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I 3 A Villa Urbana, o Balneário e a Villa Rustica – Uma Imago Mundi e a Ideia de Paradeisos

No documento Pág.1 736.CorpoTese Primeira Segunda Parte (páginas 111-122)

A implantação da Villa romana do Rabaçal "numa meia encosta, com exposição privilegiada, entre uma cumeada de arvoredo e um riacho" (Figura 7b) está conforme as recomendações de Columela220.

Segundo as prioridades de Catão221, encontramos nos campos circundantes, vinhas, hortas irrigadas, salgueirais, olivais, prados, campos de trigo, floresta, arvoredo e azinhal.

A densidade de vestígios superficiais permitiu-nos delimitar, em 1984, a área construída da Villa que ocupa, grosso modo, repartida pela pars urbana, balneário e

pars rustica, o espaço de um rectângulo alongado no sentido norte/sul, com cerca de 40

metros de largura por 200 metros de comprimento (Figura 5a).

Privilegiando, deste modo, um eixo construído descontínuo (Figura 5e), no sentido norte/sul, coube à pars urbana (Figura 5f), de peristilo central octogonal, a céu aberto e construção adjacente em raios, ocupar o topo Sul222. Quanto à pars rustica e

frumentaria, ainda não totalmente estudada (Figura 7a), sabe-se que ela ocupa o lado

setentrional do eixo Norte/Sul, constituindo-se como um espaço de ligação privilegiada à herdade ou fundus da Villa223. Esta área, separada da zona residencial por um valado,

220 De re rustica I, 4-6.

221 De agricultura I, 7-1.

222 PESSOA, , p. 17-44. Este espaço octogonal seria fechado através de um tectum, na opinião de Pièrre

André (PESSOA, ANDRÉ, SANTOS, MADEIRA, 1998, p.???) e de Jorge de Alarcão (ALARCÃO, 1999, p.135), formando uma vasta sala central, coberta por um telhado de oito panos, talvez encimado por lanterna ou clarabóia.

Villa de Cerro da Vila (Algarve) é um exemplo interessante de residência rural. Representa o

“compromisso entre dois modelos arquitectónicos: a Villa de peristilo, característica dos séculos I-III d.C., e a Villa com galerias de fachada enquadradas por torrreões, mais comum no Baixo Império” (ALARCÃO, 1993, p.107). A Villa do Rabaçal exibe peristilo central e torreão octogonal sem galeria na fachada.

domina uma ligeira elevação de terreno a norte da Villa. Conhecem-se ali alguns vestígios de muros, pavimentos e canalizações. O balneário (Figura 5e), recentemente descoberto na sua totalidade, encontra-se a meio da distância entre a pars urbana e a

pars rustica, ligeiramente a nascente do eixo norte/sul que liga estas duas partes. Um

tanque emissário de retenção de águas faz parte desta construção aquecida 224 (Figura 6d), tanque esse que estaria ligado a um aqueduto, abastecido a partir de um engenho elevatório, instalado junto da captação em profundidade, ao nível do lençol freático225. Este abastecimento de água devia servir também os homens, os gados, a horta, o pomar e o jardim.

Não será a casa e o domínio uma imago mundi226, evocadora da relação de

recíproca dependência entre o homem e o universo eternamente vivo, e o garante, entre os homens, da permanência dos seres e das coisas?

A Villa romana do Rabaçal, à semelhança das suas congéneres construídas, grosso

modo no século IV, torna-se assim o lugar eleito para retiro (recessus) das classes altas.

Aí, estas afirmam o seu estatuto, em ambiente de aura e dinamismo harmónico entre o homem e a natureza, e experimentam a sensação de lugar paradisíaco (Paradeisos), acentuado na arquitectura e nos temas de opera tesselata, opera vermiculata e baixos- relevos que decoravam aquele e outros ricos autênticos palácios rurais, como veremos adiante.

I - 3. 1. A Villa Urbana – Um Exemplo de Villa áulica da Antiguidade Tardia A arquitectura, os mosaicos e os baixos-relevos desta residência ou Villa urbana revelam-nos algumas particularidades.

