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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS FAMILIARES E USUÁRIOS

A Tabela 1 identifica os familiares e usuários em relação ao gênero e estado civil. Mulheres (85,7%), casadas (71,5%) contitui a maior parte dos familiares participantes das atividades dos CAPS que acompanhavam seus parentes. Tais cifras são comuns na identificação dessas donas de casa, idosas, provedoras da saúde familiar e cuidadoras, como as responsáveis pelo equilíbrio do lar e pela procura de serviços de saúde na família, ocupando as esferas da vida pública e privada, ou seja, em casa e no trabalho.

Tabela 1 – Distribuição Absoluta e Percentual de Familiares e Usuários segundo o Gênero e Estado Civil. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Gênero Estado Civil

Masculino Feminino Total Casado Solteiro Divorciado Viúvo Total

n % n % n % n % n % n % n % n %

Familiares 4 14,3 24 85,7 28 100 20 71,5 5 17,9 2 7,1 1 3,5 28 100

A presença do gênero feminino no tratamento e acompanhamento do portador de transtorno mental ou usuário de drogas nos serviços de saúde mental é um achado natural nos vários estudos correlatos sobre participação familiar (GONÇALVES; SENA, 2001; CATENA; GALERA, 2002; PEREIRA; ORNELLAS, 2003; MORENO; ALENCASTRE, 2004; VARGAS; ZAGO, 2005; FILIZOLA et al., 2006; MIRANDA et al., 2006; AZEVEDO; GAUDÊNCIO, 2007).

Dentre os mais expressivos, está o estudo de Gonçalves (1999) que investigou mulheres cuidadoras de portadores de transtorno mental, considerando a importância dessas na consolidação do processo de Reforma Psiquiátrica. Fragilidade, despreparo e perseverança foram características apreciadas nos sujeitos, diante da falta de suporte das instituições de saúde mental onde seus parentes recebiam tratamento.

Quanto aos usuários, esses eram em sua maioria homens (78,6%) e solteiros (53,6%). Tais dados não correspondem necessariamente a um perfil predominante dos serviços de saúde, dadas as características da amostra e da clientela distinta dos serviços. Entretanto, destaca-se a reconhecida magnitude do gênero masculino no uso e abuso do álcool e outras drogas, representada nesse estudo por 13 usuários dos CAPSad, ou seja, apenas um usuário era do gênero feminino.

Em relação à faixa etária (Tabelas 2 e 3), os familiares possuíam idade superior à 50 anos (64,0%), com mínima de 28 anos e máxima de 76 anos, e a maioria dos usuários (57,1%) tinha idade acima dos 40 anos, com mínima de 22 e máxima de 60 anos.

Tabela 2 – Distribuição Absoluta e Percentual de Familiares segundo a Faixa Etária. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Faixa Etária (anos)

28-39 40-49 50-59 60-69 70-76 Total

n % n % n % n % n % n %

05 18,0 5 18,0 8 28,5 7 25,0 3 10,5 28 100

Tabela 3 – Distribuição Absoluta e Percentual de Usuários segundo a Faixa Etária. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Faixa Etária (anos)

22-29 30-39 40-49 50-60 Total

n % n % n % n % n %

No tocante à escolaridade (Tabela 4), 39,2% dos familiares possuíam pelo menos o Ensino Médio Completo e 46,5% dos usuários estudaram até o Ensino Fundamental I.

Tabela 4 – Distribuição Absoluta e Percentual de Familiares e Usuários segundo a Escolaridade. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

SE EF I EF II EM In EM Com ES In ES Com E Pos Total

n % n % n % n % n % n % n % n % n %

Familiares 1 3,5 8 28,7 6 21,5 2 7,1 6 21,5 1 3,5 3 10,7 1 3,5 28 100

Usuários - - 13 46,5 7 25,0 3 10,7 3 10,7 2 7,1 - - - - 28 100

Legenda:

SE: sem escolaridade EF I: ensino fundamental I EF II: ensino fundamental II EM In: ensino médio incompleto

EM Com: ensino médio completo ES In: ensino superior incompleto ES Com: ensino superior completo E Pos: ensino de pós-graduação

A parte I do instrumento de pesquisa (Apêndice B) também ofereceu uma estimativa entre o uso do serviço hospitalar (internação) e o substitutivo (CAPS) pelos usuários (Tabela 5). Dessa forma, os familiares afirmaram que 47,1% de seus parentes já haviam sido internados repetidas vezes em hospitais psiquiátricos, com aproximadamente 140 admissões. O número tão elevado de internamentos corresponde à maioria dos usuários dos CAPS II Leste e Oeste, apesar dos usuários dos CAPSad também serem hospitalizados nos quadros de abstinência ou nas crises psicóticas associadas ao uso e abuso de drogas.

