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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.3 A FAMÍLIA NA INTERFACE DO USO E ABUSO DO ÁLCOOL E OUTRAS

D a m e s m a maneira q u e o transtorno mental, o uso e abuso de substâncias psicoativas3 (álcool e outras drogas) possui e possuiu repercussões nos cenários da (des)assistência ao usuário, estigma e preconceito, formas de tratamento inadequadas, (ex)inclusão familiar, moralidade social, associação ao ócio e à criminalidade. Durante muitos anos, a única alternativa de “tratamento” do usuário foram as repetidas internações psiquiátricas que em nada ajudavam, a não ser no prolongamento da abstinência, interrompida pela descontinuidade da assistência extra- muros.

Enquanto entidade patológica, o uso e abuso de substâncias é ainda mais recente que o transtorno mental, possuindo uma resistência social relevante, dado o seu aspecto “volitivo e controlável” no processo decisório, pois na percepção de muitos é uma escolha, uma opção, especialmente quando associada à transgressão das normas sociais (tráfico, roubo, homicídios). Segundo Laranjeira e Pinsky (1998), o alcoolismo como doença surge no século XIX, considerado a partir daí um problema de saúde pública.

Historicamente, o uso e abusivo de álcool e outras drogas têm s i d o , predominantemente, discutido e abordado sob uma ótica psiquiatrizante e, portanto, médica, além da correlação à criminalidade e à oferta de “terapêutica” inspirados em modelos de exclusão/separação dos usuários do convívio social (BRASIL, 2003b).

3 Nesse trabalho, os termos uso e abuso de droga, uso na vida, dependência química e alcoolismo poderão ser utilizados para fazer referência à pessoa que faz uso de uma alguma substância psicoativa, muito embora esses termos não sejam sinônimos.

Através da III Conferência Nacional de Saúde Mental, o Brasil reafirmou a saúde como direito do cidadão e dever do Estado, e propôs ao mesmo tempo a necessidade de garantir, nas três esferas de governo, políticas de saúde mental consonantes aos princípios do S U S c o m enfoque na atenção integral, acesso universal e gratuito, na equidade, na participação e controle social em respeito às diretrizes da Reforma Psiquiátrica, e das leis federais e estaduais. Acrescido a isso, defendeu a construção de uma rede de atenção integral em saúde mental, para evitar a internação em hospitais psiquiátricos e clínicas (BRASIL, 2002a).

A legislação brasileira garante ao usuário de álcool e outras drogas, assim como aos portadores de transtorno mental, a acessibilidade, os direitos e cidadania a partir do fornecimento do maior número de informações sobre adoecimento e atendimento nos serviços de saúde ao usuário, à família ou ao responsável. Ao atendê- los é garantido o atendimento às suas necessidades de saúde com humanidade e respeito, cujo interesse exclusivo é o de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade.

Estatísticas demonstram que o consumo do álcool e outras drogas, exceto tabaco, respondem por 12% de todos os transtornos graves na população acima de 12 anos no Brasil, sendo o impacto do álcool dez vezes maior se comparado ao conjunto das drogas ilícitas, e aproximadamente 10% da população dos centros urbanos mundiais consomem abusivamente substâncias psicoativas, independentemente da faixa etária, gênero, nível de instrução e poder aquisitivo (BRASIL, 2003b; BRASIL, 2005).

O I Levantamento Nacional Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas (2001), com participação de 107 cidades brasileiras de população superior a 200.000 habitantes, revelou que o consumo de álcool na população total era de 68,7%, porcentagem próxima a 71,0 % no Chile e a 81,0% nos EUA, com proporções mais ou menos estáveis para as diferentes faixas etárias. Dos entrevistados com idade entre 12 e 17 anos, 48,3% relataram uso de bebidas alcoólicas. A maior prevalência à dependência do álcool, acima dos 16%, foi encontrada nas regiões Norte e Nordeste, nessa última a dependência entre os adolescentes, 12 a 17 anos, ficou próxima dos 9% (GALDUROZ et al., 2001; CARLINI et al., 2002).

Quatro anos mais tarde, em 2005, o II Levantamento Nacional Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas revelou que 22,8% da população pesquisada faziam uso na vida de drogas, exceto tabaco e álcool, aumento de 3,4% em comparação a 2001. Já em relação à estimativa da dependência de álcool, não houve mudança expressiva (CARLINI et al., 2006).

