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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.4 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES

2.4.2 Abordagem Estrutural das Representações Sociais

A Teoria do Núcleo Central foi proposta em 1976 por Jean-Claude Abric em estudos sobre representações sociais e comportamentos através da hipótese de que a organização de uma representação social apresenta uma característica particular. Essa característica diz respeito ao fato de que não apenas os elementos da representação são hierarquizados, mas toda representação é organizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou de alguns elementos que dão significado à representação (ABRIC, 2000).

Wagner e Elejabarrieta (1994), assim como Abric (2000), afirmam que toda representação social está organizada em torno de um núcleo central e de elementos periféricos e intermediários. A natureza do núcleo central é essencialmente social e liga-se às condições históricas, sociológicas e ideológicas diretamente associadas aos valores e normas.

O sistema periférico associa-se às características individuais e ao contexto imediato e contingente, o que permite adaptações e diferenciações em função do vivido, integrando as experiências cotidianas às informações e até práticas diferenciadas (WAGNER; ELEJABARRIETA, 1994; ABRIC, 2000).

O núcleo central estruturante, ou núcleo duro, determina a natureza e a relação dos conteúdos das RS, possuindo duas funções fundamentais: 1ª - a função geradora que qualifica, cria ou transforma o significado de todos os elementos constitutivos da representação em função das relações do objeto das RS com o sistema de valores e normas sociais; e 2ª - a função organizadora determina a natureza dos elos, unindo e estabilizando os diferentes elementos da representação (ABRIC, 2000).

Os elementos periféricos por sua vez são a interface entre o núcleo central, reificado, e a realidade dinâmica em constante transformação no dia-a-dia dos sujeitos psicossociais. Os elementos periféricos têm três funções: 1ª - a função concretizadora, diretamente relacionada com o contexto e por seu caráter dependente, é responsável pela ancoragem da representação na realidade; 2 ª- a função de regulação que exerce papel essencial na adaptação da representação às evoluções do contexto, incluindo novas informações ou transformações do meio ambiente e abrigando as contradições acerca da representação; e 3ª - a função de defesa que funciona como um “pára-choque”, conferindo ao núcleo central maior resistência às mudanças (ABRIC, 2000).

Os elementos intermediários são constituídos de conteúdos mais flexíveis que interagem com os elementos periféricos e o núcleo central, em graus variados de pressão, inferência, engajamento e dispersão da informação (WAGNER; ELEJABARRIETA, 1994).

Vale ressaltar que as funções geradora e organizativa das RS não se destacam claramente. Sua visualização se faz de forma relacional, ou seja, no sentido de complementaridade, dando sustentação e cristalização ao objeto representacional. Assim, entende-se que o caráter consensual das representações padece de algumas variáveis, ou vieses que as tornam dinâmicas enquanto opinião de um dado grupo sobre um objeto em função da sua multiplicidade de apreensão, por ser de natureza individual e social (MIRANDA, 2002).

Atualmente, a TRS circula por várias áreas de conhecimento das ciências humanas, sociais e da saúde, tanto na Europa como nas Américas, incluindo o Brasil, apresentando nuances, seja em suas esferas de domínio (antropologia, psicologia social, história, filosofia, enfermagem), especialmente nas concepções grupais e sociais aplicadas, seja na forma de identificar os objetos de representação num determinado contexto social (MARQUES; TYRREL; OLIVEIRA, 2006; RUMLLER, 2007).

Na área das Ciências da Saúde, Rummler (2007) realizou um levantamento de fontes teórico- metodológicas para a TRS presente e m artigos de periódicos, exceto os de ciências médicas. Num total de 45 artigos, em 19 periódicos, foram encontradas 138 referências, correspondendo a 69 obras com abrangência para a TRS, e participação de 49 autores. O achado mais significativo foi a constatação de que dos 19 periódicos analisados, 9 eram d o domínio exclusivo da Enfermagem, demonstrando a utilização e importância desse referencial no desenvolvimento de pesquisas empíricas, fortalecendo o conhecimento científico e a interdisciplinaridade na área.

Na opinião de Jodelet (2005, p. 40),

[...] o estudo da produção e da eficiência das representações numa totalidade social não é mais contestável, nem quanto à sua importância nem quanto à sua viabilidade. Basta definir com cuidado as formas da sua execução empírica.

Portanto, trata-se de um campo de estudo transdisciplinar onde sua forma de conhecimento prático habita as correntes que estudam o conhecimento do senso comum, conhecimento esse legitimado e propulsor das transformações sociais na interface de contextos sociais de curto e longo alcance histórico (SPINK, 1993).

Na percepção de Moscovici (1978), as RS circulam e se cruzam incessantemente através da fala, do comportamento e de um gesto em nosso universo cotidiano de emoções e ações, perfazendo o conjunto de relações sociais e comunicacionais executadas entre os indivíduos.

Sua forma de conhecimento prático permite a execução de algumas funções: 1ª- função social – orientação de condutas e do processo comunicativo; 2ª- função afetiva – proteção e legitimação de identidades sociais; e 3ª- função cognitiva – familiarização e identificação com o novo (SPINK, 1993).

Relembrando, toda representação social é formada por um processo figurativo e imagético de expressões socializadas por meio da organização de linguagens próprias na consciência individual ou coletiva, que permite a tradução de indefinidos conflitos normativos, materiais e sociais (MOSCOVICI, 1978), pois é imposta e transmitida aos homens como produto de uma seqüência completa de mudanças e elaborações que transcorrem no decurso do tempo e, portanto, resultado de sucessivas gerações (MOSCOVICI, 2003).

