dolomíticos (Jurássico Inferior, Sinemuriano e Carixiano Inferior), aos quais se sobrepõem as margas e os calcários do Carixiano - Domeriano Inferior, seguidos dos calcários e margas (Jurássico Inferior, Domeriano Superior, a base do Toarciano), margas e calcários Jurássico Inferior, Toarciano – Aaleniano Inferior), dos calcários, por vezes com nódulos de cherte, do Jurássico Médio (Aaleniano, Batoniano) e, no topo, como mais modernos, encontramos, novamente, calcários margosos, desta vez integráveis no Jurássico Superior.
A referida sobreposição litológica da rocha exposta, atacada pela água das chuvas, durante milhões de anos, sem qualquer tipo de cobertura significativa ou parcialmente recoberta por rochas insolúveis, por solo ou vegetação, e os fenómenos tectónicos, resultantes dos esforços e das deformações exercidas sobre o calcário por acção de movimentos internos (anticlinal, sinclinal e monoclinal) explicam a composição interna do relevo e a sua modulação121.
Distinguem-se, no conjunto desta unidade geológica de Sicó, basicamente três diferentes grupos de paisagem. “A oriente, um conjunto de colinas dolomíticas que se desenvolvem pelos 300 metros de altitude. O bloco ocidental de serras e planaltos calcários, mais extenso, inicia-se nas proximidades de Condeixa. Fazem parte deste conjunto um grupo de pequenas serras (Avessada, Ponte, Alcôncere, Cruto e Circo), cuja altura máxima é de 406 metros, estendendo-se pela importante Serra do Rabaçal onde se atingem já os 532 metros e, uma vez ultrapassado o planalto de Degracias – Alvorge, com cotas que rondam os 300 metros, vai culminar nas imediações de Pombal com 553 metros no cimo da Serra do Sicó. O bloco oriental de serras e planaltos calcários, que corresponde a uma estreita faixa meridiana, apresenta cotas que passam dos 347 metros do Castelo do Sobral para os 447 metros da Serra de Mouro, os 533
metros da Serra dos Ariques e os 618 metros da Serra de Alvaiázere, cujo vértice geodésico corresponde ao ponto mais elevado de todo o maciço”122.
Os geólogos assinalam-nos, ainda, no conjunto das serras calcárias de Condeixa, Sicó e Alvaiázere, três grandes depressões calcomargosas: a do Rabaçal, a Norte, a de Avelar, a Sudeste, e a de Alvaiázere a Sul / Sudeste. A referida depressão do Rabaçal, é a principal, a meio da qual foi instalada a Villa tardo-romana, nosso objecto de estudo, é a principal. Encontramo-la drenada pelo curso superior do Rio dos Mouros, o qual recebe o contributo de mais de uma dezena de exurgências cársicas. Estas têm sido a ser localizadas em vários pontos do vale, sobretudo nas zonas de contacto entre as margens do Domeriano Superior e dos calcários margosos do Toarciano (Jurássico Inferior) e entre estes e os calcários do mesmo tipo do Aaleniano (Jurássico Médio).
A sequência nas encostas do vale do Rabaçal de calcários duros encaixantes a Oeste, do Jurássico Médio (Batoniano a Bajociano e Aeleniano) e o comportamento mais brando das formações calcárias e margosas, pouco resistentes, do Jurássico Inferior (Toarciano a Hetangiano), a Oeste, conjugaram-se. É justamente no contacto com os calcários do Jurássico Médio (Dogger) que a diferença de resistência atinge o máximo123.
Esta vasta depressão calco–margosa, onde nos encontramos, apresenta uma orientação Sul – Norte, sendo que ela se abre desde as proximidades do Alvorge até à entrada do canhão flúvio – cársico de Conímbriga, Monte de Pega e Algar de Janeia. Apresenta 12 km de comprimento e uma largura que oscila, normalmente, entre 1 e 2,5 km. Esta formação Mezozóica do Jurássico Inferior e Médio, em cujo fundo marinho se registou, como vimos, a presença de vários exemplares de fósseis, nomeadamente belemnites e amonóides, hoje, apresenta-se-nos, movimentada quanto a formas naturais onde se destacam arrifes, cornijas, montes, colinas, taludes e charnecas. Tudo converge para um elemento discreto (porque lembra um rio de planície), mas dominante – o Rio dos Mouros, de curso intermitente, aberto em desníveis mais acentuados, mais abaixo, nos tufos de Conímbriga, possivelmente em tempos holocénicos124. Este rio, transposto o canhão caudaloso e acidentado, na margem a sul daquela cidade luso-romana, passa a regime de curso permanente a partir da nascente de Arrifana, percorrendo assim a