O uso da maconha apareceu em primeiro lugar, seguida dos solventes, entre as drogas ilícitas, com 8,8% dos entrevistados, um aumento não significativo de 1,9% e 0,3%, em relação a 2001. Quanto aos anorexígenos, o uso foi de 3,2% em 2005, aumento de 1,7%, sendo a única categoria de drogas com aumento estatisticamente significativo, e de 2,9% para a cocaína (CARLINI et al., 2006).

No que se refere à região Nordeste, o uso de qualquer droga, exceto tabaco e álcool, diminuiu (27,6%) em relação a 2001 (29,0%). A estimativa de dependentes do álcool também diminuiu (13,8%) em relação ao I Levantamento (16,9%), a maconha e os benzodiazepínicos apresentaram um pequeno aumento de uso em 2005, respectivamente, 0,6% e 0,7% (CARLINI et al., 2006).

No mundo ocidental, 90% da população adulta consome algum tipo de bebida alcoólica, e entre essa, 10% apresentará um uso nocivo de álcool, e outros 10% se tornará dependente, ou seja, em cada dez pessoas que consomem álcool, uma terá um agravo de saúde por ingerir bebida alcoólica. Os estudos etiológicos tentam identificar o que esse usuário tem de diferente dos demais, pois enquanto uns têm apenas prazer com o consumo de bebidas alcoólicas, outros se tornam, com o tempo, portadores de uma das enfermidades mais desgastantes do ponto de vista da saúde, pois atinge tanto a sua saúde, quanto da sua família (RAMOS; WOITOWITZ, 2004).

Como observado, o uso e a dependência pelo álcool e outras drogas constitui, atualmente, um problema de saúde pública em função de sua complexidade e magnitude, visto que seus efeitos afetam, significativamente, a saúde e a qualidade de vida dos usuários e familiares. Segundo Zeferino et al. (2006), a problemática aumenta porque o uso abusivo de drogas se apresenta à população vinculado às drogas lícitas, álcool e fumo, inteiramente livres para o consumo, alimentado por propagandas que as colocam como caminho do sucesso e sinônimo de alegria, beleza e juventude.

Particularmente, o álcool é, per si, uma droga referendada pela sociedade brasileira, e seu uso abusivo é uma doença que causa morte ou limitações individuais e funcionais, neurológicas, gastrintestinais, cardiovasculares, psiquiátricas e limitações coletivas como o aumento nos índices do absentismo, violência urbana, doméstica e intrafamiliar, além dos acidentes de trânsito, dentre outros impactos negativos ao convívio social.

O Brasil, através do Ministério da Saúde, adotou a política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, exigindo a busca de novas estratégias de contato e de vínculo com o usuário e sua família, além do reconhecimento de suas características, necessidades e vias de administração de drogas, objetivando o desenho e implantação de múltiplos programas de prevenção, educação, tratamento e promoção de fácil adaptação as diferentes necessidades (BRASIL, 2003b).

Para que essa política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva deve admitir que

[...] as distintas estratégias são complementares e não concorrentes, e que, portanto, o retardo do consumo de drogas, a redução dos danos associada ao consumo e a superação do consumo são elementos fundamentais para sua construção (BRASIL, 2003b, p. 8).

A redução da oferta perpassa pela ação da justiça, da segurança e da defesa, para coibir o tráfico das drogas ilícitas, e a influência social que as lícitas possuem, a despeito do álcool, incentivadas pelo consumo nos meios de comunicação, na associação ao belo e à moda.

Também nessa perspectiva, a abstinência não pode ser o único objetivo a ser alcançado, privilegiando-se a redução de danos ao reconhecer cada usuário em suas singularidades, mas também traçando estratégias mútuas voltadas para a defesa da vida e aumento do grau de liberdade e de co-responsabilidade. Os profissionais de saúde, no estabelecimento do vínculo terapêutico, passam também a ser co-responsáveis pelos caminhos a ser construídos pelo usuário e pelas muitas vidas que a ele se ligam e que nele se expressam (BRASIL, 2003b).

