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Pesquisas recentes no campo da linguística, destoando da tradição que as precede, dedicam-se a apresentar uma nova dimensão do estudo do componente lexical a partir do tratamento estruturado do léxico e de sua representação. Conforme aponta Moura (2002, p. 1): “Depois de um longo período em que o léxico foi considerado assistemático e idiossincrático, a busca por regularidades e por relações semânticas sistemáticas no campo lexical passou a caracterizar as pesquisas nessa área.”. Ainda segundo o autor, esse novo modelo de estudo configura uma tentativa de “[...] explicitar a riqueza do funcionamento do léxico e sua interação com outros componentes da gramática.” (ibidem, p. 1).

Lexical-Functional Grammar (LFG)12, apresentada por Bresnan (2001), é um dos modelos de teoria lexical que ganha destaque a partir do início da década de 1980. Kaplan e Bresnan (1982) desenvolveram esse modelo de análise dos fenômenos linguísticos que relaciona as funções gramaticais à estrutura lexical das línguas. Para a LFG, o léxico é estruturado a ponto de mapear o conjunto de mudanças nas relações gramaticais, i.e., as relações gramaticais – incluindo-se o processo de alternância verbal e, dentro dele, a formação de passivas – não são estabelecidas pelo mapeamento das diferenças sintáticas entre sentenças ou por estruturas internas, mas pela possibilidade de serem mudanças previstas na estrutura lexical subjacente que, obedecendo a determinadas restrições, autoriza as possíveis mudanças de relação (BRESNAN, 2001).

12 Outras gramáticas de cunho lexical foram desenvolvidas anteriormente; nesta apresentação,

não se objetiva fazer referência a todos esses trabalhos, mas realizar um recorte que abarque apenas os que se avalia como sendo os mais expressivos.

Nesses termos, as mudanças de relação gramatical são alternâncias lexicais e, como já se poderia esperar de um modelo de base lexicalista, estão mapeadas no léxico. O postulado por trás desse princípio (The Principle of Direct Syntactic Encoding) sustenta que todas as mudanças de relação gramatical são lexicais (ibidem, p. 77); além disso, as informações gramaticais da língua estão orientadas por dois níveis representacionais, um referente à c-structure (estrutura de constituintes, relativa à representação estrutural das sentenças) e outro referente à f-structure (estrutura funcional, relativa às funções e às relações gramaticais presentes na sentença). Tanto as operações de c- structure quanto as de f-structure estão mapeadas no léxico, onde a possibilidade de não-correspondência entre estrutura e função está igualmente prevista (BRESNAN, 2001, p. 19). Assim, a LFG propõe-se explicar o funcionamento das línguas a partir de uma gramática lexicalmente orientada, em que haja regras gramaticais simples embutidas em uma estrutura lexical complexa.

Ainda, a LFG sustenta, cf. se apresenta em Bresnan (2001, p. 30), que fenômenos morfológicos como os processos de formação de palavras são derivados a partir de relações morfolexicais – não morfossintáticas. Do mesmo modo, a formação da passiva, comumente tratada na literatura como processo sintático, é, argumenta a autora, também derivada por motivações morfolexicais e circunstanciada por mudanças de relação lexical. Nesse sentido, Bresnan e demais autores desenvolvem uma teoria lexicalista que concebe a formação e a derivação de processos linguísticos, já fartamente discutidos em pesquisas anteriores, por interação não apenas léxico-sintática, mas também léxico-morfológica, sinalizando a ampliação das relações significativas entre componentes da gramática.

Entre os demais estudos linguísticos de base lexical surgidos recentemente, destaca-se Head-driven Phrase Structure Grammar (HPSG), primeiramente elaborado por Carl Pollard e Ivan Sag e depois desenvolvido por Ivan Sag, Thomas Wasow e Emily Bender. Segundo Aragão Neto (2008), a HPSG é um modelo de gramática gerativa fortemente lexicalista, cuja arquitetura (ou estrutura) vale-se da análise linguística pautada em três dos componentes gramaticais: sintaxe, semântica e fonologia. Aragão Neto, ancorado nos pressupostos teóricos da HPSG, assume que a teoria possibilita generalizações orientadas pelo núcleo lexical à medida que propõe suas entidades como complexos de propriedades gramaticais.

Formulada com base em uma estrutura de traços, a HPSG é um modelo de gramática orientada pela superfície, do que resulta o não-

apagamento de elementos e o não-rearranjo de estruturas sintáticas por movimentos posteriores aos processos de geração. Assim, conhecida como uma teoria lexicalista baseada em restrições, a HPSG pode ser descrita: i. como uma teoria que respeita o processamento incremental da língua a partir de estruturas simples derivadas de propriedades das palavras; ii. como uma teoria que faz uso de princípios, construções, traços e tipos que interagem entre si para descrever as estruturas; iii. e, finalmente, como uma teoria lexicalista que deposita no léxico dados de cunho fonológico, sintático e semântico. Dentro desse arcabouço teórico, o componente lexical “[...] apresenta os elementos – signos lexicais – que especificam o modo como as estruturas devem ser construídas e, dessa forma, proporcionam velocidade ao processamento linguístico.” (ARAGÃO NETO, 2008, p. 23).

