• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 Metodologia da Pesquisa

2.2 Método da pesquisa

A escolha de um método de pesquisa deve ser baseada nas questões que a pesquisa busca responder, bem como os objetivos que se almeja alcançar (BORKO, 2004; ERCIKAN & ROTH, 2006; GRIX, 2002; JOHNSON, D., 1992; LENOIR, 2006). Quando as questões da pesquisa são do tipo “como” e “por que”, quando o fenômeno a ser investigado envolve algum contexto complexo da vida real em que o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos, o estudo de caso é geralmente escolhido (YIN, 2005). Quando a preocupação do estudo é compreender as perspectivas das pessoas sobre a sua realidade, expressas através da linguagem e ações, recorre-se à etnografia (SPRADLEY, 197962 apud ANDRE, 1995). Especificamente, a etnografia é utilizada quando há interesse em descrever e interpretar o comportamento sob a ótica da cultura de um grupo (JOHNSON, op.cit.).

Considerando os objetivos deste estudo, bem como as colocações dos autores supracitados e a característica multimétodo da pesquisa qualitativa, decidi lançar mão do estudo de caso etnográfico como método de pesquisa. Segundo André (2005), adota-se o

62

estudo de caso do tipo etnográfico como método de investigação no âmbito da educação quando há interesse em: (a) conhecer uma instância em particular; (b) compreender profundamente essa instância particular em sua complexidade e totalidade; e (c) retratar o dinamismo da instância numa forma muito próxima do seu acontecer natural. O estudo de caso etnográfico implica uma aproximação entre duas modalidades de pesquisa qualitativa: o estudo de caso e a etnografia. Essas modalidades serão discutidas na próxima subseção. 2.2.1 O estudo de caso

O estudo de caso é o estudo de uma instância e da maneira pela qual esta funciona dentro do seu ambiente natural (ADELMAN et. al., 197663, apud NUNAN, 1992; JOHNSON, 1992).

O objetivo do estudo de caso é descrever um caso dentro do seu contexto. No âmbito da educação, o estudo de caso é fonte de informações ricas sobre um aluno ou professor, uma sala de aula ou instituição de ensino. O estudo de caso pode buscar a compreensão de um caso em particular ou um conjunto de casos ao mesmo tempo. No entanto, o número de casos é sempre pequeno uma vez que a essência desse método é o estudo minucioso e holístico de um fenômeno. Estuda-se um caso à luz das perguntas de pesquisa, levando em consideração todos os aspectos do ambiente natural que possam ajudar a elucidar e responder as questões (JOHNSON, 1992).

Stake (199564 apud ANDRÉ 2005) reconhece a importância do contexto ao estudar um caso. O autor assevera que nem tudo pode ser considerado um caso. Um caso deve apresentar a particularidade de um fenômeno complexo e situado. Segundo o autor, um caso é uma unidade específica, um sistema delimitado, cujas partes são associadas. O sistema delimitado inclui contextos relevantes à pergunta de pesquisa (JOHNSON, op.cit.), tais como o contexto físico, sociocultural, histórico e econômico (MAZOTTI, 2006).

No que diz respeito às características do estudo de caso, Johnson (op.cit.) destaca que, na maioria das vezes, estudos de casos são qualitativos, mas isso não impede que dados qualitativos sejam quantificados. São naturalistas, uma vez que dependem primariamente dos dados coletados no ambiente natural do estudo, no entanto, vários outros instrumentos podem ser utilizados para a coleta de dados. Estudos de casos são descritivos, mas podem ir além da

63 ADELMAN, C., JENKINS, D. & KEMMIS, S. Re-thinking case study: notes from the second Cambridge

conference. Cambridge Journal of Education, v.6, p.139-50, 1976.

descrição e oferecer interpretações do contexto ou cultura, ou seja, podem ser analíticos também. Os estudos de casos são geralmente longitudinais, mas podem ser de curta duração, estendendo-se por algumas semanas ou meses.