No que respeita, concretamente, ao projecto da construção deste palácio da Villa, segundo José Luís Madeira227, obedece ao traçado de dois eixos dispostos em conformidade com os pontos cardiais228 (Figura 7c). São os eixos que definem o equilíbrio volumétrico na elevação do edifício, cujo plano geral é estruturado a partir da sua rotação. Em termos matemáticos, é designado pela composição de uma translação

224 PESSOA, RODRIGO, 2011, p.40, fig.17a, p.48, fig.20. 225 Idem, p.48, fig.20.

226 DARMON, 1990, p.112 227 PESSOA, 1998, p.13, fig.6. 228 FERREIRA, 2011, p.183.

seguida de rotação de 45º em relação ao ponto de intersecção de dois eixos com orientação Norte/Sul – Este/Oeste. O plano da construção foi desenvolvido com base na medida de um módulo de 4,43 m ou seja, de 15 pés romanos (pé = 29,57 cm). Refira-se que este módulo é igual ao utilizado no macellum octogonal de Gerasa229, na Jordânia, construído no séc. II d. C.

I - 3. 1. 1. A Entrada da Villa

A via romana de Olisipo a Bracara Augusta localiza-se a nascente da Villa

urbana (Figuras 5b, 6c), na margem direita da ribeira do Rio dos Mouros, a pouco mais

de mil metros da entrada norte desta habitação (Figura 3b).

Antes de chegarmos a esta entrada nobre, a cerca de 40 metros, no seu exterior, a sul, iniciámos a escavação de um compartimento quadrado, medindo 11,5 metros de lado. Terá servido de estaleiro da obra ou de cocheira para guardar carros e cavalos em tempo de espera?

Quanto à construção da entrada, propriamente dita, esta reparte-se por três compartimentos, a, b, c: dois laterais, a e c (3,7 m x 6,6 m) e um corredor a meio, b (1,7 m x 6,6 m), em direcção ao centro do peristylum g (Figura 8).

No compartimento lateral esquerdo (a) é possível observar o que resta de um pavimento de mosaico policromo de opus tesselatum, cuja composição e motivos serão tratados em pormenor na Segunda Parte deste trabalho, dedicada por inteiro ao Estudo dos Mosaicos230 (Figuras 14, 15, 16, 17).

O acesso a esta sala, que devia servir de vestibulum, fazia-se por uma soleira com mosaico (a3). Encontra-se esta à esquerda de quem entra, antes do meio do corredor central da entrada (b), pavimentado em opus signinum.

O compartimento, à direita da entrada (c), não apresenta qualquer tipo de pavimento, devendo estar ligado a funções de atendimento (fauces).

Existiria um segundo piso neste bloco da fachada (Figura 6c)? Se sim, estaria a escada de acesso montada neste compartimento c?

I - 3. 1. 2. A Torre da Fachada

Trata-se de um pavilhão amplo, de planta octogonal (9,6 m entre lados paralelos) e paredes largas, sugerindo uma construção em altura (d) para miradouro ou belver.

Ocupa um espaço destacado, a sul, para além da linha de entrada, em posição estratégica de observação e destaque arquitectónico (Figura 6c), do tipo mirante.

Apresenta uma ligação ao exterior através de uma porta, aberta na parede sudoeste do octógono, e uma outra de passagem interior, na parede nordeste, com comunicação aos dois compartimentos contíguos à esquerda da entrada (e, f).

I - 3. 1. 3. O Peristylum

Ao entrar na Villa, o acesso, através do corredor da entrada b é directo ao peristilo central g, de pórtico sensivelmente octogonal231, alas h, i, k, l, m, s, x, u.,