122 Idem, 1996, p.3-4. 123 CUNHA, 1990, p.56-62. 124 Idem.
planície de Ega, Belide e Marachão. Encontra, mais adiante, o rio Mondego na Granja do Ulmeiro, junto à Gare da C.P. de Alfarelos, situada na sua margem esquerda. Acompanhando este curso de água desde as suas nascentes até à embocadura no grande rio, torna-se evidente a impossibilidade de comunicação por via fluvial entre o ponto onde se localiza a Villa romana do Rabaçal e o mar, através do rio. Nem mesmo a Conímbriga seria possível aceder por meio da navegação. A estreiteza e a irregularidade do traçado impossibilitariam a prática da navegação fluvial para efeitos de comunicação e transportes com Conímbriga que foi a capital romana da região na margem sul do Mondego.
Voltando ao vale do Rabaçal, observamos nele como que uma linha, passando pelos montes de Figueiró (381 metros) e Ateanha (422 metros), no concelho de Ansião, que constitui a sua moldura, a sul; a norte, outra linha de cumes cruza o monte de Pega (319 metros), no concelho de Condeixa; a nascente, perfila-se uma cadeia de colinas que culmina no Monte de Vez (512 metros), no concelho de Penela; a poente, completam a armação as elevações de Maria Pares (364 metros) e da Serra do Rabaçal (525 metros), no concelho de Soure. Erguem-se isoladamente na planície dois montes de figuração semelhantemente cónica, o do Castelo do Germanelo ou de Ladeia (367 metros) e logo, mais a sul, o do Jerumelo (409 metros)125.
Da carsificação química dos montes confinantes formou-se, em complemento natural, o vale. Entretanto o CaCO3 da rocha mãe, convertido em Ca(HCO3)2 pela acção do H2CO3 contido nas águas das chuvas, ir-se-ia dissolvendo e desagregando e os produtos resultantes da areia, limo e argila, foram levados dos cimos das encostas para as partes baixas, em especial para o vale mais profundo, em direcção às margens do Rio dos Mouros. Estes produtos, juntamente com a folhagem das árvores e os restos de outras plantas, produziram tipos de solos, como aconteceu bem próximo na Mata da Abufarda126, aptos para a implantação de centenas de espécies de vegetação espontânea
herbácea, arbustiva e arbória, e de culturas agrícolas.
No conjunto estamos perante uma paisagem agrária que pouco terá mudado no decurso de séculos, sendo um exemplo claro do esforço secular das comunidades rurais tendo em vista a conquista do solo cultivável e a da sua conservação.
125 ARNAUT, 1961, p.7.
A circulação das águas superficiais, assim como a das subterrâneas, é também ela muito activa. É apreciável o número de nascentes localizadas (cerca de dez) e a presença de várias dezenas de poços, em especial, em terrenos aluviais do fundo do vale, tornando claro que existe sempre a possibilidade de utilizar o manto freático.
A oliveira é aqui preponderante, logo seguida da vinha. Àquela, encontramo-la, de preferência nos patamares intermédios, alcantilados, entre 200 e 189 metros, entre os montes e o fundo do vale. Nos lugares de cotas inferiores a 180 metros de altitude, predominam os campos para as produções cerealíferas e de legumes. Subindo acima da curva de nível dos 200 metros predominam, as matas de espécies espontâneas ou plantadas de carvalhos, sobreiros, medronheiros, pinheiros, eucaliptos, matos e ciprestes. Nas encostas, de algum pendor, a cobertura é herbácea ou arbustiva.
Como dito anteriormente, a alternância de calcários duros e de calcários margosos e margas neste espaço oferecem-nos, a poucos metros de distância, locais que ultrapassam dezenas, senão centenas de metros de altitude. Conjugam-se, aqui, vales encaixados em que cornijas, quase verticais, sem vegetação, dominam taludes relativamente suaves, apresentando alguma vegetação. São diversas as direcções dos valeiros e, ao mesmo tempo, de grande beleza. Não faltam, do cimo ao fundo da paisagem, linhas meandrizantes nesta paisagem de pequena e média montanha, característicamente mediterrânica. Serão estes atributos suficientes para lhe conferir a denominação de “vale cénico”?127.