Tabela 5 - Distribuição Absoluta e Percentual dos Usuários segundo a utilização dos Serviços de Saúde Mental. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Internação Hospitalar Tempo de Tratamento no CAPS

Sim Não Total 3 meses -1 ano 2 - 5 anos 6 - 12 anos Total

n % n % n % n % n % n % n %

16 47,1 12 42,9 28 100 13 46,5 10 35,7 5 17,8 28 100

O manicômio, particularmente em Natal, ainda referenciado como a colônia João Machado, durante muito tempo foi a única “alternativa de tratamento” para os portadores de transtorno mentais e usuários de álcool e outras drogas, que se misturavam em suas necessidades de saúde num espaço físico mortificado, regrado por normas alheias aos seus moradores, onde os profissionais de saúde detinham o “controle” do funcionamento institucional.

Os internamentos, n a maioria das vezes, serviram unicamente para exacerbar o processo de cronificação e distanciamento do doente em relação à família e à sociedade. Os discursos dos familiares confirmam:

Antes quando ficava só em hospital, era só internação e se limitava a isso, e agora é mais em forma de cuidado. Ele [irmão] não tá mais sofrendo. Nove anos que ele não tem internamento. Então, pra nós família era muito desgastante ver a nossa pessoa, o nosso parente preso num hospital. Que a idéia que dá é essa: fica preso e abandonado (Irmã, CAPS II Oeste, E-10).

Antes era só internado em hospital psiquiátrico. Eu mesma já assisti um dos enfermeiros de lá agredindo minha mãe, né? Antes minha mãe se internava três vezes no ano e agora vai fazer quatro anos que ela não entrou mais em crise (Filha, CAPS II Oeste, E-12).

Cada vez que ele [esposo] se internava, ele ficava pior no meio de tanta gente que era pior do que ele. Ele procurava evitar aquelas pessoas que estavam lá [hospital] com ele (Esposa, CAPS II Leste, E-24).

Esses familiares falam com propriedade ao estimarem um comparativo entre as experiências vividas pelo transtorno mental de seus parentes no hospital e nos CAPS, manifestas pelo espaço de tempo ou quantidade de internamentos experimentados.

Mais da metade dos familiares (53,5%) informou que o período de tratamento de seus parentes no CAPS era superior a dois anos, sendo 42,9% exclusivo nos serviços substitutivos (Tabela 5). Eis as falas:

Nunca internei meu filho. No dia que eu deixei ele no hospital-dia [serviço substitutivo], eu chorei muito, fiquei angustiada (Mãe, CAPS II Oeste, E-17). Ela [filha] nunca foi internada, nunca precisou, [...] mas acho que internação é um recurso assim como outro qualquer [...[. Eu prefiro que ela nunca tenha necessidade (Mãe, CAPS II Leste, E-23).

Os familiares também afirmaram uma convivência superior a 11 anos (57,0%) no acompanhamento do problema de saúde do familiar doente (Tabela 6), com variação mínima de um ano e máxima de 35 anos.

Tabela 6 - Distribuição Absoluta e Percentual dos Familiares segundo o Tempo de Acompanhamento no Tratamento do Usuário. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Tempo de Acompanhamento Familiar no Tratamento do Usuário (anos)

1 - 5 6 - 10 11 - 15 16 - 20 21 - 25 26 - 30 31 - 35 Total

n % n % n % n % n % n % n % n %

Atualmente, 42,9% dos familiares moram com os usuários numa mesma residência, estimando-se aí os ajustes e as perdas dos familiares decorrentes desse convívio, já discutidos na revisão de literatura, corroborada nos discursos a seguir:

Eu já sofri demais, viu? Ainda mais agüentar um filho drogado, num é fácil. Um filho drogado vale por trinta filho danado (Mãe, CAPSad Norte, E-2).

O que eu tenho pra dizer é que a gente mulher, esposa [...], que tenha uma pessoa usuário de qualquer tipo de droga tem que ser muito forte pra vencer essa batalha porque é doloroso! É um sofrimento atrás do outro porque um usuário não entra do amanhã nem do depois. Então, são umas pessoas que não vive, vegeta (Esposa, CAPSad Norte, E-4).

Ele [filho] deu muito trabalho mesmo. Eu não dormia de noite não. Eu tomava aquele cochilo e ia lá no quarto olhar o que ele estava fazendo. Eu tinha medo que ele fizesse alguma ‘arte’. Uma vez eu cheguei no quintal ele tinha tocado fogo num bocado de jornais [...]. Eu não dormia de noite (Mãe, CAPS II Oeste, E-18).

Aqui [CAPS] nunca deu trabalho. Ele dá trabalho em casa. Vai chegando em casa começa a loucura, loucura (Mãe, CAPS II Leste, E-28).

Quanto à profissão, oito (28,6%) familiares responderam que seus parentes não possuíam formação ou ocupação específica. E, dos 20 restantes (71,4%), cinco eram auxiliar de serviços gerais (Quadro 1).

