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CAPÍTULO 1 PADRÃO DE ESPECIALIZAÇÃO COMERCIAL E CRESCIMENTO:

6. Abordagem neoschumpeteriana

Os modelos evolucionários neoschumpeterianos apontam que o padrão de crescimento de uma economia está relacionado com seu padrão de especialização comercial e esse caminha na mesma direção que o padrão de especialização tecnológico, na medida em que o desenvolvimento tecnológico e a mudança técnica são fundamentais para ampliação da competitividade dos países (DALUM; LAURSEN; VILUMSEN, 1996). Por isso, essa abordagem centra-se no papel do progresso técnico como principal determinante da dinâmica de desenvolvimento do capitalismo via conformação de diferentes estruturas produtivas e diferentes formas de inserção no comércio internacional25.

25 Tal como em seu precursor – Schumpeter, J. A. The Theory of Economic Development, Second Edition.

Essa literatura é caracterizada por procurar mostrar as causas das diferenças intersetoriais (diferenças de elasticidades da demanda entre países) por meio de características do paradigma e da trajetória tecnológica de cada indústria como: o grau de apropriabilidade, oportunidade e cumulatividade tecnológica. Um padrão de especialização comercial dinâmico é baseado na exportação de setores nos quais se identifique: maiores possibilidades de apropriação de lucros monopólicos advindos com a inovação, maiores oportunidades de introdução de inovações e de aproveitamento das externalidades positivas geradas pela cumulatividade do conhecimento ao longo do processo de produção (DOSI; PAVITT; SOETE, 1990).

Dessa forma, a produtividade dos setores é influenciada pelo grau de tecnologia e pela competividade tecnológica de um país. Além disso, os neoschumpeterianos ressaltam que a demanda por bens com maior teor tecnológico cresce mais rapidamente relativamente aos demais, o que revela que a especialização em atividades de alta tecnologia fornece relativamente maiores oportunidades para o crescimento de longo prazo. Portanto, considerando a restrição do BP e o desempenho relativo dos países, o nível de tecnologia empregado determina o nível de renda e afeta as possibilidades de crescimento no longo prazo (DOSI; PAVITT; SOETE, 1990).

Dentro dessa abordagem, uma importante contribuição teórica está presente no trabalho de Fagerberg (1988), o qual parte das explicações keynesianas do crescimento com restrição de divisas e valida os preceitos neoshumpeterianos, ao incorporar o papel da oferta por meio da competitividade tecnológica, para discutir porque as taxas de crescimento dos países diferem. Tomando a capacidade tecnológica como endógena ao modelo – dependente do grau de difusão da tecnologia advinda de outros países da fronteira tecnológica, do crescimento da capacidade física e da taxa de crescimento da renda mundial, Fagerberg (1988) encontra uma equação que determina o market share das exportações26 como função de fatores tecnológicos (escopo,

capacidade de imitação, inovação tecnológica), da capacidade de produção física, do crescimento dos preços relativos e da demanda externa.

O autor adota como ponto de partida no modelo, a hipótese de crescimento com equilíbrio no BP de Thirwall (1979) e, em seguida, insere a competitividade por meio de medidas de market share das exportações e das importações. Os resultados indicam que o diferencial das elasticidades renda entre os países e, consequentemente, das possibilidades de crescimento no longo prazo dependem da capacidade de inovação e de exploração dos

benefícios das novas tecnologias desenvolvidas, assim como, da capacidade de imitação, pelos países que não estão na fronteira tecnológica, por meio da difusão de tecnologia internacional. Ademais, concebe-se que tais diferenças não são facilmente superáveis, dado que a existência de direitos de propriedade, informação imperfeita, escassez de infraestrutura, dificuldades de adaptação e absorção de novos produtos por parte das empresas, dificultam a difusão da informação entre os países (FAGERBERG,1988).

Nesta mesma perspectiva, Meliciani (2002)demonstra como as diferenças entre padrões de especialização tecnológica podem condicionar diferentes padrões de especialização comercial e diferentes trajetórias de crescimento. A principal ideia é de que há uma certa rigidez e histerese na especialização tecnológica, que condicionam as elasticidades-renda das exportações e importações: se os padrões de especialização tecnológico e comercial de um determinado país são rígidos e distantes dos padrões internacionais, ele apresentará elasticidades-renda das exportações e importações desfavoráveis relativamente ao seus parceiros comerciais, impondo restrições de divisas no BP e, consequentemente, limites de crescimento econômico no longo prazo.

Dalum, Laursen e Verspagen (1996) realizam um trabalho empírico para os países da OECD no período entre 1965 e 1988, no qual regrediram um índice de valor adicionado das exportações contra variáveis tecnológicas como gastos em P&D, patentes e catch-up, variáveis de investimento e emprego e uma variável de especialização comercial. Os autores concluíram que a especialização em setores de alta tecnologia foi relevante para a assegurar maiores taxas de crescimento.