Como nos lembra Acugelucci128, para a realização de uma recolha arqueológica importa ter presente as características físicas do território, na medida em que elas ajudam a explicar um grande número de razões que levaram à fixação humana, tendo em conta o uso e a exploração dos recursos naturais. Assim sendo, o dado arqueológico é menos incompleto se inserido num contexto, mediante o exame das condições existentes em torno do sítio e da modificação que o ambiente sofreu no tempo. O elemento antrópico é, como sabemos, um dos principais factores da modificação do ambiente.
127 REBELO, 1996, p.376-379 e 386-387. 128 ACUGELUCCI, 1996, p.25.
I - 2. 1. 3. A Geografia Humana
Este território vem sendo intensamente elaborado pelos seus habitantes, com uso preferencialmente agrícola. Estão aqui presentes, tanto em época romana como actualmente, apenas alguns centros habitados de pequena dimensão.
Individualizaremos um aspecto comum a todos os sectores do vale e constante no tempo: a particular aspereza e as muitas dificuldades que diferenciam as relações entre a natureza e os homens, o que originou sempre uma necessidade de fuga para o exterior próximo ou longínquo. Em tal luta mudaram os meios à disposição e com eles as suas escolhas129.
I - 2. 1. 4. A Toponímia e as Dificuldades de Melhoramento do Ambiente Natural
É ao mundo rural – povoamento e actividades, que se prende a maior parte dos topónimos aqui existentes, observáveis na simples leitura da Carta Militar de Portugal na escala 1:25.000 (Folhas nº 251, 263)130.
Estes emergem numa sociedade restrita, presa à terra, onde o monte, os cimos e o rio têm, frequentemente, um valor absoluto, dado o horizonte limitado dos conhecimentos. Como nos diz Caetano Ferro, “Os nomes dos lugares são um testemunho do esforço secular levado a cabo pelos homens no melhoramento do ambiente natural de uma região”131.
A nomenclatura popular e, com ela, a toponímia atribuem qualificações por comparação imediata e espontânea. Não escapam as propriedades litológicas do terreno em presença (Moroiços, Pedreiras, Mourêdeos, Pedregueira, Outeiro do Cascalho, Prégueira, Lapas, Delgada, Barreira), da sua fertilidade (Lameirão, Vales Verdes, Várzea), a coloração (Cabecinho Branco, Ferretosa, Vale Florido, Barreira) e a memória de antigas construções (Casais, Estalagem).
129 FERRO, 1979, p.131.
Num ambiente articulado e acidentado, a morfologia do terreno oferece materiais abundantes à toponímia em nomes de montanha, alguns de sugestiva fantasia popular. São disto exemplo os montes Germanelos, Maria Pares, Pega, Monte de Vez, onde o termo “monte” surge a qualificar objectos geográficos diversos. Os nomes da Serra do Rabaçal, do Monte de Ateanha, do Monte de Trás de Figueiró, especificam a pertença a uma comunidade, sendo que o Monte de Santa Cristina e o de Monte de S. Sebastião nos remetem para a existência de comunidades religiosas.
Cabeço, cimo, cruto, cabecinha, cômoros e cabeça gorda completam o quadro dos termos orográficos mais usados. Muitas vezes o monte é metaforicamente indicado com um nome comum referente a algo comparável à sua forma (Cabeça de Galinha, Perninha) e até com referências vagas e imprecisas, muitas vezes fantásticas e lendárias (Lenda dos Irmãos Ferreiros). Outros topónimos, referindo-se à orografia, evidenciam, em especial, a importância que teve para o homem aquele monte ou aquele relevo, como núcleo de fortificação (Monte do Castelo, Alvorge), como presença de indústrias locais (Cabeça do Moinho, Fonte da Pedra, Pedreiras, Montes dos Irmãos Ferreiros) e como traçado de limites administrativos ou rede viária (Marco, Marquinho).
Nas áreas do fundo do vale, de melhor aptidão para as culturas, as comunicações e o povoamento aparecem-nos a atestar esse facto, dado que os topónimos nos remetem para Olivais, Vale Centeio, Albergaria, Estalagem, Santiago, Póvoa e Vila Nova.
É bem conhecida a importância da disponibilidade da água para a vida das populações rurais. Sicó será, como opina Joaquim da Silveira, a abreviatura de sequinho