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1. INTRODUÇÃO

1.4 A TRAJETÓ RIA DA PESQUISA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.4.1 Abordagens metodológicas

Uma das grandes preocupações já suscitadas nessa pesquisa é situar as ações metodológicas dentro do espaço escolar e, principalmente, realizá-las em parceria com o corpo pedagógico, evitando um distanciamento que possa trazer para a pesquisa uma assimilação de dados distantes de uma realidade concreta. Considerando este fator e demais especificidades do projeto de pesquisa apresentado para a construção desse trabalho utilizarei como enfoque metodológico os pressupostos da pesquisa participante(PP).

Nossos posicionamentos metodológicos embasaram-se inicialmente nos escritos de Demo (2008). Para conceituar esse tipo de pesquisa o autor sugere que “segundo Hall, a PP é descrita de modo mais comum como atividade integrada que combina investigação social, trabalho educacional e ação” (DEMO, 2008, p.93).

Sobre o estabelecimento de parcerias, o autor pontua que em uma pesquisa participante “a população pesquisada é motivada a participar da pesquisa como agente ativo, produzindo conhecimento e intervindo na realidade própria. A pesquisa torna-se instrumento no sentido de possibilitar à comunidade assumir seu próprio destino” (DEMO, 2008. p. 43).

Nos seus direcionamentos metodológicos a PP ainda prevê que, do pesquisador que vem de fora, espera-se uma identificação ideológica com a comunidade pesquisada e ainda que sua proposta política esteja a serviço do que se propõe a pesquisa. À medida que a escola consiga andar com suas próprias pernas, o pesquisador deve-se colocar como pano de fundo não sendo necessário que assuma obrigatoriamente o mesmo estilo da comunidade pesquisada ou que mantenha uma identificação constante e definitiva com a mesma (DEMO, 2008).

Cabe considerar também, acerca desse tipo de pesquisa, que:

A PP não se satisfaz com devolver os resultados da pesqu isa para a comunidade, porque perderia sua marca „participante‟. Esta exige que ele faça parte do projeto comunitário, ainda que não seja „comunitário‟. Esta identificação ideológica, de sentido eminentemente prático é essencial (DEMO, 2008, p. 43).

Ainda com base nos escritos de Demo (2008), acrescentamos que ao tratar da pesquisa participante, é necessário que haja um adequado tratamento teórico e prático da realidade estudada. Para o autor a articulação entre teoria e prática torna-se essencial na medida em que:

A PP sempre reivindicou a imersão prática: as comunidades não precisam apenas de estudar seus problemas, precisam, sobretudo, de enfrentá-los e resolvê-los. Nem por isso a prática é critério de verdade [...], bem como não é assim que só o que é prático interessa, porque nada é melhor para a boa prática do que boa teoria e vice -versa (DEMO, 2008, p.17).

Definindo e entendendo as especificidades da PP e necessidade de uma articulação eficaz entre teoria e prática, nosso segundo passo foi associar a escolha metodológica às opções teóricas que viriam a conduzir nosso trabalho investigativo.

Essa etapa visou principalmente apresentar com maior clarezaapartir de quais categorias seriam analisadas o fenômeno que nos propusemos a estudar. Dessa forma, abordamos no referencial teórico os aspectos relacionados mais especificamente aos processos de formação das identidades na sociedade contemporânea, com base principalmente nos estudos de Hall (1998; 2013).

Essa articulação teórico-metodológica nos permitiu pensar a inserção das manifestações culturais afro-brasileiras no ensino, como uma estratégia para o enfrentamento das diferentes formas de preconceito e discriminação racial presentes no ambiente escolar, fundamentando tanto as relações de formação profissional docente, que se tornaram necessárias para os diferentes sujeitos e instituições envolvidas na intervenção quanto às estratégias de trabalho adotadas na etapa de intervenção pedagógica.

Conceber esta pesquisa com base nos pressupostos da pesquisa participante significa realizar um trabalho na escola e principalmente com a escola, buscando uma necessária aproximação entre os saberes práticos e os saberes acadêmicos, por meio da instituição de um trabalho de parceria.

No Brasil os debates e estudos sobre a parceria na educação são muito recentes uma vez, que entendida como uma prática social em seu sentido mais amplo, remete aos anos de 1970 e 1980, e demonstram que:

ela apresenta uma configuração complexa, com significados que emergem de situações variadas da dinâmica social. Seu conceito e características dependem essencialmente dos sujeitos, do contexto e área em que está sendo utilizada. Vale destacar que de um modo geral, ela envolve aspectos relacionados a diversos campos do conhecimento, como o histórico, o econômico, social, cultural e político (FOERSTE; LUDKE, 2003, p.164).

Essa prática de pesquisa configura-se como uma estratégia que vem sendo muito utilizada na formação docente com objetivo final de propor melhorias na qualidade do ensino. Esse trabalho se vale da ideia apresentada pelos autores para referenciar e justificar também a prática de formação continuada, entendendo que o profissional docente encontra-se em processo de formação permanente, dada as diferentes dinâmicas por ele vivenciadas no seu local de trabalho.

Além disso, Foerste e Ludke (2003) também ressaltam a necessidade da parceria na formação de professores tendo em vista as transformações econômicas e políticas dos últimos tempos e suas respectivas demandas no campo educacional.