231 A largura dos corredores apresenta-se mais ou menos uniforme, correspondendo a uma média de 3,71

metros, somando a espessura do lancil, de 0,165 m, com a largura do pavimento de mosaico do corredor, de 3,5484 m (igual a 12 pés, medindo 29, 57 cm cada um). Não existe, no entanto, regularidade no comprimento dos corredores. Assim, o comprimento interno dos lados do octógono, do lado das paredes dos compartimentos é o seguinte: corredores s (9,90 m) e m (10,10 m) ronda os 10 m; o comprimento interno dos corredores u (9,80 m) , i (9,85 m) e h (9,70 m), ronda os 9,80 m; o comprimento interno dos corredores x (9,50 m), l (9,50 m) ronda os 9,50 m; o comprimento interno do corredor k (9,20 m) é o que se apresenta com a medida mais curta. Por outro lado, o comprimento externo das linhas do octógono, do lado dos lancis do peristylum é o seguinte: o comprimento externo dos corredores m (6,70 m), l (6,70 m),

i (6,80 m), h (6,80 m), x (6,70 m) e s (6,70 m) ronda os 6,70 m; o comprimento externo do corredor k

(6,45 m) e u (6,55 m) ronda os 6,50 m. Assim sendo, a regularidade da disposição das alas do peristylum dispostas segundo os pontos cardeais principais e intermédios contrasta com a irregularidade,

imperceptível à vista desarmada, das linhas que definem o octógono interior e o octógono exterior do pórtico que envolve o pátio central da residência da Villa do Rabaçal. Porém, esta irregularidade não é detectável na visita ao conjunto arquitectónico, não parecendo, portanto, corresponder a uma ideia preconcebida. Dado o resultado harmonioso da obra em presença, a margem de erro das diferenças poderá ser o resultado puro e simples do acerto de medidas que, durante o decurso da obra, o artífice ou o mestre de obras entendeu como sendo as mais convenientes.

orientado na direcção Norte – Sul, segundo o método de Vitrúvio232 “centrado” no meio-dia solar233. Este pátio apresenta 16 metros de largura entre lados paralelos, 24 colunas de que se conservam alguns fustes em mármore de Estremoz / Vila Viçosa, socos octogonais correspondentes, talhados em calcário oolítico puro e compacto das Malhadas (Batoniano, Dogger, Jurássico Médio)234, distantes uns dos outros 1,8 m, ligados por lancil paralelepipédico, e 24 capitéis (Figura 6c), suportando a arquitrave do telhado em alpendre sobre os corredores (g).

Não foi detectada qualquer estrutura relacionada com a existência de um

impluvium ou outro tipo de embelezamento construído no interior deste espaço a céu

aberto que seria, em nossa opinião, porventura decorado com um conjunto cuidadosamente ajardinado (Figura 6c).

Foram recolhidos neste pátio interior vários fragmentos de grade. São de mármore e sugerem-nos ter pertencido a ornamentações inter-colunas ou a arranjos de outras aberturas235.

É a partir deste centro nuclear interior, a céu aberto, que irradia a construção estrelada de oito raios a Norte, Sul, Este, Oeste, Nordeste, Noroeste, Sudoeste e Sudeste. Primeiro, encontramos oito pórticos ligados em ângulos de 135°, os quais suportam a estrutura de cobertura em telhado que protege os oito corredores, decorados de pavimentos de mosaico com painéis rectangulares sobre o comprimento (em média, 3,5 m de largura por 8 m no comprimento interior e 6 m no comprimento exterior) e composição circular nos cantos, inscrita num losango irregular, em forma de “papagaio”. Cobertos com este tipo de estrutura eram também todos os restantes compartimentos contíguos que irradiam deste espaço central octogonal.

I - 3. 1. 3. 1. O Corredor Sul do Peristylum

É o espaço imediatamente contíguo aos compartimentos da entrada da Villa (h) (Figura 9). A observação, descrição e comentário do seu pavimento em estados de

232 VITRÚVIO, Tratado de Arquitectura, LivroI, Capítulo VI, 6-7, Tradução do latim, introdução e notas

de M. Justino MACIEL, Instituto Superior Técnico Press, Lisboa, 2006, p.48, 49, 62.

233 FERREIRA, 2011, p.183.

conservação diferenciados consta do respectivo capítulo do Estudo dos Mosaicos236 (Figura 19).