Stake (1995 apud ANDRÉ 2005) distingue três tipos de estudos de caso, a partir de suas finalidades: intrínseco, instrumental e coletivo. No estudo de caso intrínseco, procura-se entender o caso em si. O estudo de caso não é utilizado primariamente porque o caso representa outros casos ou porque ilustra um traço ou problema particular, mas pelo interesse despertado por um caso em particular. O objetivo não é entender algum constructo abstrato ou fenômeno genérico, nem a construção de teoria, embora às vezes o pesquisador possa fazer exatamente isso. O segundo tipo, o estudo de caso instrumental, por sua vez, é utilizado quando um caso em particular pode ajudar a elucidar uma questão, uma vez que pode servir como fonte de insights sobre um assunto ou para contestar uma generalização amplamente aceita. O estudo de caso coletivo funciona da mesma maneira que o estudo de caso instrumental, mas em uma escala maior. O autor ressalta que, muitas vezes, estudos não se encaixam nitidamente nessas categorias. No entanto, afirma que essa diferenciação é importante para fins de priorização de métodos de coleta de dados.

O estudo de um caso envolve a coleta sistemática de informações. O pesquisador pode recorrer a múltiplas fontes de coleta de dados tais como documentos, entrevistas, histórias de vida, observação participante, recursos audiovisuais, dentre outros (CHIZZOTTI, 2006). Adelman et. al. (1976) citado por Nunan (1992) enumeram seis vantagens principais na utilização do estudo de caso: 1) a realidade contextualizada, apresentando um possível apelo para os envolvidos na pesquisa, que podem se identificar com as questões levantadas; 2) um caso pode permitir a generalização sobre a instância em si ou como representativo de uma classe; 3) pode representar múltiplas perspectivas e sustentar múltiplas interpretações; 4) pode servir como base de dados que podem ser reinterpretados pelos futuros pesquisadores; 5) os insights que resultam de um estudo de caso podem ser imediatamente utilizados para uma variedade de propósitos, como, por exemplo, o desenvolvimento de equipe, avaliação, ou criação de normas. Finalmente, os dados provenientes de um estudo de caso são geralmente mais acessíveis que os relatórios de pesquisa convencionais e, conseqüentemente, podem servir a públicos múltiplos.

2.2.2 A etnografia

A etnografia é o estudo não manipulativo das características culturais de um grupo dentro do seu ambiente natural, por meio das técnicas etnográficas a fim de oferecer uma interpretação dos dados sócio-culturais coletados (NUNAN, 1992). Segundo Johnson, D. (1992) o objetivo crucial da etnografia é fornecer uma visão êmica da realidade, ou seja, a partir das perspectivas e interpretações culturais de uma pessoa ou grupo de pessoas que pertencem ao grupo cultural investigado. Para esse fim, a etnografia utiliza primariamente a observação participativa e entrevistas como instrumentos de coleta de dados.

Nunan (1992, p. 53-57) resume alguns princípios da pesquisa etnográfica, com base nos estudos de Wilson (1982) e de Watson-Gegeo & Ulichny (1988). Segundo Wilson (op.cit.) duas hipóteses sobre comportamento humano fundamentam dois dos princípios da pesquisa etnográfica: a hipótese naturalista-ecológica e a hipótese qualitativa fenomenológica. Segundo a primeira hipótese, o contexto em que o comportamento ocorre tem uma influência significativa nesse comportamento. Portanto, estudos acerca do comportamento humano devem ser feitos nos seus contextos naturais. A segunda hipótese destaca que o comportamento humano não pode ser compreendido sem levar em consideração a percepção subjetiva e o sistema de crenças dos participantes da pesquisa. Logo, a etnografia estuda as práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens, e significados de um grupo dentro do seu ambiente natural (ANDRÉ, 2005).

Para Watson-Gegeo & Ulichny (1988) o estudo etnográfico inclui, não apenas a descrição, mas também a analise e interpretação. Entre seus princípios fundamentais estão (1) explicação holística; (2) Abordagem fundamentada em dados (grounded approach) na análise de dados e a (3) explicação densa. A explicação holística leva em consideração tanto o comportamento do indivíduo quanto o contexto em que ocorre o comportamento. A abordagem fundamentada em dados sugere que não se utilize categorias pré-determinadas ao analisar os dados. Pelo contrário, enfatiza que essas categorias sejam formadas indutivamente, dentro do contexto. Esse princípio está baseado na teoria fundamentada em dados (STRAUSS & CORBIN, 2007) ou grounded theory (GT)65.A explicação densa refere-se à importância de levar em conta todos os fatores que podem influenciar o fenômeno investigado.

