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Capítulo 2 Metodologia da Pesquisa

2.1 Abordagem da pesquisa

Esta pesquisa apóia-se no pressuposto ontológico56 de realidades múltiplas, construídas pelas pessoas nas suas interações com outras e com seu ambiente, considerando-se que essa realidade está sempre em mudança (CHIZZOTTI, op.cit.; DENZIN & LINCOLN, op.cit.; GUBA & LINCOLN, 198957 apud JOHNSON, op.cit.). Adota, ainda, a perspectiva epistemológica58 de conhecimento subjetivo, segundo a qual a compreensão da realidade investigada implica a interpretação da mesma, “a partir do significado que as pessoas atribuem ao que falam e fazem” (CHIZZOTTI, op.cit., p.28). Portanto, este estudo valoriza a relação íntima entre o pesquisador e o objeto de estudo, pois é nessa aproximação que se

55Outros autores utilizam o termo “paradigma” (DENZIN & LINCOLN, 2006; LINCOLN & GUBA, 2006;

JOHNSON, 1992); “orientação filosófica CHIZZOTTI (2006); ou “filosofias interpretativistas” (SCHWANDT, 2006). Optei pela palavra “abordagem”, pois, para mim, é um termo mais familiar e utilizado no campo da Lingüística Aplicada.

56Em relação aos conceitos sobre a natureza da realidade (GRIX; 2002; LINCOLN & GUBA, 2006). 57 GUBA, E., & LINCOLN, Y.Fourth Generation Evaluation. Beverly Hills, CA:Sage, 1989. 58 Em relação à natureza do conhecimento e à maneira de adquiri-lo. (id. ibidem; id.ibidem )

constrói os dados (JOHNSON, op.cit.) e que se alcança uma compreensão do fenômeno investigado (DENZIN & LINCOLN, 2006). Assim, este estudo alinha-se com a abordagem qualitativa construtivista de cunho interpretativo (DENZIN & LINCOLN, 2006; LINCOLN & GUBA, 2006).

A partir dos pressupostos supracitados, a pesquisa qualitativa caracteriza-se como naturalista, descritiva, processual, êmica, e indutiva. Lüdke & André (1986, p.11-13) citam Bogdan & Biklen (1982)59 para discutir essas cinco características básicas. A primeira característica refere se ao local de estudo. Segundo Bogdan & Biklen (op.cit.), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Esses autores destacam que é imprescindível o contato prolongado e direto do pesquisador com o ambiente e situação investigada sem qualquer manipulação intencional. Esse contato ocorre por meio de trabalho intensivo de campo. O presente estudo teve como campo de coleta de dados a sala de aula de uma professora formadora na qual permaneci por oito semanas.

A segunda característica presume que os dados coletados são predominantemente descritivos, ricos em descrições de pessoas, situações e acontecimentos. Nesta pesquisa, foram relacionados dados descritivos no que tange às experiências, crenças e ações do sujeito investigado.

Outra característica da pesquisa qualitativa é a preocupação com o processo. Segundo Bogdan & Biklen (op.cit.), o pesquisador deve verificar como um determinado problema se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas. Assim, os autores enfatizam a importância de retratar, sistematicamente, a complexidade da realidade investigada. Este estudo adotou um sistema multimétodo, tanto na coleta e verificação, quanto na análise de dados, pois, segundo Denzin & Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa que se faz hoje combina vários métodos (estudo de caso e etnografia) para uma visão multifacetada da realidade.

A quarta característica diz respeito à natureza êmica da pesquisa qualitativa. Vários autores (BARCELOS, 2000, 2006a, 2007; DENZIN & LINCOLN, 2006; JOHNSON, D., 1992) afirmam que a perspectiva êmica implica que a realidade deve ser interpretada a partir das perspectivas dos sujeitos investigados. Envolve, também, um maior cuidado em captar e compreender as diferentes maneiras com que os participantes do estudo encaram as questões que estão sendo investigadas. O uso das narrativas e entrevistas para captar as perspectivas da

59 BOGDAN, R. C. & BIKLEN, S. K. Qualitative research for education: An introduction to theory and

informante deste estudo, bem como a utilização de sessões reflexivas para verificar as interpretações e análise da pesquisadora, asseguram que a natureza êmica da pesquisa qualitativa seja respeitada.

Por último, Bogdan & Biklen (1982 apud ANDRÉ & LUDKE 1986, p.11-13) ressaltam que o estudo qualitativo deve observar um processo indutivo na análise de dados. Isto significa que o pesquisador não deve preocupar-se em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do início dos estudos. Assim, as abstrações são formadas no desenrolar do estudo, ou seja, as abstrações são formadas a partir dos dados. Strauss & Corbin (2007) denominam esse processo indutivo de “teoria fundamentada”. Segundo esses autores, teoria fundamentada que dizer “teoria que foi derivada de dados” (p.25) em que os dados analisados podem resultar em novas abstrações, ao invés de apenas servirem para confirmar, elaborar ou estender teorias já existentes.

Neste estudo, adotou-se tanto o processo indutivo, quanto o dedutivo na análise de dados. O processo indutivo baseou-se parcialmente nos procedimentos de análise fundamentada em dados conforme Strauss & Corbin (op.cit). Foi realizada, também, uma análise dedutiva, no que tange à relação entre crenças, contexto e ação, a partir do esquema da Teoria da Ação Planejada(AJZEN, 2006). A opção por incluir uma análise dedutiva foi uma tentativa de compreender, de maneira mais estruturada e objetiva, como as crenças se relacionam entre si, com a prática e com o contexto. Como Barcelos (2007, p.61) assinala, há uma necessidade de “mais estudos de caso que procurem realmente desvendar como as crenças se estruturam e se organizam em sistemas”.