A redução de danos representa um dos eixos norteadores da política nacional para o álcool e outras drogas, situando-se como uma

[...] estratégia de saúde pública que visa a reduzir os danos causados pelo abuso de drogas lícitas e ilícitas, resgatando o usuário em seu papel auto-regulador, sem a exigência imediata e automática da abstinência, incentivando-o à mobilização social (BRASIL, 2005, p. 41).

A principal estratégia de atenção à saúde com relação ao consumo de álcool e outras drogas é o CAPSad, que utiliza as estratégias de redução de danos enquanto ferramentas nas ações de prevenção e promoção da saúde, sobretudo por dar suporte à portaria ministerial nº 816/2002, na criação do Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas (BRASIL, 2007b).

Essa portaria teve, dentre outras finalidades, a função de organizar e implantar uma rede estratégica de serviços extra-hospitalares de atenção aos usuários, articulada à rede de atenção psicossocial, que objetiva aperfeiçoar as intervenções preventivas como forma de reduzir os danos sociais e à saúde, concebidos pelo uso prejudicial de álcool e outras drogas e realizar ações de atenção e assistência aos usuários e familiares, de forma integral e abrangente, com atendimento individual, em grupo, atividades comunitárias, orientação profissional, suporte medicamentoso, psicoterápico, de orientação e outros (BRASIL, 2002c).

A própria Política Nacional para Usuários de Álcool e outras Drogas preconiza que:

A assistência a usuários de álcool deve ser oferecida em todos os níveis de atenção, privilegiando os cuidados em dispositivos extra-hospitalares, como os Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad), devendo também estar inserida na atuação do Programa de Saúde da Família, programa de Agentes Comunitários de Saúde, e da Rede Básica de Saúde (BRASIL, 2003b, p. 20).

Com isso, estimula-se a estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência e atenção psicossocial centrada na atenção comunitária, associada à rede de serviços de saúde e sociais, que enfatize a reabilitação e reinserção social dos usuários, amparada em dispositivos comunitários, integrados ao meio cultural, articulados à rede de saúde mental e aos princípios da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2003b).

Atualmente, o SUS apresenta uma rede substitutiva de CAPSad composta por 153 serviços, sendo quatro em território potiguar, com investimento, em 2006, da ordem de aproximadamente 622 mil reais (BRASIL, 2007a).

Um CAPSad tem por objetivo proporcionar atendimento à população, respeitando-se a adstrição do território, oferecendo- lhe atividades terapêuticas e preventivas, tais como: atendimento diário aos usuários dos serviços, dentro da lógica de redução de danos; gerenciamento dos casos, oferecendo cuidados personalizados; condições para o repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem; cuidados aos familiares dos usuários dos serviços e ações junto aos usuários e familiares, para os fatores de proteção do uso e da dependência de substâncias psicoativas (BRASIL, 2003b).

Outro mecanismo institucional foi a criação da Política Nacional Antidrogas (2003), política que, centrada na prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, além da redução dos danos sociais e à saúde, o governo brasileiro objetivou, especialmente, a conscientização da população brasileira pela ameaça representada pelo uso indevido de drogas e suas conseqüências (BRASIL, 2003c).

Três anos mais tarde, em 2006, o governo instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, além de estabelecer normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas (BRASIL, 2006).

O SISNAD permitiu à União e à sociedade a pactuação pelo compromisso na temática álcool e outras drogas, respeitando-se a diversidade e as especificidades populacionais existentes, especialmente os fatores de proteção contra o uso indevido de drogas. Nessa perspectiva, reforçou o uso problemático do álcool na esfera da atenção primária como mecanismo estratégico para a redução do impacto negativo individual e social, além de promover uma melhoria no total de anos de vida ajustados por incapacitação (AVAI) perdidos em virtude do seu consumo (BRASIL, 2006).

Na atualidade, a Política Nacional sobre o Álcool, através do Decreto nº 6.117 de 22 de maio de 2007 (BRASIL, 2007c) dispõe de um conjunto de medidas para reduzir e prevenir os danos à saúde e à vida, que estendende-se às esferas da criminalidade e da violência. Insere medidas na regulação da propaganda de bebidas alcoólicas, associação de álcool e trânsito, entre outros.

Um estudo bibliográfico sobre o manejo da enfermagem em relação ao uso do álcool e drogas e sua complexidade identificou e comparou modelos explicativos usados, tais como: ético- legal, moral, médico ou da doença, psicológico ou psicossocial e sociológico ou sociocultural, concluindo que há uma produção significativa de experiências com a prática de enfermagem na assistência, pesquisa e ensino relacionada ao alcoolismo (PILLON; LUIS, 2004).

