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Abordagens kaldoriana e keynesiana

CAPÍTULO 1 PADRÃO DE ESPECIALIZAÇÃO COMERCIAL E CRESCIMENTO:

5. Abordagens kaldoriana e keynesiana

Ao contrário das abordagens tradicionais, clássicas e neoclássicas, que enfatizam o lado da oferta (supply-side factors: fatores relacionados a capacidade de ofertar bens e serviços, como acumulação e produtividade do capital físico e humano) como determinantes do crescimento econômico, os modelos de tradição keynesiana – fundamentalmente a partir do multiplicador de Keynes e seus desdobramentos em Harrod (1933) – e kaldoriana enfocam as restrições relacionadas à demanda (demand-side sources). Acredita-se que, no longo prazo, são as condições de demanda que determinam o nível de produção e emprego. De forma que, a disponibilidade de fatores de produção e o ritmo de progresso tecnológico adaptam-se ao crescimento da demanda.

A linhagem de modelos derivada dessas visões considera as exportações um fator relevante na determinação no nível de renda, pois afetam de duas maneiras o produto nacional: diretamente via aumento das vendas externas e indiretamente via multiplicador da renda. Nesse contexto, distintas formas de inserção internacional estimulariam o aumento da produção em setores correlacionados e, portanto, diferentes multiplicadores na economia.

Kaldor (1966) tem contribuições importantes nesse sentido ao apresentar uma série de “leis” ou generalizações empíricas com o intuito de explicar o porquê de existirem diferentes taxas de crescimento entre os países capitalistas avançados. A primeira lei afirma que existe uma forte relação entre a produção manufatureira e o crescimento do PIB real. Já a segunda, conhecida como Kaldor-Verdoorn, revela que há uma relação positiva entre a taxa de crescimento da produtividade no setor manufatureiro e o crescimento da produção manufatureira, como resultado de rendimentos crescentes de escala. Por fim, a terceira lei diz que quanto mais rápido for o crescimento da produção do setor manufatureiro maior é a taxa de transferência de trabalhadores dos demais setores para o setor manufatureiro.

Para Kaldor, o processo de desenvolvimento das econômicas implica em uma transferência de fatores de um setor com rendimentos decrescentes de escala para os setores industriais, único caracterizado por retornos crescentes de escala e inovação tecnológica, gerando economias dinâmicas de escala. Nesse contexto, a participação do setor manufatureiro na estrutura produtiva determinaria a taxa de crescimento da produtividade e a taxa de crescimento do produto da economia como um todo.

As leis de Kaldor (1966) somados aos postulados keynesianos, que endogeneizaram os fatores de produção à demanda efetiva, deram origem as teorias do crescimento liderado pela demanda agregada (demand side sources). Tais teorias levam em consideração a existência de restrições advindas da estrutura produtiva, as quais impedem a expansão sustentável da demanda de forma compatível com o equilíbrio do Balanço de Pagamentos. Para essa abordagem, há assimetrias entre as elasticidades-renda das exportações e importações dos países, e existem diferenças nas competitividades externas, que condicionam suas taxas de crescimento econômico de longo prazo.

Uma formalização matemática dessas ideais foi desenvolvida por Dixon e Thirlwall (1975). No modelo desenvolvido por tais autores, as taxas de crescimento dependem de variáveis como: taxa de crescimento da produtividade; variação dos preços internacionais; taxa de crescimento dos salários nominais; taxa de crescimento do mark-up; elasticidade renda da demanda por exportações; elasticidade-preço da demanda por exportações; taxa de crescimento da renda mundial e do Coeficiente de Verdoon, que mede o impacto da produção na produtividade ou a elasticidade produtividade-produção.

De acordo com o modelo, esse coeficiente é afetado por retornos de escala estáticos e dinâmicos de cada atividade produtiva; ou seja, são heterogêneos entre os setores da economia. Ademais, o setor manufatureiro possui relativamente maiores retornos crescentes de escala e, portanto, maiores níveis de produtividade. Dessa forma, economias com maiores parcelas de setores industriais tenderiam a apresentar maiores coeficientes de Verdoorn e a alcançar maiores taxas de crescimento a longo prazo (DIXON E THIRLWALL, 1975).