No âmbito dessa pesquisa, acrescentamos que todas essas transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas na sociedade influenciaram significativamente nos processos de formação das identidades dos sujeitos escolares. Hoje a modernidade nos permite a identificação com diferentes culturas, no entanto, essa mesma modernidade tem nos afastado cada vez mais de nossa ancestralidade. Isso tem gerado uma negação de elementos e fatores étnicos, sociais e históricos que são próprias a cada sujeito, mas que, no entanto, não se encontram representados nas camadas mais culturalmente aceitas da sociedade moderna. Recaindo sobre os educadores o desafio de provocar discussões que acentuem a necessidade de superação dessas formas de perceber superioridade de uma cultura em relação à outra, levando o educando a fazer uma leitura crítica das influências históricas e sociais que fundamentam esse tipo de percepção.

Segundo Pimenta (1996), a profissão docente emerge de um dado contexto e momento histórico e se transforma adquirindo características novas para atender às demandas da sociedade. Ainda para a autora “é na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-las” (PIMENTA, 1996, p. 76), essa condição ressalta o caráter dinâmico da profissão docente como prática social, que também coloca em discussão a própria identidade do professor.

A identidade do professor entendida como algo que não é imutável nem tampouco adquirida, se constrói a partir da significação social de sua profissão, da revisão de seus significados sociais e de sua tradição e também da reafirmaçãode práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. “Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias” (PIMENTA, 1996, p. 76). A identidade do professor constrói-se também a partir dos significados que os próprios

professores atribuem à sua prática no seu cotidiano, a partir de seus valores, de sua forma de ver e ser no mundo, de seus anseios, dos seus saberes, do sentido que tem em sua vida o “ser professor” (PIMENTA, 1996).

Buscamos nesse trabalho uma articulação entre os saberes da prática (advindos da experiência diária do professor) e os saberes teóricos da universidade (provenientes dos estudos acadêmicos) no que diz respeitos às questões étnico-raciais. Provocamos uma abertura aos saberes que até então eram desconhecidos por ambas as partes em busca da autonomia do professor para lidar com as tensões provenientes de temáticas dessa natureza, que se tornaram inevitáveis no ambiente escolar.

Em nosso trabalho a preocupação de formação para a autonomia não se limitou ao professor da escola, mas estenderam-se todos os demais sujeitos envolvidos no processo. Ao entendermos que “a grande tacada da PP é constituir-se em estratégia da constituição de sujeitos capazes de história própria resgatando legado imorredouro de Paulo Freire” (DEMO, 2008, p.129), compreendemos que a formação para autonomia precisa ser pensada de modo a abarcar um maior número possível dos sujeitos envolvidos na dinâmica escolar, para que se configure a perspectiva de pensar para intervir juntos para um bem comum, conforme justifica e apresenta Demo (2008, p. 130),

A vantagem da PP é trabalhar com a conjunção desafiadora de conhecimento e participação, talvez a potencialidade mais decisiva do ser humano. Saber pensar e intervir juntos é o grande desafio da hora e do futuro, já que, quer queiramos ou não, o planeta é nossa morada coletiva e o bem comum precisa prevalecer (DEMO, 2008, p.130).

Recorrendo aos estudos de Freire (1996) para tratar da formação para autonomia dos educandos, devemos considerar inicialmente que dentre as formas de conhecimentos que não devem escapar ao domínio do professor, não se pode negar aqueles advindos da realidade sociocultural dos alunos. As ponderações de Freire (1996), quando dialogadas com as propostas apresentadas para investigação nesse trabalho, focando principalmente os processos de formação da identidade dos educandos, o autor aponta que os mesmos aprendem e crescem na diferença, e principalmente no respeito à mesma, tornando-os éticos. Além disso, acrescenta que:

É preciso deixar claro que a transgressão da eticidade jamais pode ser vista ou entendida como virtude, mas como ruptura com a decência. O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se

assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados (FREIRE, 1996, p.35).

Para Freire (1996) essas ideias configuram-se numa perspectiva definida por ele como “Pedagogia da Autonomia”, cujo conceito se resume no respeito à identidade e autonomia dos educandos. Ainda nessa linha de pensamento o autor acrescenta que:

Qualquer discriminação é imoral e lutar contar ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber (FREIRE, 1996, p.35).

Dessa forma, nossa investigação articula-se em prol da promoção de uma maior autonomia para a resolução de problemas advindos da experiência prática diária da docência. Conforme proposto, essa pesquisa configurou-se num trabalho realizado com e pelo professor, para Moreira e Caleffe (2008) pesquisas dessa natureza trazem melhoras para escola e ajudam no desenvolvimento profissional do professor, seus resultados não deverão apenas fornecer uma resposta simples para a solução de determinados problemas, mas podem ajudar a entender porque as coisas são de certas maneiras, tornando-os mais bem informados para agir de determinadas maneiras e não de outras.

No que confere à temática étnico-racial, tema dessa pesquisa, nosso trabalho apresenta-se como uma estratégia para o enfrentamento de tensões relacionadas principalmente às diferentes formas de racismo e preconceito que vêm permeando o ambiente escolar, trazendo subsídios que irão nortear o trabalho do professor no caminho para a superação de questões dessa natureza.