As paredes do interior dos corredores eram revestidas de placas de mármore. Algumas destas fazem parte de um rodapé (altura 67,5 cm; largura 48,5 cm; espessura 3,5 cm), decoradas de friso em baixo-relevo, composto de filas de quadrados e hexágonos oblongos, apresentando uma variedade de 18 tipos de desenho conhecidos237. Nesta decoração em baixo-relevo era aplicada uma pasta negra e uma outra vermelha, a fim de realçar o seu desenho238.

Estes desenhos inscritos nos baixos-relevos estão igualmente presentes nos motivos decorativos dos mosaicos. Estariam estas formas igualmente reflectidas na decoração dos tectos em madeira?

A decoração do pavimento de Mosaico h/i239, no canto sul/sudeste do corredor, revela motivos geométricos e figurativos.

I – 3. 1. 3. 2. Corredor Sudeste e Sala Contígua

A descrição e comentário sobre a decoração do pavimento do corredor sudeste (i) consta do respectivo capítulo do Estudo dos Mosaicos240.

Na parede interior deste corredor abre-se uma passagem para uma pequena sala (j) pavimentada de opus signinum (4 m x 4 m). Deveria existir, em simetria, um compartimento idêntico (j’), contíguo ao corredor l (Figura 19).

A decoração do Mosaico i/k241, do canto Este/Sudeste revela uma elaborada composição de motivos geométricos, sendo igual, como veremos, à do Mosaico i/k, do canto Este/Sudeste.

236 Veja-se adiante, Segunda Parte, Mosaico h, p.267-281.

237 PESSOA; RODRIGO, STEINERT SANTOS, 2004, p.30, 33, nº32, 39. 238 Idem, p.28, nº27. LIMA; VILARIGUES, 2011, p.66-68.

239 Veja-se adiante, Segunda Parte - Mosaico h/i, p.283-303. 240 Idem, Mosaico i, p.305-316.

I - 3. 1. 3. 3. Corredor Este

Conserva-se, in situ, parte do lancil em calcário oolítico, proveniente das

Malhadas, Serra de Sicó, e um soco octogonal de coluna do mesmo material. Os restantes três pedestais recuperados estavam fora do local.

A descrição e comentário sobre a decoração do pavimento do corredor Este (k) consta do respectivo capítulo do Estudo dos Mosaicos242.

A decoração do Mosaico k/l243, do canto este/nordeste é igual à do Mosaico i/k, do canto anteriormente referido este/sudeste, mas o seu estado de conservação é muito precário.

Uma pequena estrutura semelhante a um degrau, parapeito ou nicho, em calcário do tipo das Malhadas, sobre a parede interior, sugere-nos a interpretação de que se trata de uma passagem, parapeito, larário ou nicho de estátua. Devia existir, em simetria, do lado norte deste corredor, uma estrutura semelhante. O estado de conservação, ao nível do alicerce, em que chegou até nós essa porção da parede não permite esclarecer a validade desta hipótese.

I - 3. 1. 3. 4. Corredores Nordeste, Norte e Compartimentos Contíguos

Na parede interior do corredor Nordeste (l) devia abrir-se uma passagem para uma pequena sala (j’) pavimentada de opus signinum (4 m x 4 m), em simetria com o compartimento idêntico (j), contíguo ao corredor i.

Não foi detectado qualquer vestígio de pavimento do Mosaico l244, no corredor Nordeste, nem do Mosaico l/m245, no canto entre os Nordeste/Norte, em virtude do mesmo se encontrar à superfície da terra arável. No entanto, o paralelismo da decoração dos corredores Sudeste (i) e Sudoeste (u), onde foi repetida a mesma composição, indica que igual simetria existiria nos corredores Nordeste (l) e Noroeste (s) do peristilo. Este assunto será abordado em pormenor no capítulo do Estudo dos Mosaicos (Figura 19).