Quadro 1 - Distribuição Absoluta dos Usuários segundo a Profissão. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Profissão n

Sem Profissão 8

Auxiliar de Serviços Gerais 5

Do Lar 2 Porteiro 2 Agente de Saúde 1 Artesão 1 Bancário 1 Comerciante 1 Garçom 1 Gari 1 Motorista 1 Músico 1 Policial 1 Segurança 1 Técnico em Mecânica 1 Total 28

No momento da entrevista, 53,6% dos usuários gozavam de benefícios de seguridade social, sendo 39,3% aposentados e 14,3% com benefício provisório de perícia trabalhista. A renda familiar dos usuários foi maior (64,3%) na faixa de um a dois salários mínimos, seguida de três a cinco salários (17,9%), sendo que 12 dos usuários eram responsáveis total ou parcialmente pelo provimento econômico domiciliar.

Tal fato remete a uma situação singular do doente perante o funcionamento familiar, pois mesmo necessitando de mecanismos de ajustes variados no seu processo saúde-doença mental, e nas relações sociais com seus familiares e comunidade, ainda é vivenciada por ele a responsabilidade no auxílio, manutenção ou provisão das despesas do lar.

A predominância feminina, anteriormente demonstrada na Tabela 1, confirma-se no grau de parentesco dos sujeitos (Quadro 2), haja vista que a maioria eram mães (11), esposas (7) e irmãs (3).

Quadro 2 - Distribuição Absoluta dos Familiares segundo o Grau de Parentesco com o Usuário do CAPS. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Parentesco n Mãe 11 Esposa 7 Irmã 3 Irmão 2 Filha 1 Esposo 1 Nora 1 Pai 1 Tia 1 Total 28

Apesar do grau de parentesco diversificado dos 28 sujeitos entrevistados, apenas três informaram que outros familiares compareciam a algumas atividades propostas pelos CAPS. Nesse caso, em momentos de confraternização, comemoração e festas.

Tal ocorrência não traz estranheza, pois durante muito tempo a família se fez ausente no tratamento e acompanhamento do portador de transtorno mental e usuário de drogas. Mesmo levando-se em consideração as estratégias atuais de co-participação familiar nos serviços de saúde mental, mediante o processo de Reforma Psiquiátrica, atingir essa inserção não se apresenta de maneira fácil, pois encerra uma diversidade de fatores imbricados capazes de alterar significativamente o manejo e o funcionamento familiar.

Na perspectiva inclusiva da família, a maioria dos familiares entrevistados (57,1%) participam das atividades há mais de dois anos (Tabela 7), num período que variou de três meses a 12 anos.

Tabela 7: Distribuição Absoluta e Percentual dos Familiares segundo a Participação de Atividades no CAPS. Centros de Atenção Psicossocial de Natal-RN, 2007.

Tempo de Participação no CAPS

3 meses -1 ano 2 - 5 anos 6 - 12 anos Total

n % n % n % n %

12 42,9 12 42,9 4 14,2 28 100

A explicação para a diferença encontrada entre as Tabelas 6 e 7, permanência de familiares no serviço X tratamento dos usuários no CAPS, está no fato de que em alguns casos os familiares são os primeiros a procurar auxílio do serviço, trazendo o seu parente portador de transtorno mental ou usuário de drogas, ou vice- versa. Como se pode ver nos discursos a seguir:

Participo do grupo de família, participei já de uma festa que teve aqui dos aniversariantes do mês, que eles [equipe] fazem assim todo mês tem um aniversariante, eles procuram fazer uma festinha , né? [...] Então assim, aos poucos eu tô participando, e pretendo participar muito mais (Esposa, CAPSad Leste, E-7). Participo das reuniões de familiares, das assembléias. Quando tem fórum, encontros que eu participei até do encontro em Brasília [...], foi muito interessante porque a gente já conhece não só a nível de estado, mas a nível de Brasil, do país todo, do que tá acontecendo. Sempre que posso, essas lutas antimanicomiais, eu sou uma. Eu sou antimanicomial! (Irmã, CAPS II Oeste, E-10).

Terminada a apresentação e discussão acerca da caracterização dos familiares e usuários, será apresentada a análise qualitativa das entrevistas. Os discursos dos familiares foram revertidos num corpus formado por 34 páginas, submetido ao ALCESTE (REINERT, 2005) no dia 22 de fevereiro de 2008, num processo que durou 40 segundos, em parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRN e a EERP/USP.

O roteiro de análise do material discursivo foi iniciado pela transcrição das entrevistas e posterior leitura flutuante. Como se tratava de um texto extenso, a flutuação foi fundamental para se ter uma idéia geral do conjunto discursivo exibido pelos familiares, sem a pretensão de ainda realizar a categorização, pois essa viria do próprio programa no formato da Classificação Geral.

A maior demanda de trabalho e de tempo desse roteiro foi a preparação das entrevistas transcritas para um arquivo único, um corpus homogêneo para submissão ao ALCESTE, tarefa que demorou quase dois meses de trabalho intensivo, revertendo-se em novas e sucessivas flutuações no texto.

Como foi referenciado na metodologia, o corpus possui uma formatação específica que precisa da homogeneidade textual para aceitação e término das etapas do programa. Nesse sentido, encerram os critérios gerais da análise de conteúdo, ou seja, a garantia da homogeneidade, pertinência e representatividade dos resultados.