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O estudo de Ciríaco e Cançado (2007) reformulou as restrições de ocorrência propostas por Whitaker-Franchi (1989) e por Levin (1989), considerando a perspectiva de Dowty (1991) para uma teoria de papéis temáticos, a saber: o papel temático de um argumento x é o conjunto de propriedades lexicalmente acarretadas a x pelo verbo que o seleciona. Observado o comportamento de mais de 200 verbos da língua, a partir da análise de aproximadamente 520 sentenças, Ciríaco e Cançado chegaram à rede temática {D/(C)/(indireto); A} que, segundo as autoras, dá conta de restringir a classe dos verbos causativos que licenciam construção incoativa.

4.17 (a) Helena carregou o livro pra escola sem saber. (b) Helena carregou o livro pra escola de propósito. (c) *O livro carregou pra escola sem saber/de propósito. (d) Sarah quebrou o galho da araucária com o tombo que levou.

(e) Sarah quebrou o galho da araucária com uma enxada. (f) O galho da araucária quebrou com uma enxada/com o tombo da Sarah.

em que a rede temática {D/(C)/(indireto); A} é satisfeita tanto nas construções cujo verbo causativo é quebrar quanto naquelas cujo verbo causativo é carregar, mas que, ainda assim, evidenciam o bloqueio da construção incoativa a partir de verbos do tipo de carregar, conforme (4.17b), contrariam a generalização proposta pelas autoras. Os exemplos em (4.17) fazem notar que a rede temática {D/(C)/(indireto); A} está disponível tanto para verbos causativos que licenciam a formação de construções incoativas, o que os faz alternar, quanto para verbos causativos que não licenciam essas formações, o que bloqueia a alternância causativo-incoativa.

Chagas de Souza (2000), por sua vez, identifica a classe dos verbos alternantes como eventualidade de causa potencialmente externa, as quais denotam um evento que pode ser desencadeado por causa externa, mas não necessariamente o seja. À proposta explicativa desse autor também escapa o problema ilustrado pelos dados em (4.17), uma vez que os verbos quebrar e carregar, um alternante e outro não, são compatíveis com a descrição de eventualidade de causa potencialmente externa.

Ainda sobre as condições de alternância, Chagas de Souza (2000) avalia que há restrições de ordem composicional, lexical ou pragmática que podem bloquear a realização do paradigma de alternância dos verbos causativos. Esses verbos, que denotam mudança de estado ou de localização/posição, têm como default alternar nas três diáteses (transitiva, intransitiva e reflexiva), contudo, quando uma das diáteses é bloqueada, deve haver interferência de uma ou mais das restrições acima. Apesar de serem consideradas as restrições de ordem composicional, lexical ou pragmática, não se sabe como nem quais dessas restrições atuam sobre a impossibilidade de alternância representada em (4.17a-c) – aliás, nem se sabe se atuam.

No trabalho de Moraes (2008), há a distinção entre argumento de estrutura semântica e argumento de conteúdo semântico (fundamentada em Grimshaw (2005)). Segundo o que é apresentado pelo autor,

argumentos de estrutura semântica são de realização sintática obrigatória e podem alternar da posição de objeto para a de sujeito, p.ex., o que é uma característica (ou uma consequência?) da alternância causativo- incoativa. Já argumentos de conteúdo semântico podem ser realizados sintaticamente ou não e nunca ocupam posição de sujeito.

Diante dessas noções, seria possível pensar que verbos causativos que não licenciam formação incoativa sofrem essa restrição por selecionarem para posição de objeto um argumento de conteúdo semântico, o qual não poderia ser sujeito da construção correlata incoativa. Mas essa seria uma generalização falsa, uma vez que o argumento o livro, em (4.17a-b), não é facultativamente realizado na sintaxe, mas obrigatoriamente realizado, caracterizando-se como um argumento de estrutura semântica do verbo carregar; e, mesmo sendo argumento da estrutura semântica do verbo, o livro não alterna para posição de sujeito, como supostamente deveria alternar (cf. (4.17c)). Isso indica que, embora a seleção de argumentos de estrutura semântica seja uma condição necessária para que o predicador verbal participe da alternância causativa, não é condição suficiente.

Por fim, Moraes (2008) também não chega a discutir dois pontos de interesse para este trabalho: (a) quais aspectos de significado estão envolvidos no licenciamento da alternância causativo-incoativa de inergativos do inglês e quais estão envolvidos no bloqueio dessa alternância para formas equivalentes do português; (b) por quê, dentro de uma mesma língua, certos verbos primitivamente intransitivos são passíveis de alternância causativo-incoativa enquanto outros não o são.

4.3 Resumo do Capítulo

Neste capítulo, foram resenhadas três propostas de investigação da alternância causativo-incoativa dentro do português brasileiro – todos estudos que focalizaram a alternância de inacusativos. Nessas propostas, há o princípio metodológico comum de correlacionar aspectos sintáticos e semânticos da gramática dos verbos alternantes, de maneira a explicar e descrever o comportamento linguístico desses verbos. Verificou-se, contudo, que os estudos desenvolvidos ainda não são suficientes para que se possam fazer generalizações capazes de precisar, dentre os verbos causativos, qual é o conjunto dos que licenciam a alternância causativo-incoativa e qual é o conjunto dos que não a licenciam.

Como foi possível perceber, a alternância causativo-incoativa de inacusativos (processo de ergativização, cf. Whitaker-Franchi (1989)) ainda não teve seus tópicos de estudo suficientemente esclarecidos. Pela

carência de pesquisas, essa constatação é muito mais saliente em relação à alternância causativo-incoativa de inergativos (processo de causativização, cf. Whitaker-Franchi (1989)).

No capítulo seguinte, está realizada a apresentação dos estudos sobre o processo de alternância causativo-incoativa a partir de um verbo inergativo desenvolvidos na literatura linguística e a extensão dos critérios de análise desse fenômeno às ocorrências do português do Brasil. Primeiramente, será caracterizada a alternância causativa que é central na discussão desta pesquisa e, em seguida, será proposta uma distribuição escalar das ocorrências, pautada na observação das possibilidades de alternância em português brasileiro.

CAPÍTULO 5

Alternância Causativo-Incoativa de Inergativos

A menos que conheçamos a natureza da estrutura semântica, não podemos descrever de forma adequada os processos pós-semânticos que operam sobre ela, pois ignoramos a entrada para esses processos.

Chafe (1979, p. 74)

Este capítulo objetiva apresentar as discussões mais avançadas desenvolvidas sobre a alternância causativo-incoativa cujo predicador é um verbo inergativo e iniciar a análise de ocorrências dessa instância de alternância linguística no interior do português brasileiro. Para isso, são relacionadas ocorrências desse fenômeno no português do Brasil e no inglês e é retomada a descrição desse tipo de alternância em trabalhos tomados como referência – especificamente o que desenvolveu Levin (1993) –, estendendo-a aos dados do português. Ao final do capítulo, propõe-se a distribuição das ocorrências de alternância de acordo com escalas de causatividade elaboradas com base na observação das possibilidades de alternância de inergativos do inglês e do português brasileiro.