Segundo Duveen (2003, p. 8), as RS amparadas por influências sociais da comunicação “constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos uns aos outros”.

As RS constroem e determinam conhecimentos sociais, situando o indivíduo no mundo e definindo sua identidade social atrelado ao seu modo de ser. Seus pressupostos procuram entender o fenômeno humano manifestado na sua capacidade de apropriar-se de conceitos e afirmações originadas no cotidiano por meio de contatos sociais na interação com pessoas ou grupos (BUCHELE, 2005).

Apesar de afirmar que a percepção das RS é nítida no imaginário social, Moscovici (1978, p. 28) assegura que conceituá- las é tarefa difícil. Entretanto, propõe que seja

[...] um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os poderes de sua imaginação.

Já na área de domínio exclusivo da Enfermagem, a contribuição vem do estudo de Marques, Tyrrel e Oliveira (2006), que mostra o uso da TRS no período de 1975 a 2001, enquanto referencial teórico- metodológico na fundamentação e guia de grande parte da produção do conhecimento em pesquisas, especificamente no que tange às dissertações e teses dos programas de pós-graduação em enfermagem no Brasil.

Das 131 pesquisas identificadas por esses autores, os estados da região sudeste responderam por quase 80% de todos os estudos com abordagem na TRS. Curiosamente, apesar da TRS ter adentrado no Brasil pelo estado da Paraíba, por intermédio da Professora Denise Jodelet, e de possuir um grupo de estudiosos permanente, o referido estado contribuiu com apenas 3,1% de todas as pesquisas (MARQUES; TYRREL; OLIVEIRA, 2006). Nesse sentido, destaca-se o pioneirismo paraibano da professora Antônia Silva Paredes Moreira da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Foram identificadas também 12 categorias de sujeitos envolvidos nos estudos, destacando-se enfermeiros (25,5%), mulheres (17,3%) e pacientes (13,1%). Os objetos de estudos sobre representação destas produções científicas se fundamentaram, especialmente, na doença (18%), processo saúde-doença (12%) e cuidado familiar (4%). Tais resultados demonstraram a preocupação dos pesquisadores em enfocar a loucura/doença mental, como os objetos de representação com maior freqüência, como também identificar de que maneira determinados grupos sociais, a exemplo da família, representam o processo saúde-doença (MARQUES; TYRREL; OLIVEIRA, 2006).

O Grupo de Estudos em Representações Sociais (GERES) da EERP/USP desde 1994 reúne profissionais, especialmente enfermeiros, interessados no estudo e produção científica da TRS. Em levantamento realizado pelo grupo, no período de 1995 a 2000, foram contabilizados 18 trabalhos entre teses e dissertações envolvendo o uso da TRS, com importante participação de estudos com enfoque em Enfermagem Psiquiátrica e em Saúde Mental (FUREGATO; OGATA; VIEIRA, 2002).

As autoras consideram a necessidade de reinserir a saúde mental no âmbito da saúde social, conduzindo à discussão da subjetividade como expressão das diferentes manifestações culturais, inevitavelmente passível à revisão e à transformação (FUREGATO; OGATA; VIEIRA, 2002).

A utilização e a apropriação do conhecimento produzido pela TRS no campo da loucura e doença mental são percebidas desde o célebre trabalho de Denise Jodelet (2005), que identificou as representações sociais da loucura numa comunidade rural da França, a partir da convivência de pacientes egressos de hospitais psiquiátricos e que recebiam cuidados de famílias locais. Esse estudo pesquisou a inserção social da loucura, discutindo e analisando a construção das RS sobre a doença mental.

Maciel et al. (2005a) identificaram as representações de familiares de portadores de transtorno mental sobre a doença mental e a Reforma Psiquiátrica a partir do referencial da TRS. Nos discursos dos familiares, os autores observaram idéias de periculosidade, baixa estima e ineficiência em relação ao doente, apontando o relacionamento familiar como fator de sobrecarga, de tristeza e de sofrimento, como reflexo do medo e da falta de confiança, além dos familiares se mostrarem contrários ao processo de Reforma, identificando-a apenas como o fechamento dos hospitais.

Em outro estudo, Maciel et al. (2005b) apontaram a representação de profissionais de saúde mental de um hospital psiquiátrico acerca da doença mental. Os profissionais representaram o doente como um ser agressivo e insano, fora da realidade e de controle social. Apesar de identificarem o apoio familiar como o fator mais importante no cuidado, a contradição de seus discursos se apresenta ao eleger o hospital como um local acolhedor e de proteção.

Muito provavelmente, a representação positiva do hospital na fala dos sujeitos da pesquisa revela uma “afirmação profissional” e o medo do desemprego, ao enxergarem na tutela do hospital sua garantia de sobrevivência e status quo, fato esse evidenciado na contrariedade à Reforma Psiquiátrica e na insignificante menção aos serviços substitutivos (MACIEL, et al. 2005b).

Diante do exposto, acredita-se na TRS e na TNC como facilitadoras na apreensão dos fenômenos sociais dessa pesquisa, por entender que o estudo acerca da família e de sua participação nos serviços substitutivos de saúde mental requer um referencial teórico- metodológico impregnado pela abertura ao novo, ao contraditório, ao dinamismo das relações sociais, familiares e profissionais.

Estudo Representacional da Participação Familiar nas Atividades dos Centros de Atenção Psicossocial no Município de Natal-RN