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Fernandes e Landim , a partir de várias pesquisas realizadas pelo ISER, buscam conceituar o fenômeno das ONGs dentro de uma abordagen do “Terceiro Setor”, assim definido por Fernandes ( 1994, p. 20-21):

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Com efeito, mais do que uma descrição, como se fosse a fotografia de uma realidade emergente, a idéia de um terceiro setor deriva da abertura de uma alternativa lógica. Ela pode ser idealmente concebida como um a entre as quatro combinações resultantes da conjunção entre o “público ” e o “p riva d o ”:

AGENTES FINS SETOR

privados para privados mercado

públicos para públicos Estado

privados para públicos terceiro setor

públicos para privados (corrupção)

Com base nesta perspectiva teórica. Landim, desde 1988 (p. 27), a partir do levantamento de 1.208 ONGs realizada pelo ISER^ já partia do que então chamava o próprio “discurso” (critério funcional) de algumas entidades com características próprias ( critério estrutural) para formular um conceito de ONG, Assim, entre aquelas entidades que não fossem oficiais (ligados ao Estado), representativas (associações de moradores ou sindicatos, por exemplo) ou ligadas a outras instituições (igrejas, partidos, sindicatos, etc.) a autora afirma que '"ONGs são entidades que se apresentam como estando a serviço de determinados movimentos sociais, de camadas da população oprimidas ou exploradas ou excluídas, dentro de perspectivas de transformação so cia l”.

Depois de realizar um trabalho de cunho histórico (1993a) em que procura evidenciar o crescimento do chamado terceiro setor na realidade atual, (especialmente com a proliferação das associações profissionais, entidades assistenciais e as próprias ONGs), a autora retoma sua preocupação em conceituar a realidade das ONGs, (1993b), buscando sempre no próprio “discurso” das ONGs, as caracteristicas que as distinguiriam de outros atores do terceiro setor (como as associações filantrópicas, os próprios movimentos sociais, fundações, etc.). Utilizando-se da categoria “campo”, de Bourdieu, a autora afirma que (idem, p. 50), se há lugares (...) onde se encontram definições objetivadas sobre “o que é uma ONG ”, esses são os centros de documentação ou de venda de material dessas próprias entidades”. São justamente estas instâncias e os

respectivos processos constitutivos do campo das ONGs, que a autora procura elucidar em seu estudo.

Neste sentido. Landim aponta especialmente dois mecanismos enquanto consagradores da construção de identidade das ONGs: os “encontros” dos diversos atores da sociedade civil (especialmente as próprias ONGs) e os “catálogos” de ONGs. É por estas instâncias que as diferentes entidades vão demarcando seu pertencimento ou não (no caso dos encontros) ou seu reconhecimento ou não ( no caso dos catálogos) ao “campo” das ONGs.

O grande mérito do trabalho de Landim, parece residir no fato de reconhecer que o termo ONG se caracteriza por ser um categoria construída socialmente, alvo portanto de discussões e disputas. E é justamente no âmbito dos próprios agentes destas entidades, com suas características e visão de mundo, que a autora procura delinear analiticamente o significado conceituai do termo ONG.

Ao lado dos trabalhos de Landim, e também inspirado na perspectiva do terceiro setor, é preciso reconhecer também a importância dos trabalhos de Fernandes (1988, 1991 e 1994) para definir as características do “campo” das ONGs, seja no Brasil e na América Latina.

Assim, já em 1991, em colaboração com Piquet, o autor apresenta resuhados de “survey” aplicado aos dirigentes das ONGs, onde se encontram importantes resultados para a compreeensão das características das ONGs no Brasil. Em sua pesquisa, os autores procuram elucidar cinco aspectos:

a) perfil dos profissionais das ONGs: 39% possuem cursos de pós-graduação (especialmente na área de filosofia e sociologia). Estes profissionais possuem fortes

Tom ando como base várias fontes diretas (católogos) e indiretas (contatos informais), a pesquisa identificou três conjuntos de ONGs. com seus respecti\os números; 447 ONGs a ser\ iço do movimento popular (SMP); 196 ONGs " de m ulheres'' e 565 ONGs " de negros".