65A prática de derivar teoria a partir de dados gerados das situações reais de vida, em vez de colecionar dados

com o objetivo de apoiar ou refutar uma teoria (NUNAN, 1992). Veja explicações da versão Glaser em GLASER & STRAUSS (1967) e GLASER (1992). Outra versão de GT é a de Strauss & Corbin (1990).

Estudos etnográficos utilizam uma variedade de estratégias para coletar dados. As principais fontes de dados são as observações participantes e anotações de campo com o objetivo de fazer uma descrição interpretativa do modo de vida, estrutura e cultura do grupo estudado. Utiliza também a história de vida, autobiografias e outras práticas interacionistas de coleta de dados (CHIZZOTTI, 2006).

Nunan (op.cit.) resume as características da pesquisa etnográfica como contextual (conduzida no contexto natural dos informantes), não obstrutiva (não controla ou manipula o fenômeno investigado), longitudinal (relativamente de longo prazo; permanência de algumas semanas, meses ou anos), colaborativa (envolve a cooperação entre os participantes da pesquisa), interpretativa (envolve a análise interpretativa dos dados coletados) e orgânica (promove a interação entre pergunta de pesquisa e hipóteses, coleta de dados e interpretação; as generalizações e hipóteses emergem ao longo da coleta e análise de dados, ao invés de serem pré-determinadas pelo pesquisador).

2.2.3 O estudo de caso etnográfico

Segundo André (2005), o estudo de caso etnográfico é a adaptação da etnografia ao estudo de caso. A autora ressalva que nem todos os tipos de estudo de caso podem ser classificados de etnográficos como, por exemplo, o estudo de caso histórico ou biográfico. Da mesma forma, conforme argumenta Bassey (2003), nem todo estudo etnográfico é um estudo de caso.

Antes de discutir o estudo de caso etnográfico, apresento, primeiramente, as similaridades e diferenças entre o estudo de caso e a etnografia, segundo Johnson, D. (1992). A etnografia, similar ao estudo de caso, focaliza casos particulares ou ambientes delimitados como, por exemplo, uma sala de aula ou uma escola no seu ambiente natural. No entanto, o estudo de caso pode focar um indivíduo; o foco da etnografia é um grupo. Os contextos relevantes à questão investigada no estudo de caso não são necessariamente contextos culturais. Para a etnografia, por outro lado, o grupo cultural é crucial. Assim como o estudo de caso, a etnografia oferece descrição e interpretação, mas o seu foco é sempre a cultura, enquanto o objetivo do estudo de caso é, primariamente, fazer uma descrição.

Segundo Nunan (1992), apesar das diferenças em escopo e foco, o estudo de caso e a etnografia apresentam similaridades no que tange à filosofia, método e preocupação em estudar fenômenos dentro do seu contexto. Andre (op.cit.) ressalta que, para que seja caracterizado como estudo de caso do tipo etnográfico, o estudo deve estar focalizado no

conhecimento do singular dentro do seu contexto natural e atender aos princípios básicos da etnografia, a saber: (1) relativização; (2) estranhamento e a (3) observação participante. A primeira concerne à colocação do investigado no eixo da referência do estudo, ou seja, as interpretações são feitas a partir dos significados do informante. Isso, na verdade, é algo que o estudo de caso e a etnografia compartilham, ambos sendo modalidades da pesquisa qualitativa. O segundo princípio, o estranhamento, diz respeito à necessidade do pesquisador de se distanciar da situação investigada para tentar entender os modos de pensar, sentir, agir, os valores, as crenças, os costumes, as práticas e produções culturais dos sujeitos ou grupos estudados. Cabe salientar que o estranhamento reforça a característica da pesquisa qualitativa de não controlar, nem manipular de propósito o contexto do estudo, assim possibilitando a relativização. O terceiro princípio, a observação participante, permite um grau de interação no ambiente natural do caso investigado.

A adaptação da etnografia ao estudo de caso se justifica pela natureza multimétodo da abordagem qualitativa. O que a etnografia traz para o estudo de caso é a inspiração para a observação cuidadosa e a visão êmica na interpretação da realidade investigada. Tal fato, juntamente com a utilização de vários instrumentos de coleta de dados proveniente dessas duas modalidades de pesquisa, permitiu a investigação da relação hermenêutica entre experiência, crenças, prática e contexto do caso específico em questão neste estudo.