• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 Apresentação e discussão de dados

3.1 As experiências de aprendizagem e de ensino de Ana

3.1.5 Experiências de ensino de inglês: IES privada – Curso de Letras

Ana começou a dar aula em duas IES em 2005, sendo uma federal (doravante IFES) e outra privada (doravante IPES). Ao mesmo tempo, Ana estava também dando aula em dois cursos de línguas. Ao total, ela estava trabalhando em quatro lugares diferentes durante a coleta dos dados em 2006. Sendo Ana ainda noviça na área de ensino superior, essa parte da narrativa encontra-se menos extensa do que as seções anteriores. No entanto, a sua narrativa parece indicar que o pouco tempo em que ela atua no ensino superior já lhe proporcionou novos conhecimentos e reflexões sobre a sua prática de ensino e, ao mesmo tempo, já lhe ofereceu novas descobertas sobre si mesma como professora.

Trabalhando em quatro lugares diferentes: “Trabalhar em quatro lugares diferentes, só eu mesmo /.../ foi bem puxado”

Ana admite que trabalhar em quatro lugares diferentes era algo exaustivo, uma vez que cada lugar apresentava um contexto diferente de trabalho aos quais ela tinha que se adaptar. Desses quatro lugares, Ana afirma gostar mais da IFES. Ana conta:

[Excerto 50 NO]

A

“Trabalhar em quatro lugares diferentes só eu mesmo /.../ Foi bem puxado assim, em termos assim de adaptação né, mas ahm, os estilos são bem diversos né, só que eu gostei muito assim, da IES F eu sou apaixonada por dar aula na IFES, assim /.../ É a minha paixão mesmo”.

Uma vantagem de Ana trabalhar em quatro lugares diferentes é que essa experiência lhe permite fazer comparações, não apenas entre as instituições como locais de trabalho e os tipos de alunos que tem em cada lugar, mas também lhe apresenta uma oportunidade de fazer uma análise comparativa sobre sua prática de ensino em cada uma desses IES. Ao afirmar ser “apaixonada” por docência em IFES, Ana estabelece um tipo de condição ideal na qual parece poder ensinar da maneira como acredita, ou seja, onde sua crença e prática parecem ser coerentes.

A grande diferença: “Na IFES eu sou eu mesma /.../ exijo o máximo /.../ na IPES eu tenho que baixar o nível”

Ana compara sua prática de ensino na IFES e na IPES. Nota-se que Ana atribui o fato de poder ser ela mesma na IFES devido aos tipos de alunos que tem nessa instituição. Ana afirma que, com os alunos da IFES, ela pode fazer o máximo, visto que ingressam no curso já com um bom nível de inglês. Nas suas palavras:

[Excerto 51 NO]

A “((Na IES F)) eu sou eu mesma entendeu, eu exijo o máximo que posso dos alunos, eu aprendo mais do que eles ainda, ensino pra caramba ”

Por outro lado, na IPES, ela afirma precisar fazer o mínimo, baixando assim o nível do inglês e, por vezes, permitindo o uso de dicionário durante as provas. Essas ações de Ana indicam o grau de dificuldade que muitos alunos da IPES possuem em relação à competência lingüística. Parece coroborar, ainda, o estudo de Pessoa et. al. (2007), que aponta um baixo nível de proficiência em língua inglesa entre os ingressantes no curso de Letras nas IPES. Ana conta sobre essa experiência nos dois excertos a seguir:

A

“Na IPES eu tenho que baixar o nível do inglês ao máximo, eu tenho que ajudar ao máximo, a prova com dicionário, senão eles não conseguem. E na IFES não, eu posso exigir ao máximo, eu posso, sabe, eu posso trabalhar com vocabulário, eu posso trabalhar com, com o que eu quiser que eles vão, dão uma resposta imediata, assim eles sabem muito né”.

[Excerto 53 NO]

A

Não que eu não seja eu mesma nas outras faculdades, mas assim é porque eu tenho que assim fazer uma série de correções com relação aos alunos cansados, noturno, de cinqüenta anos, de quarenta anos. Então infelizmente é uma outra realidade de alunos da IFES. Matutino, jovem, não tem nada pra fazer, que passaram a vida estudando, que fizeram um cursinho em escola de línguas “B”, em escola de línguas “C” entendeu, então a realidade é diferente. Não que os alunos cansados de cinqüenta anos não vão aprender, mas eles têm um ritmo diferente. Eu não posso exigir às vezes não tem a formação em inglês tem gente que viu o inglês no segundo grau há trinta anos atrás.

Ana também faz alusão, no excerto acima, ao fato de que a maioria dos alunos de IFES são jovens que têm estudado inglês em escolas de línguas particulares, enquanto os alunos de IES particulares, especialmente os alunos dos períodos noturnos, são mais velhos, mais cansados devido ao trabalho, e, geralmente, não têm cursos de inglês em escolas de línguas. O que Ana descreve neste excerto coincide com o resultado dos dados do Exame Nacional do Curso de Letras (provão/2000) analisada por Bezerra (2003), no que se refere ao perfil dos graduandos em Letras no Brasil. Retomando alguns dos indicadores desse perfil apresentados na seção 1.1.5, veja-se que dos 18.499 alunos que responderam ao questionário do levantamento, 78,7% trabalharam durante o curso, sendo que 14,1%, trabalham até 20 horas semanais; 22,1%, entre 20 e 40 horas semanais; e 31,4%, 40 horas ou mais. O que esses dados sugerem parece apoiar a observação de Ana de que os alunos noturnos que se encaixam no perfil descrito acima têm menos condições favoráveis para os estudos do que os alunos que não trabalham e tem seus estudos como única preocupação.

Coerente com esses diferentes contextos de ensino, o papel de Ana como professora também muda. Ela admite que, no caso da IPES, ela tenha que tomar o papel de facilitadora no sentido que precisa simplificar ao máximo as aulas regidas por ela. Segundo Ana:

[Excerto 54 NO]

A

“Então como é que eu vou ter a mesma abordagem. Então eu sou mais um

facilitator pra eles /.../ Eu vou mais lá ajudá-los a entender pelo menos um

terço do inglês pra eles ler em inglês e pegar a idéia principal daquele texto ”.

Com os dois excertos acima, Ana deixa transparecer que ensina na IFES segundo a sua concepção de como o ensino de inglês deve ser, sugerindo, assim, uma coerência entre crenças e prática de ensino. Por outro lado, quando afirma que nas IPES ela precisa baixar o nível ao máximo por causa do nível dos alunos, Ana demonstra uma sensibilidade à realidade desses alunos. Portanto, ela prioriza uma prática de ensino sobre outra, assim sugerindo um ensino influenciado pelos diferentes perfis de alunos que ela ensina. Por outro lado, a sua afirmação de que na IPES ela abaixa o nível de inglês por causa de uma realidade diferente, Ana faz entender que ensina, mas que essa aula não é aquela aula que concebe como ideal. Logo, pode-se afirmar que a experiência de ensino nas IES de Ana parece indicar que ela ensina de acordo com as suas crenças sobre ensino, mas que essas crenças interagem com outras crenças que dizem respeito ao ensino, ao papel do professor, ao contexto e às suas crenças sobre seus alunos. Os dados mostram que, assim como nas escolas de línguas, a prática de ensino de Ana nas IES continua sendo altamente situada (cf. BORG, 2003; LAVE, 1988; HOLLIDAY, 1994). Como Borg (op.cit.) ressalta, a prática do professor é adaptada segundo as realidades psicológicas, sociais e ambientais da escola e da sala de aula.