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Exige-se dos profissionais, que atuam em situação de risco e desastre, a compreensão do contexto em que essa família está inserida e que saiba que atuará fazendo frente às diversas expressões da questão social.

Caracteriza-se Questão Social, segundo Teles (1996, p. 85):

a questão social é a aporia das sociedades modernas, que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação.

Questão social é esse conflito entre o capital e o trabalho, que cria desigualdades e culpabiliza o indivíduo por sua situação. Ela é materializada através das mais diversas expressões, como desemprego, alcoolismo, vitimização de crianças, e os mais diversos tipos de violência. As expressões da questão social devem ser problematizadas para criar-se possibilidade de enfrentamento. Diante desse enfoque, compreende-se a necessidade de estar revendo e recriando atuações junto às famílias, fazendo-as perceber o contexto na qual estão inseridas e reconhecer os direitos que possuem, indo em busca de suas respostas.

Estigmatizar as famílias, moldando-as em padrões e nomenclaturas, é apenas mais uma maneira de não reconhecer seu processo histórico, suas transformações, seus movimentos. Segundo Silveira, (2010) “a família deve ser pensada dentro de seu contexto sócio-econômico e vista a partir de sua realidade”. Dessa forma, o que se releva do contexto, o que se pensa dele, só pode ser a partir

da visão, da vivência com esse grupo familiar e da compreensão de seus movimentos.

Segundo Weffort (1994.p.18). “Há dois tipos de grupos: o primário, que é a família; e o secundário, que são grupos de estudo, trabalho, instituições, etc.” A família encontra-se no grupo primário e por todos terem essa experiência de ordem familiar, cai-se na armadilha da comparação, correndo o risco de o profissional analisar o grupo familiar como se estivesse olhando a sua própria família, esquecendo-se que cada grupo tem suas singularidades, suas arrumações internas, seus arranjos, suas formas de vivenciar a realidade.

Quando se trabalha a família como grupo primário, dá-se a ela a garantia do direito, das modificações de sua organização, desorganização e reorganização, e não se atua com “indivíduos problemas”: atua-se com as expressões da questão social localizadas no seio da família. E para esse enfrentamento, precisamos de políticas públicas efetivadas em saúde, saneamento básico, e políticas sociais que dêem respostas eficientes para que o grupo familiar possa viver com dignidade.

Ao longo da história, o universo sofre mudanças, a vida se modifica e se moderniza. O grupo familiar não é diferente deste contexto e por esse motivo é possível analisar sua passagem através da história.

Para o período colonial, “família é um sinônimo de família patriarcal e extensa, típica do período colonial, instituição vertical baseada no parentesco, lealdades pessoais e territorialidade” (FREYRE, 1933). Nela, o homem decidia a vida dos demais membros da família. Ele era o provedor do alimento, e sua autoridade não podia e não era contestada.

Com o tempo, as relações de poder sócio-econômicas, políticas e culturais foram se modificando. Surgem outras concepções. Entre elas as de que “Família são pessoas que vivem na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos; pessoas do mesmo sangue, ascendência, linhagens e estirpe” (FERREIRA, 1986). As modificações acontecem, mas impregna o imaginário coletivo de idealizações, e o que não se enquadra dentro desse perfil ideal é descartado e tratado como deficiente, como anormal. Quem não tem família já era digno de pena.

Segundo Da Matta (1987, p.115),

Família não é apenas uma instituição social capaz de ser individualmente, mas constitui também e individualmente um valor, há uma escolha por parte da sociedade brasileira, que valoriza a família como uma instituição fundamental à própria vida social; é um grupo social e uma rede de relações, funda-se na genealogia e nos elos jurídicos, mas também se faz na consciência social intensa e longa.

Começa-se a pensar a família não mais como individual. Ela influencia e é influenciada pelo espaço em que está inserida. Também é uma escolha formar família, ou não, não comprometendo o moral pessoal pela escolha.