Como alternativas teóricas, as autoras sugerem que o conhecimento dos modelos explicativos faculta, ao enfermeiro, meios para facilitar sua prática de acordo com as necessidades da demanda de saúde, além da garantia de um ambiente acolhedor, empático, motivacional, que conduz ao relacionamento interpessoal. Na realidade, existe em geral grande necessidade de aquisição de conhecimentos teóricos que propiciem a revisão dos modelos ou protocolos informais que embasam a prática nessa área (PILON; LUIS, 2004).

Os modelos que existem para explicar e descrever as evidências e os padrões comuns, também dão sinais para o planejamento dos cuidados de enfermagem na área do uso, do abuso ou da dependência química. No campo da operacionalização, essa prática muitas vezes emerge de forma alternada e direcionada para cada caso sem a devida compreensão dos modelos que se relacionam, por isso nem sempre atende às especificidades dos usuários e seus familiares.

Para Kaplan e Sadock (2007) o conhecimento das condições de consumo de uma substância psicoativa configura-se tanto como um problema de saúde mental quanto de saúde pública e, os efeitos nocivos do consumo são complexos e se descrevem como um continuum que varia com a intensidade manifestada pela freqüência de uso, pela quantidade consumida e pela duração do consumo.

A assistência da enfermagem, nesses casos, deve se basear no contexto dos sujeitos envolvidos, em suas fragilidades e motivações individuais e familiares, porque a prática da enfermagem exige do profissional um senso investigativo das informações verbais ou contextuais, além das formas de silêncio ou ocultamento de certas problemáticas geradoras de saberes e práticas mais adaptadas, mais humanizadas no atendimento ao usuário e sua família (MIRANDA et al., 2006).

O profissional de saúde deve adotar uma abordagem cultural de cuidado, que leve em consideração os valores, as crenças e os modos de vida padronizados, aprendidos e transmitidos, facilitando ao indivíduo e ao grupo a manutenção do bem-estar, a melhoria de suas capacidades e modos de vida, objetivando o enfrentamento da doença que é o alcoolismo (ROSSATO; KIRCHHOF, 2006).

Segundo Miranda et al. (2006), ao prestar assistência ao usuário de álcool e sua família o enfermeiro vivencia um cuidar marcado pela polarização. Por um lado, existe o posicionamento do alcoolista que recusa o tratamento num hospital considerado de “loucos” e, por outro, o posicionamento da família, não menos apreensiva e defensiva, que busca apoio e solução para as dificuldades decorrentes desse processo, fazendo-se representar por um membro familiar e cuidador, tendo em suas manifestações discursivas o ônus da situação.

Coimbra et al. (2005, p.103) afirmam que uma assistência de enfermagem deva atender “a demanda do indivíduo e de sua família”, requerendo-se “um aprendizado que ultrapasse os conceitos teóricos da reforma psiquiátrica”. Assim, pois, exige habilidades e competências adquiridas no manejo diário e experiencial, tanto como no aprender a aprender com os múltiplos saberes que advêm da prática da enfermagem, como também na busca da inclusão social e da implementação de ações para um cuidar adequado às constantes modificações desse agir terapêutico.

As estratégias que a família utiliza para lidar com as demandas influenciam a sua saúde e seu funcionamento. Além da abordagem profissional na procura por assistência, esse enfrentamento pode ser definido como respostas positivas de natureza afetiva, cognitiva e comportamental que a família utiliza para resolver ou reduzir o estresse produzido por um evento ou problema (ANGELO; BOUSSO, 2001).

O funcionamento familiar focaliza as necessidades de seus membros que devem ser atendidas pelos recursos de saúde e profissionais disponíveis. Estas são pautadas em conhecimento e familiaridade com rotinas de cuidado, além da capacidade para detectar sinais de doença com base em evidências muitas vezes despercebidas aos outros. Devido às suas características próprias de proximidade e convivência, a família tem melhores condições para acompanhar o processo saúde-doença de seus membros (ANGELO; BOUSSO, 2001).

