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5. JONGO: MEMÓRIA, CULTURA E HISTÓRIA LOCAL

5.1 NOTAS SOBRE O JONGO

De acordo com Junior (2013) existem duas correntes que apontam para a origem do Jongo no Brasil: uma dessas afirma que a manifestação surge do contato cultural entre os negros escravizados e seus senhores nas plantações de café e cana de açúcar, no Brasil do séc. XIX. Outra corrente defende uma origem ainda mais remota, demonstrando que essa manifestação foi trazida da África pelos negros pertencentes ao grupo Bantu, constituídos pelas etnias do Congo, Angola e Moçambique que foram forçados a vir para o Brasil, para serem escravizados nas lavouras. Ainda acerca dessa última teoria, que é uma das mais disseminadas nos estudos acadêmicos:

Esta origem africana e Bantué referendada por uma linha teórica que se formou nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, expressa, por exemplo, nas obras dos folcloristas Arthur RAMOS (1951 e 2007), Edison CARNEIRO (1982) e, mais recentemente, nos trabalhos de Nei LOPES (1989 e 2006) (JUNIOR, p.22, 2013).

De acordo com Nepomuceno et al. (s. d.) houve no Brasil logo na primeira metade do século XIX um grande fluxo de africanos para o trabalho nas lavouras de café, com maior efeito na região sudeste do país, sendo esses locais, não coincidentemente, onde se encontram hoje os

territórios do Jongo:

as comunidades remanescentes de quilombo e da grande parte dos grupos jongueiros do Sudeste, nos dias atuais, marcam e representam o que foi, no passado, o movimento de desembarque e de migração forçada dos últimos africanos escravizados que aportaram no Brasil: dos portos clandestinos do litoral para o Vale do Paraíba e suas grandes fazendas de café (NEPOMUCENO et al., s.d., p. 10).

Ainda para Nepomuceno et al. (s.d.) estima-se que no período da escravidão no Brasil tenham desembarcado aqui cerca de um milhão de africanos, desses, os que vieram para a região

sudeste eram, em sua grande maioria, de uma região conhecida como Congo-Angola, “esses africanos pertenciam a etnias variadas, podiam ser Benguelas, Congos, Cabindas, mas pertenciam a um mesmo grupo linguístico-cultural conhecido por bantu‖ (NEPOMUCENO et al., s.d., p. 15). Segundo o autor eram os negros-bantusque cantavam e dançavam o caxambu nas senzalas brasileiras, adquirindo diferentes linguagens que eram próprias de cada cativeiro em particular, mas sem perder uma referência única e comum a todos: a África dos povos

bantus(NEPOMUCENO et al.,s. d.).

Hoje, a prática integra o Patrimônio Cultural Brasileiro reconhecida pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde o ano de 2005, o que contribuiu significativamente para o respeito e valorização da prática por toda a sociedade (IPHAN, 2007).

Outra característica dessa prática é a percepção da mesma como uma forma de expressão cantada e dançada de diferenças formas, dependendo de cada comunidade onde se faz presente, na qual o Jongo “integra percussão de tambores, dança coletiva e elementos mágico- poéticos” (IPHAN, 2007, p. 11), podendo ser considerado um elemento a louvação aos antepassados, de afirmação de identidades e também de resistência cultural no interior de cada comunidade (IPHAN, 2007).

De acordo com a tradição oral a prática surgiu com os negros escravizados que utilizavam o Jongo (por meio dos pontos) como única forma de comunicação entre si nas lavouras de café e cana de açúcar, os pontos traziam enigmas que não podiam ser compreendidos pelos seus senhores. No Jongo o canto pode ser chamado de ponto ou toada, traduzidas em forma de louvações aos santos da igreja católica: ―Santo Antônio e São Benedito/ são dois santos

combinados/ Santo Antônio trabalha na frente/ São Benedito trabalha de lado” (Caxambu da

família Rosa7). Ou podem também pode relatar fatos do cotidiano, em forma de enigmas que podem ser compreendido de diferentes maneiras por quem os ouve: ―Fazenda velha não tem

vaca não tem boi/ pareceu bezerro novo/ me conta como é que foi‖(Caxambu da família

Rosa).

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O tambor, segundo o relato de Sarney8 jongueiro do caxambu da família Rosa, da cidade de Muqui – ES, era por onde os negros conversam e ainda hoje conversam, o tambor era o confessionário do negro, reproduzindo seus clamores, seus lamentos e murmúrios (informação verbal). Em alguns grupos de Jongo existem dois tipos específicos de tambores chamados candongueiro e caxambu, conforme consta:

Como instrumentos musicais, dois tambores, o menor chamado candongueiro, semelhante a uma barrica, e o maior, o tambu ou caxambu, que também dá nome ao jongo, de formato afunilado, colocado horizontalmente no solo, sobre a qual se acavala o jongueiro, para bater com as mãos no couro. Há registro ainda da presença da cuíca ou puíta e da angoia ou chocalho (ANDRADE, p.48, 2013).

O tambor é considerado a grande insígniada tradição africana, herança cultural que garante o elo entre o mundo material (que vivemos) e o mundo invisível (onde habitam nossos antepassados). Além disso, acredita-se que nas palavras proferidas durante a prática do Jongo, auxiliada pelos tambores, é capaz de invocar forças transformadoras, capazes de fazer muitas coisas acontecerem (JUNIOR, p.24, 2013). Em relação à dança:

o jongo se caracteriza comumente pela formação d e um círculo onde todos os participantes dançam em roda, girando em sentido anti-horário; ou quando esta roda fica estática com apresentações coreográficas, individuais ou em dupla, simulando movimentos da umbigada que ocorrem em seu centro(JUNIOR, p. 28, 2013). O Jongo acontece geralmente nos quintais de comunidades rurais exclusivamente no Sudeste brasileiro. “Tambu, batuque, tambor, caxambu” (IPHAN, 2007, p. 14), essa prática poderá apresentar nomenclaturas próprias em diferentes locais, essas diferenças podem ser percebidas em relação ao ritmo dos toques nos tambores (em alguns locais mais acelerados e em outros mais lentos) na organização da dança (em roda ou dispostos um frente ao outro), na sua nomenclatura (Jongo, Caxambu, tambor), na divisão das funções dentro da roda (em alguns grupos as mulheres dançam e os homens tocam os tambores, em outros, todos dançam e tocam), dentre outras possibilidades.

No entanto, percebemos que a essência da prática se manifesta em todos esses locais, todos os jongueiros são movidos por um forte sentimento de pertença e orgulho, tomando a tradição como um legado deixado por seus ancestrais, sendo sua perpetuação ao longo das gerações

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Tivemos a oportunidade de participar de uma oficina de Jongo com o Caxambu da família Rosa em evento realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo. Desse evento extraímos importantes ensinamentos acerca do Jongo, essenciais para que em nós fosse despertada uma sensibilidade necessária e que se fez presente durante toda a escrita dessa dissertação.

um meio de manter vivas as raízes históricas de um passado que jamais deverá ser esquecido. Sendo assim todos os jongueiros com as quais mantivemos contato nesse trabalho demonstraram grande responsabilidade em relação à perpetuação da prática, tomando para si o cuidado e responsabilidade de compartilhar à sua geração os conhecimentos necessários para que a prática continue nas gerações futuras.