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PRATICAS DE LIBERTAÇAO

3.1. AS REDES SOCIAIS DA IGREJA POPULAR

3.1.2. O C EDEP EM SUA FASE BASISTA

De acordo com o argumento central que adotamos neste capítulo, a origem do CEDEP está ligada aos trabalhos pastorais dos setores progressistas da igreja católica . Será a partir das redes sociais (individuais e organizacionais) da igreja popular que se formam e estruturam as caracteríticas iniciais da atuação política do CEDEP: a prática basista. Nas linhas que seguem, procuraremos caracterizar os principais elementos desta postura política, de modo que possamos em momento posterior, avaliar em que medida o CEDEP redimensiona estes padrões de ação.

De fato, a influência da igreja católica no processo de abertura política é bastante destacado por vários analistas , como Krischke e Mainwaring(1986), Mainwaring (1989) e Delia Cava (1988)^. Estes autores chamam a atenção para o fato de que, neste período, os ideólogos da igreja popular passam a estimular a autonomia e o desligamento das organizações políticas criadas pela igreja, tendo em vista o processo de abertura política e o avanço conservador no interior da própria igreja.

No resgate histórico que acima efetuamos, podemos notar claramente como na trilha da igreja popular se forma uma série de associações de bairro, conhecidas e nomeadas como comunidades de periferia^. Este setor vai inclusive romper com o conjunto das

T ra ta -s e das com unidades connhecidas como: Pasto do Gado. Jardim Ilha Continente. Santa Terezinha. Via E.xpressa. Vila No\ a Esperança. Areias do Campeche. Santa Rosa. Morro do Horácio. Serrinha. Reta .Armação. M ariquinha e Praia do Forte.

^ Para um estudo mais detalhado da literatura pertinente ao assunto, ver o excelente levantamento de

Khouri. Yara (coord.). Guia de pesquisa: igreja e m o\im entos sociais. São Paulo: PUC. CEDIC. 1991. (M em ória documentação e pesquisa. 1).

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associações de moradores por episódio da criação da UFECO, passando a ser coordenadas justamente pelo CAPROM e pelo CEDEP.

Assim, se forma em Florianópolis o que poderíamos chamar de uma “rede associativa católica” , incluindo entre seus organismos instâncias formais da igreja (como o ITESC - Instituto de Teologia -, a congregação religiosa Fraternidade Esperança, padres, seminaristas e religiosas “inseridas” no morros de Florianópolis), as pastorais sociais (como pastoral universitária, da juventude, comissão de justiça e paz, comissão pastoral da terra), organismos de assistência social (como a ASA), as ONGs CAPROM e CEDEP e as já conhecidas comunidades de periferia, E no seio (ou na teia) destes organismos que o CEDEP mantém suas principais relações (relação com outros atores sociais e políticos) no seu primeiro período,

É por isso, inclusive, que se torna difícil distinguir neste período qual a diferença entre as duas entidades acima, na medida em que fazem parte de uma mesma rede, por onde circulam, de modo geral, as mesmas pessoas. Todavia, enquanto o CAPROM articulava a luta pela moradia, cabia ao CEDEP a organização das comunidades já consolidadas. Assim, é justamente a “educação” das comunidades (a chamada educação popular, entendida especialmente como formação politica), bem como a “evangelização” (também popular) que serão as tarefas específicas do CEDEP,

Apesar de intimamente ligadas á igreja católica, a estruturação do CAPROM e do CEDEP enquanto “entidades jurídicas autônomas”, permite-lhes organizar suas ações sem a necessidade de prestar contas aos superiores hierárquicos da igreja católica. Portanto, com a fundação destas entidades não será mais a hierarquia da igreja católica que “organiza” as comunidades de periferia, Esta tarefa caberia então a estes “centros de assessoria”.

Estas com unidades elaboraram inclusive o cham ado "jonial das comunidades", como tentativa de dar m aior articulação às suas próprias ações.

Assim, a constituição de entidades jurídicas autônomas permite aos religiosos da igreja popular preservarem seus trabalhos da influência dos setores conservadores da igreja. Deste modo, o discurso da teologia da libertação^ ao qual estes religiosos estão ligados, constituirá a matriz que orienta o rumo de suas ações. No estatuto elaborado em 1987, o CEDEP concebe seu trabalho em relação ao “movimento popular” de forma ainda bastante religiosa, como se pode perceber no primeiro objetivo definido para a entidade naquele texto . Assim, de acordo com o documento; o CEDEP tem p or finalidades: a) promover uma evangelização libertadora que abranja: catequese, jovens, liturgia e grupos de reflexão

No primeiro estatuto elaborado pelos membros do CEDEP em 1987, podemos ver ainda como a entidade define como principal dos seus objetivos assessorar o movimento popular. Segundo o texto, é ainda objetivo do CEDEP ""contribuir com o movimento

popular na linha de apoio e form ação e ainda “ denunciar o que fe re a organização comunitária e o movimento popular em sua autonomia e combatividade Fica claro nesta postura como o CEDEP percebe a si mesmo como parte de um coletivo maior, o “movimento popular” . No episódio da criação do movimento dos sem-teto, por exemplo, apesar do papel essencial desempenhado também pela entidade, são as “comunidades organizadas” que constituem o sujeito ao qual se atribui a condução daquelas lutas. E justamente este compreensão que mediatiza a relação do CEDEP com seu público alvo.

Fundado durante a transição democrática (Nova República), no contexto da crise de legitimidade do Estado e rompendo com os novos governos eleitos (o PMDB em 1986), o CEDEP manifesta em seu primeiro período uma atitude de oposição em relação ao aparato da sociedade política (relação com o estado). Esta oposição torna-se ainda mais aguda por episódio do conflito da rede associativa da igreja popular em relação ao governo .Amim na prefeitura de Floríanópolis, quando se deu a críação do Movimento dos Sem - Teto.

Para uma análise da ' m atnz discursiva" da teologia da libertação veja-se o e.xcelente trabalho de Sader. Eder. Quando no>os personagens entraram em cena: e.xperièncias e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo (1970-1980). 2.ed. Rio de Janeiro; Paz e Terra. 1988. p. 146-166.

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Analisando o CEDEP à luz dos tipos ideais que acima propusemos, podemos notar claramente a predominância de um conjunto de práticas “basistas” na história do CEDEP. Apesar dos limites desta postura, o CEDEP trouxe ao espaço público um dos problemas sociais mais agudos da cidade de Florianópolis; o problema da moradia. Denunciando a parcialidade do projeto político vigente (a ilha da magia!), a entidade colocou para a sociedade a triplice dimensão que envolvia o problema dos sem-teto. Ele demonstrava o empobrecimento da população local (parte dos sem-teto eram da própria região), o agravamento do problema com a vinda de novos migrantes e o jogo de especulação imobiliária que se dava nos bairros de Florianópolis.

Além disso, por estar profundamente inserido nas áreas carentes da cidade e fortemente estabelecido no meio da população, devido ao contato com a religiosidade dos indivíduos; o CEDEP ajudou a consolidar e formar várias associações e lutas que, apesar dos fortes vínculos com a igreja católica e da presença marcante do discurso religioso da teologia da libertação, constitui um dos frutos mais maduros dos fúturos organismos e instituições da sociedade civil em Florianópolis.

Não obstante seus méritos, este “campo” passa por uma série de transformações nos anos que se seguem. As mudanças na realidade social e política do país , bem como seus reflexos na realidade de Florianópolis, exigem desta entidade uma renovação do seu modo de inserção política na realidade local . Os fatores que desencadeiam este processo, bem como as discussões que se travam no CEDEP a este respeito serão analisados a seguir.