Estudos mais recentes sobre os paradigmas qualitativos nas pesquisas científicas60 (CHIZZOTTI, 2006; DENZIN & LINCOLN, 2006; LINCOLN & GUBA, 2006; SCHWANDT, 2006) apontam que a pesquisa qualitativa que se faz hoje coloca maior atenção e ênfase na sua característica inter/transdisciplinar, multimétodo e dialógica, dentre outras.

A inter/transdiciplinaridade reconhece que a pesquisa qualitativa atravessa as ciências humanas e sociais. Consoante com a multidisciplinaridade é a característica multimétodo. Para Denzin & Lincoln (2006) a utilização e combinação de vários métodos almeja uma visão multifacetada da realidade. Os autores equiparam o papel do pesquisador qualitativo com o do bricoleur61. Assim como o bricoleur, o pesquisador investigativo emprega vários tipos de

60 Para uma discussão dos diferentes paradigmas qualitativos ver Bogdan & Lincoln (2006).

61 Weinstein & Weinstein (1991 p. 161 apud DENZIN & LINCOLN, 2006, p. 38) explicam que no vernáculo

francês um bricoleur é "alguém que utiliza suas próprias mãos em seu trabalho e emprega meios tortuosos se comparados aos do artesão”. Denzin & Lincoln (op.cit.) equiparam o bricoleur com um "confeccionador de colchas" (p. 18) que utiliza vários tipos de materiais e métodos de criação.

ferramentas e métodos prontos ou cria novos, se for necessário. Para os autores, a utilização de múltiplos métodos e instrumentos reflete uma tentativa de acrescentar rigor, riqueza, amplitude e profundidade à pesquisa.

Cabe salientar, ainda, que a natureza multidisciplinar da pesquisa qualitativa vai ao encontro da interdisciplinaridade da LA, destacada por vários autores da área (BYGATE & KRAMSCH, 2000, COOK, 2005; MOITA LOPES, 1996; LEFFA, 2001a). Leffa (op.cit.) destaca essa interdisciplinaridade ao ressaltar que

a ciência não é um arquipélago, com ilhas isoladas − de competência ou não; a ciência é um continente onde tudo está intimamente relacionado. A essência do conhecimento é a interdisciplinaridade. De onde decorre, portanto, duas coisas: (1) a necessidade do trabalho coletivo, (2) a importância da Lingüística Aplicada como área de saber interdisciplinar (p.9).

Ainda, Cook (2005) assevera que a capacidade da LA de engajamento com outras áreas de conhecimento diferencia-a de outros ramos de conhecimento e demonstra o seu amadurecimento como uma ciência. No meu ponto de vista, a interdisciplinaridade não diminui a independência da LA como disciplina. Como sugere Widdowson (2006), a interdisciplinaridade, que é o relacionamento entre disciplinas distintas, pressupõe que as disciplinas têm existência independente em primeiro lugar. A ampliação do escopo das linhas de pesquisa da LA no Brasil (GIL, 2005) e o corpo considerável de conhecimento produzido nos programas de pós-graduação em LA no país (CELANI, 2000; CUNHA, 2003) parece deixar pouca dúvida quanto à sua disciplinaridade e independência.

Uma outra característica da pesquisa qualitativa é a característica dialógica. Fundamentada na hermenêutica, a característica dialógica ressalta a compreensão produzida no diálogo, na negociação do significado, uma vez que parece não existir uma interpretação definitivamente correta (SCHWANDT, 2006 p. 199). Isto implica que o mero ato de interpretação de dados pelo pesquisador não assegura a compreensão do fenômeno investigado. Schwandt (op.cit., loc.cit.) afirma que “a compreensão é participativa, conversacional, e dialógica [...] conquistada apenas através de pergunta e resposta”.

Os pressupostos da abordagem qualitativa são congruentes com o que BARCELOS, (2000; 2001) denomina de abordagem contextual para a investigação de crenças. A autora resume três diferentes abordagens utilizadas na investigação das crenças: a normativa, a metacognitiva e a contextual. Essas abordagens diferenciam-se nos seus conceitos de crenças, na maneira através da qual estas se relacionam com ações e nos métodos de investigação utilizados. Na abordagem contextual, as crenças são vistas como parte da cultura de aprender

(e de ensinar) e como representações de aprendizagem (e de ensino) em uma determinada sociedade. Segundo Barcelos (2000) a abordagem contextual representa uma perspectiva êmica nos estudos acerca das crenças, isto é, as crenças são inferidas a partir da perspectiva dos investigados. Dentro dessa abordagem, as crenças são investigadas dentro do contexto. Barcelos (2001) cita observações, entrevistas, e diários entre os instrumentos utilizados na investigação para que as crenças possam ser inferidas, tanto das falas quanto das ações contextualizadas dos informantes. Ainda, Vieira-Abrahão (2006), acrescenta que desenhos, histórias de vida e sessões de visionamento são também utilizados. A autora salienta a abordagem contextual como a mais contemporânea abordagem de investigação de crenças e que a mesma, de fato, se insere dentro do paradigma qualitativo e da pesquisa de base etnográfica.

Ao optar pela abordagem qualitativa, percebo uma realidade complexa, relativa, dinâmica e socialmente construída. Para conhecê-la, seria necessário adentrar o universo da informante, a fim de compreender como e que tipo de sentido ela dá às suas ações e interações sociais passadas e presentes, que, possivelmente, influenciam e são influenciadas pelas suas crenças, como foi discutido no primeiro capítulo deste estudo.