Outra abordagem de cunho lexical é a Teoria do Léxico Gerativo (LG), apresentada e desenvolvida por Pustejovsky (1995). O LG tem como objetivo explicar a natureza polimórfica da linguagem, a semanticalidade das expressões e os usos criativos em novos contextos. Para tanto, Pustejovsky explicita formalmente a composicionalidade da semântica dos itens lexicais, prevendo sua ocorrência e, também, aspectos refinados de seu comportamento em diferentes contextos sintáticos.

O intuito do trabalho de Pustejovsky é dar conta do uso criativo do léxico em novos contextos. Para tanto, o autor constrói um modelo de estudo destinado à composicionalidade lexical enriquecida, objetivando desenvolver uma representação formal da linguagem que capture a natureza gerativa da criatividade lexical e o fenômeno da extensão de sentido, além de oferecer um tratamento unificado para o fenômeno da polivalência, mudança de tipos e polissemia regular. Por esse olhar, o comportamento de um item lexical como porta, por exemplo, que pode significar tanto abertura quanto objeto físico (A porta é de metal ou Passei pela porta), é explicado por meio de um único formalismo que prevê as possibilidades de ocorrência deste item.

O LG opõe-se, principalmente, às teorias SEL (sense- enumeration lexicon), que, na avaliação de Pustejovsky, listam de forma descritivista as possibilidades de ocorrências dos itens lexicais e os diferentes sentidos assumidos na mudança de contexto. Para Pustejovsky (1995), as teorias SEL não dão conta de todas as ocorrências lexicais, nem mesmo servem para embasamento científico, já que não delimitam o objeto de estudo como fenomenológico, apenas listam e enumeram, em um léxico de enumeração dos sentidos, itens lexicais com base em um conjunto finito de traços distintivos.

Sob o rótulo de teoria SEL, Pustejovsky inclui trabalhos como Levin (1993), considerando que são modelos de descrição lexical atrelados unicamente à enumeração e, assim, incapazes de fornecer uma adequada descrição da semântica das expressões linguísticas. Acertadamente, Pustejovsky percebe nessas pesquisas classificações centradas na criação de classes lexicais (principalmente classes verbais, que servem aos processos de alternância). Contudo, o autor reduz o alcance teórico de tais estudos quando os limita à criação de classes e à repetição de itens a cada novo uso. As classes linguísticas identificadas por esses trabalhos são orientadas por critérios relativos ao comportamento sintático e semântico dos itens lexicais e, assim como as estruturas representacionais propostas pelo LG, evidenciam a estruturação do componente lexical, sua regularidade e a previsibilidade de suas realizações sintáticas.

Segundo Levin e Rappaport-Hovav (1995, p. 1), a existência dessas regularidades de ligação entre propriedades semânticas e sintáticas das palavras, por exemplo, na relação entre o verbo e seus argumentos “[...] sustenta a ideia de que o significado do verbo é um fator determinante para a estrutura sintática das sentenças.”13. A constatação dessas regularidades “[...] através das línguas fortemente sugere que elas são parte da arquitetura da linguagem.”14. Entretanto, a

descrição dos componentes de significado relevantes para a sintaxe ainda demanda refinamento, pois: “Os componentes de significado mais óbvios podem não ser os reais determinantes semânticos do comportamento sintático.”15 (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005, p. 15).

Finalmente, tomando-se a posição assumida por Pustejovsky (1995), em defesa da existência de mecanismos semânticos gerativos que, composicionalmente, geram os sentidos das expressões linguísticas, não se pode mais tratar o léxico de maneira breve, como se costumava fazer em pesquisas anteriores. Há, nos itens lexicais, uma estrutura semântica interna extremamente rica que permite derivações de significado em interação composicional entre palavras. Nesse sentido, é preciso vencer a visão limitada que se tinha do componente lexical e

13 Tradução livre, no original: “[...] supports the idea that verb meaning is a factor in

determining the syntatic structure of sentences.” (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 1).

14 Tradução livre, no original: “[...] across languages strongly suggest that they are part of the

architecture of language.” (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 1).

15 Tradução livre, no original: “The most obvious components of meaning may not be the

actual semantic determinants of syntactic behavior.” (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005, p. 15).

reconhecer a relevância desse conhecimento especialmente para as teorias linguísticas.