242 Idem, Mosaico k, p.333-343. 243 Idem,Mosaico k/l, p.345-353. 244 Idem, l, p.355-360.

O pavimento de mosaico do corredor Norte (m)246 e do canto entre os corredores Norte e Noroeste (m/s)247 desapareceram, à semelhança do Mosaico l e l/m, na totalidade. Percebe-se bem a ligação deste corredor aos dois compartimentos contíguos (n, o), que ocupam todo o seu comprimento (n 3,7 x 5,7 m e o 6,4 x 5,7 m).

Mantém-se intacta, no entanto, uma área significativa por escavar, a nordeste, destinada a Reserva Arqueológica (Figuras 4-I, 5b)248.

Serviria o corredor Norte do peristilo (m) de acesso a espaços de trabalho dos serviçais com ligação à cozinha?

Existem ainda muros, canalização, lajeado e uma lareira, nos espaços exteriores, a Norte destes compartimentos (n, o), implantados fora do plano construtivo original. Os muros de pedra solta, lembrando redis de gado miúdo, que lhe são contíguos, parecem fazer parte do mesmo momento de transformação da residência num outro tipo de instalação posterior sem que possamos datá-la ou determinar-lhe a fisionomia (Figura 5b)249.

I - 3. 1. 3. 5. Corredor Noroeste e Sala Contígua

O pavimento de mosaico, desaparecido em grande parte neste corredor (s)250, dá acesso à grande sala contígua (t). Este grande compartimento ocupa o espaço de 9 x 6,9 metros e não revelou qualquer tipo de pavimento e função. Apresenta uma porta ao fundo da parede, comum ao compartimento de acesso à construção cruciforme, quadrilobada (q) (Figura 9).

A decoração do pavimento de Mosaico s/x, no canto Noroeste/Oeste do corredor, revela motivos geométricos e figurativos251.

246 Idem, Mosaico m, p.367-372. 247 Idem, Mosaico m/s, p.375-380. 248 PESSOA, RODRIGO, 2001, p.39. 249 PESSOA, 2008, p.158.

250 Veja-se adiante, Segunda Parte, Mosaico s, p.381-397. 251 Idem, Mosaico s/x, p.399-414.

I - 3. 1. 3. 6. A Sala Cruciforme Quadriabsidada

Dois cubículos contíguos (p, q) comunicam com a construção contígua (comprimento 12,2 m, largura 9,8 m), a Noroeste, de planta cruciforme (r). Foram escavados na totalidade (Figura 9).

Trata-se de dois pequenos compartimentos, construídos no prolongamento do vértice do ângulo interior, do canto entre o corredor norte e noroeste do peristilo. Fazem a ligação, indirecta, dos corredores norte e noroeste, a uma sala, de planta cruciforme, quadriabsidada r. Mais concretamente, o compartimento p liga à sala contígua ao corredor norte e o compartimento q liga à sala contígua ao corredor noroeste. Os dois compartimentos (p e q) estão ligados entre si, sendo que o primeiro se assume como peça de comunicação e o segundo se apresenta como uma antecâmara de passagem à entrada da referida sala cruciforme. Esta passagem estreita, entre os espaços q e r, está inscrita numa planta de dois semicírculos tangentes, em forma de cálice ou ampulheta252.

Sabemos como as formas geométricas assumem, por vezes, valor simbólico. As formas rectas delimitam espaços finitos e são identificadas em ligação à vida material. As formas tendentes ou assumidamente curvas, como é o caso do círculo e da abóbada são, normalmente, associadas à noção de infinito em ligação à vida espiritual.

Sabemos, também, como os Romanos davam importância à divindade das portas, Janus Bifrons, porque toda a porta olha para os dois lados, sendo por isso representado sob a figura de uma cabeça, exibindo duas faces opostas. Esta divindade é salvaguarda da paz, tendo-lhe sido dado o dom da dupla sabedoria sobre o passado e sobre o futuro. Tornou-se o deus do começo de todas as coisas, como é o caso do ano (Januarius significa «Janeiro»), o deus das quatro estações, e o seu poder exerce-se, em ligação ao seu duplo olhar, sobre a terra e sobre os céus253.

