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Organizações Internacionais e Agências de estatística: as matrizes internacionais de

CAPÍTULO 2 A FRAGMENTAÇÃO INTERNACIONAL DA PRODUÇÃO E AS

2. Revisão da Literatura sobre as Cadeias Globais de Valor (CGV): dos Estudos de Caso às

2.3 Organizações Internacionais e Agências de estatística: as matrizes internacionais de

Paralelamente aos trabalhos desenvolvidos pelos economistas descritos na seção anterior, várias organizações internacionais e agências de estatística nacionais têm procurado superar e responder ao desafio de medir o comércio levando em consideração essa nova configuração internacional, por meio da construção e avaliação de tabelas internacionais de uso e destino (SUTs) e matrizes globais de insumo-produto. Nos quadros E, F e G no apêndice são apresentadas as principais organizações internacionais e agências de estatísticas que têm desenvolvido, em conjunto com outras instituições como universidades e núcleos de pesquisa, iniciativas para a construção de novas matrizes de insumo-produto globais. As principais

71 Embora a literatura de matriz insumo-produto já tenha desenvolvido há algum tempo medidas similares de

matrizes até então existentes, suas especificidades e limitações, também estão expostas de forma sistematizada no quadro F, no apêndice.

A principal contribuição dessas matrizes é exatamente permitir a aplicação das metodologias de decomposição das exportações brutas em valor adicionado desenvolvidas pelos economistas supracitados, e dessa forma, identificar qual parte das exportações é formada por produto gerado nas indústrias domésticas e qual parte é importada de indústrias estrangeiras. Além disso, como numa lógica de contabilidade nacional, essas matrizes globais permitem identificar o destino intermediário e final das importações por setor de atividade, ou seja, permitem dizer o que é destinado para a demanda doméstica final e o que é consumo intermediário para subsequente exportação.

Todas essas organizações têm publicado recentemente uma série de relatórios sobre CGV (dentre elas, OECD/WTO/UNCTAD, 2013, OECD/WTO, 2013 e UNCTAD, 2013), nos quais, de maneira geral, objetivam: problematizar a importância crescente do fenômeno, divulgar as novas bases de dados baseadas em matrizes I-O e mapear as CGV de maneira agregada para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Elas têm enfocado a evolução das CGV por meio da noção de “comércio internacional de tarefas”, no qual cada etapa adicional de valor em uma cadeia é entendida como uma tarefa que pode ser transacionada entre ou intrafirmas, a fim de obter redução de custos e aumento de competitividade. Os resultados encontrados são em grande medida os mesmos apresentados pelos economistas na seção anterior: intensificação da fragmentação da produção nas últimas décadas com subsequente formação de CGV (OECD/WTO, 2013; BACKER; MIROUDOT, 2013; UNCTAD, 2013).

No entanto, aquilo que é diferente da literatura até então apresentada e que se faz importante ressaltar são as formas como as CGV têm sido incorporadas por esses órgãos multilaterais e as fortes conclusões em termos de proposições de políticas industriais e comerciais para os países em desenvolvimento.

Por exemplo, o programa “made in the world”, lançado em 2011 pela Organização Mundial do Comércio (OMC), defende claramente a inserção nas CGV como uma solução plausível para a retomada do crescimento no pós-crise dos países em desenvolvimento. Para tanto, esses países deveriam voltar a adotar as políticas que estavam, de alguma forma, sendo esquecidas no pós-crise, ou seja, seria necessário voltar a um esforço de liberalização comercial, redução das barreiras comerciais, barreiras tarifárias e não tarifárias (como padrões técnicos, requisitos de saúde e segurança e regulação de serviços), incluindo medidas anti-dumping, dentre outros.

A parceria da OMC com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com o Institute of Developing Economies (IDE-JETRO) em 2012 permitiu a consolidação da base de dados “Trade in Value Added”, matriz I-O global mais conhecida pelo público acadêmico, e também deixou claro que existia um consenso nessas instituições sobre a importância da abertura comercial via inserção em CGV.

O relatório da OECD/WTO (2013) aponta que a tentativa dos países em estimular a constituição de setores inteiros dentro do seu território levaria a resultados sub-ótimos em termos de desempenho econômico, relativamente aos modelos de expansão industrial via fragmentação internacional da produção, na medida em que, os custos, os períodos de produção e as barreiras à entrada em cadeias globais já existentes são menores relativamente à constituição de uma cadeia inteiramente doméstica.

O ex-diretor da WTO, Pascal Lamy (2013) ressaltou em carta aberta: “In effect, we are seeing the end of the centuries-old doctrine of ‘mercantilism’, which proclaimed that a country’s economic strength depended on it being able to export more than it imported.” Neste “novo mundo” dever-se-ia predominar as políticas em prol da abertura comercial, pelas quais o Estado atuaria apenas como um facilitador desse processo, reduzindo impostos e custos aduaneiros e investindo em infraestrutura de transporte e de serviços de telecomunicação. Ou seja, nota-se uma clara tentativa de apoiar reformas econômicas de cunho liberal e de uma retomada da agenda de liberalização multilateral nos países em desenvolvimento sob um novo molde – as CGV.

Neste sentido, não haveria a necessidade de políticas ativas de estímulo industrial doméstico ou de construção de uma base completa de todos os estágios da cadeia de produção até a montagem final dos bens destinados à exportação. As políticas nacionais protecionistas seriam fatores complicadores para a inserção nas CGV, poderiam aumentar substancialmente os custos de comércio e reduzir os benefícios, em termos de desempenho econômico, atrelados à participação nas CGV.

Em 2013, a parceira da OMC e da OCDE com a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) deu origem a um novo relatório, (OECD; WTO; UNCTAD, 2013), no qual nota-se uma maior heterogenia nos tipos de políticas recomendadas. Ainda persiste-se um viés liberalizante, mas apresenta-se também a importância de algumas políticas industriais mais verticais especialmente para os países em desenvolvimento, como: políticas de desenvolvimento industrial para atração de investimentos, capacitação da mão-de-obra e construção de competências para as firmas e, políticas de estímulos à regulação e à capacitação para adequação das empresas às mesmas.

O relatório da UNCTAD (2013) demonstra que essa organização é quem tem assumido esse caráter mais pró-ativo em termos de políticas industriais. Além disso, está mais próxima no que tange aos apontamentos da GVC approach, como o conceito de upgrading para apontar diferentes ganhos e oportunidades de desenvolvimento econômico via inserção em CGV.