Os modelos dessa linhagem neoschumpeteriana utilizam uma série de proxys para tentar captar os conceitos de apropriabilidade, oportunidade e cumulatividade tecnológica dos setores. No entanto, dada a dificuldade de mensurar tais fatores e de estabelecer padrões à níveis setoriais, uma série de trabalhos propõem tipologias para classificar os setores de acordo com o conteúdo tecnológico27– destacam-se Pavitt (1984), OECD (1994), Fagerberg (2000) e Lall

(2000). O padrão de especialização comercial é avaliado por eles em termos de desenvolvimento tecnológico, sendo os dados de comércio agregados em grupos como: produtos primários, manufaturas baseadas em recursos, baixa tecnologia, média tecnologia e alta tecnologia.

27 Expresso de várias maneiras, seja por medidas de esforço: intensidade das atividades de P&D, número ou

proporção de pesquisadores e engenheiros destinados a processos de P&D; seja por medidas de resultado: número de patentes, inovações, etc.

Tais tipologias são importantes avanços nas análises de comércio exterior ao incorporarem setorialmente a intensidade da mudança tecnológica, as capacidades tecnológicas diferenciadas, as relações de encadeamento intra e interindustrial e o desempenho no comércio internacional. Além disso, possibilitam avaliar, por meio de indicadores de competitividade, o grau de aproximação do padrão de especialização comercial de um dado país em relação ao resto do mundo.

A partir dessas tipologias, boa parte dessa literatura passou a investigar a relação especialização comercial em setores de alta tecnologia e crescimento econômico.

Lall (2000) e CEPAL (2008) demonstram empiricamente que setores industrializados de alta tecnologia possibilitam maiores oportunidades de crescimento devido ao aumento do potencial de upgrade vertical dentro do setor e de benefícios associados à spillovers de conhecimento e à transbordamentos da tecnologia. Por outro lado, setores de baixa tecnologia tendem a crescer a taxas menores no comércio internacional e tem implicações negativas sobre o crescimento econômico de longo prazo de um país. Isso, porque, na medida em que o processo de desenvolvimento tecnológico é path dependence, o padrão de especialização corrente condiciona o futuro, aprofundando uma especialização produtiva em bens de menor conteúdo tecnológico.

Nessa mesma perspectiva, Cimoli (2005) avalia o papel de variáveis tecnológicas e da mudança da estrutura produtiva em países da América Latina, Ásia dentre outros, sobre suas taxas de crescimento. O autor conclui que a fonte principal do crescimento de longo prazo é o progresso técnico e a transformação da estrutura produtiva que este promove. Segundo ele, para compreender as diferenças de desempenho dos países é preciso analisar em que medida a mudança estrutural de cada país direciona-se para aqueles setores com maior capacidade de promover inovações, de acompanhar as tendências mais dinâmicas da demanda e de gerar empregos de maior produtividade. Dessa forma, a chave para a superação da restrição externa ao crescimento econômico está na mudança do padrão de especialização das exportações em direção a produtos manufaturados intensivos em tecnologia.

Considerações

A fim de possibilitar uma fácil comparação das abordagens teóricas apresentadas nesse capítulo elaborou-se o Quadro A no apêndice, que sintetiza o conceito de especialização comercial para cada corrente e sua relação com o crescimento econômico, bem como aponta outras variáveis consideradas relevantes por esses aparatos teóricos para o crescimento econômico dos países.

A importância acadêmica desses apontamentos e dos resultados dos modelos supracitados neste capítulo é inquestionável. São diversos os trabalhos empíricos internacionais e nacionais que utilizam tais abordagens, sejam as que priorizam variáveis de oferta quanto àquelas relacionadas à demanda, para avaliar empiricamente a competitividade internacional dos países e seus efeitos sobre o desempenho econômico e, a partir dos resultados, traçar projetos e políticas públicas com diferentes escopos. No entanto, faz-se necessário refletir sobre as limitações da aplicabilidade destas teorias em um mundo muito mais complexo e globalizado que aquele conhecido por Smith, Ricardo, Heckscher e Ohlin ou por Prebish, Kaldor e Schumpeter e seus descendentes acadêmicos.

Tais contribuições teóricas se dão, grande parte, em um contexto anterior a emergência das novas configurações de comércio exterior delineadas por um aprofundamento do processo de fragmentação internacional da produção, cujo ápice intercorreu-se somente no final dos anos 90 e início dos anos 2000, deixando, portanto, um vazio teórico na literatura econômica quando se trata de avaliar as novas formas de fluxos de comércio internacional e os novos canais de ligação com o crescimento econômico.

Além disso, boa parte da literatura econômica empírica recente tem ignorado esse fenômeno; por exemplo, em seus modelos matemáticos concebem um comércio restrito à bens e serviços finais, embora estatísticas recentes mais desagregadas de comércio estejam apontando que os fluxos estão cada vez mais compostos por bens intermediários e inacabados, a fim de serem processados em outros países. De uma outra perspectiva, assumem que os processos de produção são integrados dentro de apenas um país, apesar de cada vez mais crescerem o número de atividades produtivas segmentadas e integradas em Cadeias Globais de Valor.

Nesse sentido, o próximo capítulo mostrará a relevância conjuntural das novas configurações de comércio internacional não tratadas pelas vertentes econômicas seminais de comércio a fim de problematizar novas variáveis relevantes neste contexto para uma análise mais fidedigna dos padrões atuais de comércio e de especialização comercial dos países.