Para os cristãos, o sinal da porta lembra a responsabilidade de todo o crente quando este atravessa o seu limiar. Passar pela porta significa, para os crentes, confessar que Jesus Cristo é o Senhor, revigorando a fé n’Ele para viver a vida nova que Ele lhes deu. Trata-se de um momento de grande decisão que supõe a liberdade de escolher e, ao

mesmo tempo, a coragem de abandonar alguma coisa, na certeza de adquirir a vida divina254.

Esta elaborada construção, de planta cruciforme, absidada (r), onde nos faltam elementos identificadores do seu uso, poderá ser o que resta de uma basílica palatina? Se assim fosse estaria esta construção ligada prática do culto cristão?

O aparecimento de restos de tubaria fechada, para encaixe, torna evidente a existência de uma cobertura em abóbada255.

I - 3. 1. 3. 7. Corredor Sudoeste e Sala Contígua

Ao descrevermos a entrada da Villa urbana localizámos o primeiro corredor Sul (h) do peristilo (g) e iniciámos um percurso, pela direita, em sentido contrário ao do movimento dos ponteiros do relógio (Figura 9).

Voltemo-nos agora desse ponto de onde iniciámos este percurso, no corredor Sul, h, para Oeste. Encontraremos aí o pavimento de Mosaico h/u, do canto entre os corredores Sul/Sudoeste, decorado com motivos geométricos e vegetalistas256 (Figura

19).

O painel do mosaico seguinte257, no comprimento do corredor Sudoeste (u), repete a composição, em quadrícula, do Mosaico i, do corredor Sudeste258.

No fundo deste corredor u encontramos o pavimento de Mosaico x/u, do canto entre os corredores Oeste/Sudoeste, decorado com motivos geométricos e figurativos259.

A sala contígua (v), que identificamos como oecus (9 m x 6,9 m), foi pavimentada, em toda a sua superfície, com um mosaico profusamente decorado260 (Figura 19). O seu estado de conservação é muito precário, pois a dezena de sepulturas aqui instaladas, provavelmente no século XVI, alteraram-no, em grande parte.

254 Mateus 13, 44-46.

255 PESSOA, RODRIGO, STEINERT SANTOS, 2004, p.116, nº125. 256 Veja-se adiante, Segunda Parte - Mosaico h/u, p.521-536.

257 Idem, Mosaico u, p.507-519. 258 Idem, Mosaico i, p.305-316. 259 Idem, Mosaico x/u, p.491-505. 260 Idem, Mosaico v, p.537-594.

Conservam-se duas dessas inumações, como exemplo, a meio da sala, em estado original (Figura 82)261.

Ao fundo da sala, o pavimento apresenta-se em ligeiro patamar, sendo a altura do degrau de cerca de 9 cm de altura.

Estamos numa sala de recepção ou oecus ? Onde se localizariam os cubicula?

I - 3. 1. 3. 8. Corredor Oeste

Trata-se do corredor x, o qual, para além de ligar o peristilo à sala do triclínio y, ser aquele que nos apresenta o mais interessante entre os pavimentos de mosaico policromo dos corredores, dado reunir a mais diversificada decoração geométrica, vegetalista e figurativa de todo este conjunto decorativo das oito alas do pátio porticado desta residência (Figura 19)262.

Será dada adiante, uma atenção especial às alegorias das Estações do Ano aqui representadas no Mosaico x, tendo em conta o seu simbolismo e o seu estado de conservação. Elas são, de facto, a representação de noções abstractas em forma humana, ou seja, a ideia de uma relação de recíproca dependência entre o homem e o universo, sugerindo ser aqui, para além disso, um notável conjunto de “figuras de convite”263. De igual modo, a ideia de Vitória, ao longo do programa iconográfico, evocada no quadro dos cavalos vencedores e reforçada pelo seu posicionamento, voltada a Nascente, ponto primordial do ciclo zodiacal, será objecto específico da nossa reflexão264.

261 SILVA et alii, 2001, p.20-22.

262 Veja-se adiante, Segunda Parte, Mosaico x, p.415-490 . 263 Idem, p.435-451.

No documento Pág.1 736.CorpoTese Primeira Segunda Parte (páginas 111-122)