Segundo Kaloustian (1988, p.39),

A família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais, necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal. É em seu espaço que são absorvidos o valor ético e humanitário, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais.

Com o tempo, a família deixa de ser entendida como estruturada, e reconhece-se a sua organização e seu processo histórico. Passa-se a ver a família como pessoas, com laços sanguíneos ou não. Com laços de afetividade e proteção, e nesses espaços são construídos e passados os processos culturais. Não se vê mais a família autônoma de seu contexto e conta-se com ela para a efetivação de políticas públicas e sociais.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) (1994), “Família é gente com quem se conta”. Essa concepção de família abrange todas as culturas e garante os direitos do grupo familiar. Entende que se um membro do grupo familiar não estiver bem, todos os demais serão afetados. Acredita-se a família em movimento, com sua riqueza de respostas em relação ao seu cotidiano e seus desafios, ora como potencializadora da capacidade de seus indivíduos, ora como esfaceladora das mesmas. “A família de cada um não está nos livros e deve ser vista em suas singularidades. O conceito genérico de família implica idealizações e reduções” (MACEDO, 1994; SZIMANSKI, 1995).

Pensar as famílias em situação de abrigamento é analisar a possibilidade dos acertos juntamente com elas. É descrever sua situação, encaminhá-las para que

tenham uma resposta efetiva. Deve-se, para isso, ter-se mapeada a rede sócio- assistencial, e esta deve estar preparada para atender a essa demanda antecipadamente. Como diz Silveira, considerar “a valorização da pessoa, do ser humano”.

Esta valorização pode se dar através do acolhimento, desde o momento de chegada ao abrigo, comprometendo-se em ajudar a resolver sua situação. Manter, dentro dos abrigos, o grupo familiar unido e motivá-lo a atuar na busca da normalidade, do respeito para com o próximo.

Durante os dias que se seguem após o desastre, vai-se vagarosamente voltando ao período de normalidade, onde algumas famílias retornam às suas residências e retomam suas vidas. Outras, não têm mais para onde retornar, pois perderam casa, documentos e ficarão em situação de abrigamento por um período maior. Para com todos, o Serviço Social tem um desafio e um dever ético segundo seus princípios fundamentais: “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras” Código de Ética do Profissional Assistente Social (1993).

As relações sexuais, dentro dos abrigos, são uma necessidade. Por esse motivo, deve se levar em conta, na montagem do abrigo, espaços para essas relações, que devem respeitar a individualidade dos casais e a incolumidade das crianças e idosos.

Criar oportunidades de renda dentro dos abrigos pode ser uma alternativa para aqueles que estão ociosos e querem realizar alguma atividade. Necessário fazer pesquisa para identificar o que poderia ser mais bem adequado àquelas condições. A rede de serviços de apoio psicossocial, cultural e jurídico deve ficar atenta às necessidades da família, a fim de promover sua autonomia e criar espaços para sua inserção na normalidade, de maneira plena.

Segundo Carvalho (2003, p. 19),

Estes serviços são extremamente necessários e incluem desde a atenção psicossocial especializada de serviços de saúde mental até os lúdicos socializantes de ampliação do universo informacional e de oportunidades de trocas culturais. Neste rol incluem-se igualmente os serviços advocatícios e de defesa dos direitos para atender as múltiplas e cotidianas demandas de justiça.

Não raras vezes, as pessoas estarão em abrigos públicos fazendo o enfrentamento de questões que envolvem o poder do Estado, do município representado por seus órgãos.

O assistente social deve ter clareza de seu projeto ético em defesa dos Direitos. “Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo”.Código de Ética do Profissional Assistente Social (1993 p. 03)

Devem-se afiar seus instrumentos teórico-metodológicos e ético-políticos para defesa e conquista da cidadania, seja em qual situação se encontrar o usuário do Serviço Social.

Sabendo que é com múltiplas competências que se faz a gestão de abrigos, os profissionais devem inserir as famílias como partícipes de todas as ações que se darão nos abrigos, conforme demonstrado no item a seguir.