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vínculos religiosos (40%), mas se dedicam primordialmente às atividades das ONGs (77%). A pesquisa revela ainda que os mesmos possuem também laços no campo da esquerda (89% se identificam com o PT), onde a maioria formou suas convicções políticas.

b) características das ONGs: segundo a pesquisa, 50% das ONGs foi criada nos anos 80, sendo o sudeste (44%) e o nordeste (31%) suas regiões privilegiadas. De acordo com a pesquisa, 40% das entidades declaram ser a assessoria sua atividade principal. Suas principais instâncias de relação seriam, portanto, os movimentos sociais, seguidos dos partidos de esquerda, igreja e universidades,

c) cooperação internacional: De acordo com Fernandes e Piquet, 70% das ONGs entrevistadas haviam participado de encontros internacionais com outras ONGs ou entidades financiadoras, sendo que para 54% o financiamento internacional tinha peso decisivo em suas receitas.

d) visão política: para os autores, o discurso das ONGs não se diferenciava do campo da esquerda. A diferença estava nos objetivos que se propunham as ONGs: fortalecer os movimentos sociais (46%) e construção da sociedade civil (30%),

e) visão de futuro: perguntados em suas perspectivas para os anos 90, 75% dos dirigentes das ONGs acreditavam no crescimento de sua importância, indicando para os autores a tendência a abrir um campo próprio de atuação, regido por regras e estilos proprios,

A mesma preocupação em traçar as principais características das ONGs, é retomada por Fernandes em seu estudo sobre as ONGs latino-americanas, Fazendo uso de 32 diretórios nacionais (referidos a 24 países da América Latina e Caribe) , no qual identificou 4,327 ONGs, Fernandes (1994, p, 65-85) completa suas pequisas, com os seguintes resultados:

a) campo de atuação. Segundo o autor (idem, p. 71), "as ONGs cresceram na América Latina cumprindo, sobretudo, uma função pedagógica”. Para o autor, duas categorias obtiveram destaque: formação qualificada/assessoria (40%) e educação (36%).

b) grupos beneficiários: cerca de um terço das ONGs (32,1%) declaram ser a comunidade sua referência privilegiada, seguida das associações civis (16%) e dos trabalhadores rurais (20,3%).

Todavia, a pesquisa mais recente a respeito do “perfil” das ONGs no Brasil, foi realizada recentemente por Landim (1995), com base em 225 ONGs filiadas à ABONG (Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais) a pedido desta mesma entidade®. Os principais resultados desta pesquisa podem ser assim elencados:

a^ origens: apesar das ONGs remontarem aos anos do regime militar, 60% destas entidades foram ftmdadas a partir de 1985, especialmente sob a forma de associações civis (95%), como estipula o art. 16 de Código Civil Brasileiro.

b) campo de atuação: 40 % das entidades declaram ter um alcance nacional em suas atividades, sendo que apenas 6% disseram ter uma atuação exclusivamente local. Para Landim (idem, p XII), estes dados revelam que "de meados dos anos 80 para cá, as atividades das ONGs deixaram de ter um caráter predominantemente localizado, para buscar expansão e expressão mais ampla. ”

c) atividades: assessoria e educação popular continuam sendo as grandes atividades das ONGs. 41,2% declaram ser a primeira sua atividade principal, seguida de 14,7% para a segunda atividade. Educação para a cidadania aparece em terceiro lugar, com 14,1% .

A im portância desta pesquisa não se deve tanto à quantidade de ONGs pesquisadas (225). mas à represeiitatividade deste conjunto, na medida em que abrange as entidades mais consolidadas e consagradas do cenário das ONGs.

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d) destinatários: segundo Landim, o leque de destinatários das ONGs impressiona pela sua variedade e heterogeneidade, refletindo as transformações da década de 80. De acordo com a autora, a principal transformação é que as ONGs mudam suas atividades do campo para a cidade. Crianças e adolescentes recebem a atenção de 63,7% destas entidades, seguido dos movimentos urbanos (52,4%), associações de moradores (46,6%), além das próprias ONGs (25,8%), indicando que :

o fa lo das ONGs terem seu próprio campo como universo de ação - um quarto dentre elas atua para outras ONGS - pode revelar p estabelecimento de redes de troca (grifo nosso) e prestações de ser\úços mútuos, coaduanando-se também com todo um movimento no sentido de fortalecimento institucional e de assunção de um protagonismo próprio e

autónomo por essas entidades na sociedade.

e) recursos materiais: a mesma tendência de formação de redes, verifica-se nos laços de financiamento estabelecidos pelas ONGs em âmbito internacional: 75% dos recursos das ONGs provêm de agências internacionais de cooperação não-governamental. A pesquisa mostrou ainda certa equalização na distribuição dos recursos entre as ONGs (43,7% trabalham com cerca de US$ 100 a US$ 500 mil dólares), apesar da queda relativa dos recursos disponíveis.