Thirlwall (1979) também formalizou essas ideias e contribuiu para o desenvolvimento de uma série de trabalhos. Conhecido como o Modelo Keynesiano de Restrição Externa ou como modelo de crescimento restringido pelo Balanço de Pagamentos (BPC Growth Model), ele avança ao demonstrar que a níveis elevados de demanda agregada, a disponibilidade de divisas é o principal obstáculo ao crescimento. Portanto, o equilíbrio no Balanço de Pagamentos (BP) seria um limitante importante se considerado uma economia aberta: as economias só poderiam crescer no longo prazo através da expansão das exportações sem desequilíbrios no

BP. O fato é que haveria um ciclo vicioso em torno do BP: uma vez desequilibrado (dado a diferença entre as exportações e as importações) – refletindo uma restrição à demanda – a capacidade produtiva não atinge sua plena utilização, o que levaria a desincentivos à demanda e aos investimentos, reduzindo à produtividade e a competitividade; consequentemente, os produtos domésticos tornam-se menos atraentes que os estrangeiros, aprofundando ainda mais os desequilíbrios do BP.

Essas ideias estão resumidas na conhecida Lei de Thirlwall: a taxa de crescimento de equilíbrio no Balanço de Pagamentos é igual à taxa de crescimento das exportações dividida pela elasticidade-renda da demanda por importações. Em outros termos, a taxa de crescimento de um país será restringida, essencialmente, pelo tamanho de sua elasticidade-renda das importações em relação ao ritmo de expansão de sua exportação. Logo, a necessidade de divisas para fazer frente à pressão da demanda por insumos importados é o principal entrave ao crescimento21.

Embora não esteja explícito nesse modelo, entende-se que o perfil da pauta comercial e da estrutura produtiva da economia definirá a razão das elasticidades expostas na equação e, consequentemente, a taxa de crescimento da economia.

O debate em torno dessa Lei deu origem a vários tipos de desdobramentos teóricos e empíricos, como Thirlwall e Hussain (1982)22, McCombie (1997)23, Moreno-Brid (1998; 1999,

2003)24 e McCombie e Thirlwall (1994), dentre outros. Cabe ressaltar ainda a crítica

neoclássica à Lei de Thirlwall realizada por Krugman (1989), a partir da qual muitos desses trabalhos apontados basearam-se como réplicas aos argumentos neoclássicos.

Como já dito anteriormente, Krugman (1989) por meio da denominada “regra dos 45 graus” inverte o sentido da determinação entre o crescimento e a razão das elasticidades. Segundo ele, as elasticidades renda ajustam-se ao equilíbrio do BP, deixando aos fatores de oferta, especificamente a produtividade dos fatores, à capacidade de criar o nível de demanda compatível com o crescimento, e, dessa forma, determiná-lo. Sendo assim, as diferenças entre as taxas de crescimento econômico são quem determinariam as diferenças nas elasticidades- renda.

21 Embora explicitamente nesse modelo as restrições de demanda sejam as mais relevantes como fatores

determinantes do crescimento, Thirwall não ignora os fatores relacionados à oferta agregada, como aqueles que condicionam a competitividade da estrutura da economia.

22 Os autores adicionam ao modelo seminal de Thirlwall uma restrição ao BP, dada pela evolução do fluxo de

capital estrangeiro.

23 Utiliza séries temporais e um modelo empírico mais robusto e consistente para provar a Lei de Thirlwall. 24 No trabalho de 1998 e 1999, o autor buscou adequar o modelo de crescimento BPC para as economias em

desenvolvimento ou emergente. No trabalho de 2003, o autor incorpora o pagamento de juros ao exterior, a fim de adequá-lo aos países emergentes, em particular, os latino-americanos.

McCombie e Thirlwall (1994), como uma réplica à tal crítica, apontam que o modelo de Krugman (1989) é tautológico e limitado ao associar todo o sentido de determinação das elasticidades-renda às taxas de crescimento. “(…) countries’ income are largely determined by natural resources endowment and characteristics of goods produced (e.g. whether are ‘necessities’ or ‘luxuries’) which are the product of history and independent of growth” (McCOMBIE; THIRLWALL, 1994, p.389). Ou seja, existem motivos razoáveis para afirmar que há diversos outros fatores que afetam as elasticidades-renda, dando às mesmas um caráter exógeno: dotação de recursos naturais, grau de aprendizado tecnológico e um caminho marcado por path dependence.

Partindo disso, eles reforçam o sentido de determinação apontado por Thirlwall (1979) e ressaltam o fato de as economias em desenvolvimento exportarem bens com baixa elasticidade renda e importarem bens com alta elasticidade renda inviabilizar o crescimento das últimas à elevadas taxas com equilíbrio no BP no longo prazo.

É importante destacar que o objetivo principal dessa literatura e dos trabalhos que seguem a Lei de Thirlwall é demonstrar empiricamente que a restrição externa era de fato o principal limitante ao crescimento das economias. Não fica evidente o papel do padrão de especialização para além das diferenças de elasticidade-renda da demanda por exportações e importações de um país, ou seja, não há uma endogenização das especificidades setoriais ou das assimetrias das estruturas produtivas entre um determinado país e o resto do mundo.