A família é a mais comprometida com o problema e a personagem que mais possui recursos para auxiliar o membro usuário de drogas, desde que devidamente estimulada e acompanhada, haja vista que todos os membros da família possuem sua cota de responsabilidade pelo problema apresentado (MARTINS; PILLON; LUIS, 2004).

Nesse sentido, o uso de álcool e outras drogas pelos pais é um fator de risco importante no meio familiar, assim como a ocorrência de isolamento social entre os membros familiares, além de um padrão familiar disfuncional e a falta do elemento paterno. Dentre os fatores de proteção, está a existência do vínculo familiar no desenvolvimento de valores e o compartilhamento de tarefas no lar, a troca de informações sobre as suas rotinas e práticas diárias centradas no diálogo (BRASIL, 2003b).

Contraditoriamente, o ambiente familiar por ser a base para uma adequada saúde física e emocional, além de transmitir valores essenciais ao desenvolvimento dos membros, é um espaço de convivência da prática de consumo do álcool. Problemas como ausência de diálogo, conflitos intergeracionais, violência intrafamiliar, falta de confiança, dificuldade para aceitar o comportamento dos filhos, entre outros, correspondem a fatores de risco para o uso e abuso do álcool e outras substâncias psicoativas (PILLON; LUIS, 2004).

Segundo Laranjeira e Pinsky (1998), o controle do uso do álcool na sociedade brasileira ocorre de forma inapropriada, quer pelo baixo custo da aguardente, quer pela venda indiscriminada de bebidas alcoólicas em vários estabelecimentos e situações diversas. O álcool está longe de ser considerado um produto qualquer, pois causa diversos danos à saúde através de três mecanismos: toxicidade sobre vários órgãos e sistemas corporais; intoxicação aguda e dependência. Seu padrão de consumo se caracteriza não somente pela freqüência e pela quantidade, mas também pelo tempo entre um episódio e outro.

A dependência pelo álcool possui um forte estigma social e, os usuários como mecanismo de fuga desse estigma, geralmente, não assumem sua condição de alcoolistas, negando o transtorno apresentado, fato esse q ue dificulta a recuperação. Exigir que a pessoa reconheça sua doença, implica num enfraquecimento da auto-estima e, conseqüentemente, numa condição insatisfatória para o êxito da terapêutica, sendo necessário contemplar a singularidade de cada indivíduo e suas implicações sociais por meio de estratégias que visem garantir a segurança dos envolvidos (PILLON; O’BRIEN; CHAVEZ, 2005).

O uso e abuso do álcool progridem de forma lenta e insidiosa, evoluindo para cronificação, com imensuráveis problemas no processo saúde-doença do indivíduo e da família. Os efeitos psicológicos, sociais, culturais, jurídicos, políticos e econômicos dessa dependência química acarretam prejuízos incalculáveis com comprometimento da qualidade de vida, constituindo num ônus direto para o usuário e seus familiares. Indiretamente, isso gera oportunidades perdidas no manejo do processo produtivo, social, afetivo e familiar.

A orientação do usuário sobre o seu problema e a valorização da família como parte integrante dessa estratégia, valorizam “a garantia de acesso à informação e aos meios de tratamento disponíveis na comunidade, incluindo um tratamento mais intensivo, se necessário, além das redes sociais de apoio” (MIRANDA et al., 2006, p.231).

Por recomendação da OMS na assistência a usuários de álcool foram criadas as Estratégias de Diagnóstico e Intervenções Breves (EDIBs) em atenção primária, a ser inseridas na Estratégia Saúde da Família (ESF), objetivando a prevenção e a redução dos danos causados à saúde. As EDIBs têm como finalidades reconhecer e assistir os usuários no processo de tomada de decisão, esforçando-se para redução ou interrupção do uso antes do desenvolvimento de sérios problemas físicos, psicológicos ou sociais (BRASIL, 2003c; MINTO et al., 2007).

A prevenção primária e as EDIBs ofertadas em serviços extra-hospitalares sugerem melhores efeitos benéficos para usuários e familiares, com inserção na comunidade e complementadas por outros programas assistenciais (BRASIL, 2003b).

No tocante à pesquisa da temática, Luis e Lunetta (2005) observaram, através de levantamento bibliográfico, que apesar do álcool aparecer associado a c o - morbidades em muitos estudos, as substâncias psicoativas, de um modo geral, não têm despertado interesse