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ABORTO – UMA TRISTE ESTATÍSTICA

No documento Epidemiologia. Prof. Margot Friedmann Zetzsche (páginas 113-117)

TÓPICO 3 – UM PAINEL DAS CONDIÇÕES CRÔNICAS E A PREVENÇÃO DE RISCOS

3.3 ABORTO – UMA TRISTE ESTATÍSTICA

A engrossar as estatísticas ligadas à mortalidade materna – e de mulheres em idade fértil e produtiva – está a sombra dos abortos ilegais e clandestinos em nosso país. Destes abortos, a maioria das vítimas é de mulheres pobres e em situação de desespero. Vejamos o que diz o periódico The Lancet, Saúde no Brasil, publicado em 2011:

A legislação brasileira proíbe a indução de abortos, exceto quando a gravidez resulta de estupro ou põe em risco a vida da mulher. [...] Porém, a ilegalidade não impede que abortos sejam realizados, o que contribui para o emprego de técnicas inseguras e restringe a confiabilidade das estatísticas sobre essa prática. Em um inquérito nacional realizado em áreas urbanas em 2010, 22% das 2.002 mulheres entrevistadas com idades entre 35–39 anos declararam já ter realizado um aborto induzido. (LANCET, 2011, p. 36).

É um triste quadro este que o aborto mostra, de desigualdade social e desigualdade de gênero. Um número elevado de abortos sinaliza educação de má qualidade, mulheres sem acesso ao exercício de uma vida sexual segura, e um sem-número de histórias de desespero e de sofrimento. Seria bom pensar nestas coisas quando a bandeira antiaborto serve a finalidades políticas e de falso moralismo. Muitas vezes, o nível dos debates políticos nas redes sociais é pautado

pelo moralismo de alguns segmentos da sociedade. Uma coisa é uma autoridade religiosa colocar a sua opinião: esta é do campo da moral pessoal, no qual estão as liberdades garantidas na Constituição.

Outra coisa muito grave e que vai contra os direitos humanos é utilizar estas opiniões para forçar os debates políticos e a legislação de todo um país. Novamente não estamos neste caderno fazendo apologia de uma ou outra posição, mas provocando a reflexão necessária para encarar estas tristes estatísticas:

Abortos inseguros são uma grande causa de morbidade; em 2008, 215.000 hospitalizações do SUS foram realizadas por complicações de abortos, das quais somente 3.230 estavam associadas a abortos legais. Assumindo que um em cada cinco abortos resultou em admissão ao hospital, esses dados sugerem que mais de um milhão de abortos induzidos foram realizados em 2008 (21 por 1.000 mulheres com idade entre 15–49 anos). No mesmo ano, houve 3 milhões de nascimentos no país, indicando que uma gravidez em cada quatro terminou em aborto. Entre todas as causas de morte materna, aquelas causadas por complicações relacionadas a abortos são as que mais possivelmente são sub-registradas. No inquérito de mortalidade na idade reprodutiva realizado em 2002, 11,4% de todas as mortes maternas foram produzidas por complicações relacionadas aos abortos. Essas mortes são distribuídas de forma desigual na população; informações confiáveis são escassas, mas mulheres jovens, negras, pobres e residentes em áreas periurbanas são as mais comumente afetadas. (LANCET, 2011, p. 36).

Mais grave ainda é pensar que, além das mulheres que morrem, há outras muitas que adoecem gravemente e têm sua vida reprodutiva, emocional e sexual tristemente marcada por esta ocorrência. Atendê-las sem julgar é missão de todas instituições de saúde, sejam estas públicas ou privadas.

UNI

“Evidências epidemiológicas sólidas sobre os efeitos físicos e sociais dos abortos ilegais podem contribuir para qualificar o debate sobre o aborto, deslocando a discussão da perspectiva puramente moral para inseri-la nos marcos dos direitos sexuais, reprodutivos e de saúde das mulheres”. (LANCET, 2011, p. 37).

O deslocamento do debate da perspectiva moral para uma abordagem técnica, científica e alinhada com as políticas internacionais de direitos humanos é o posicionamento mais recomendável para o profissional de saúde. Tratar com humanidade e respeito as vítimas de abortos ilegais não vai fazer de ninguém um ativista pró ou contra aborto.

A mesma discussão também serve para a abordagem da questão das drogas. O tratamento na perspectiva da redução de danos – quando o usuário não abandona totalmente as drogas – não significa que os profissionais concordem com o uso de crack ou cocaína. Significa que estão cuidando daquela pessoa e ajudando a preservar-lhe a vida com danos menores, mesmo que ela não se abstenha da droga.

3.4 SEGURANÇA ALIMENTAR PARA GESTANTES E LACTENTES

3.4.1 O Aleitamento Materno

Quando falamos em proteção à infância, precisamos também falar sobre a questão da segurança alimentar da gestante e do bebê. Como já mencionamos anteriormente, a alimentação está cada vez mais inadequada em todas as faixas etárias, mas nas crianças pequenas esta é uma questão de alto risco, especialmente na fase do aleitamento materno.

A OMS – Organização Mundial de Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida – e complementado com outros alimentos até dois anos de idade ou mais.

No entanto, a prática do aleitamento materno é ameaçada constantemente por desinformação dos próprios profissionais de saúde, incluindo os pediatras. A amamentação e o início da alimentação do bebê também estão ameaçados por práticas da indústria.

Diversos programas com foco no aleitamento materno fizeram com que a mediana da amamentação se multiplicasse por quatro nas duas últimas décadas. Veja que interessantes as informações do Inquérito Nutricional do Ministério da Saúde sobre a duração mediana da amamentação:

• 1974/1975 – 2,5 meses • 1990 - 5,5 meses • 1996 - 7 meses • 2006 - 14 meses

Já a prevalência da amamentação exclusiva em menores de quatro

meses saltou de 3,6% em 1986 para 48,1% em 2007 (LANCET, 2011, p. 40). Muitos

programas se uniram para conseguir este formidável avanço nas estatísticas, sendo que a autora deste caderno trabalhou em diversos deles em nível federal e regional e é membro credenciado da Rede IBFAN:

O PNIAM – PROGRAMA NACIONAL DE INCENTIVO AO ALEITAMENTO MATERNO –, lançado em 1981, não só treinou agentes de saúde, mas também estabeleceu um importante diálogo com os meios de comunicação, com pessoas responsáveis pela elaboração de políticas de saúde e com organizações da sociedade civil, tais como a IBFAN (International Baby Food Action Network) e grupos de mães. A duração da licença maternidade foi estendida de dois meses (como era desde 1943) para quatro meses em 1998 e seis meses em 2006. O Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno foi implementado com muito rigor desde 1988. O Brasil tem a maior rede mundial de Hospitais Amigos da Criança, com mais de 300 maternidades credenciadas e mais de 200 bancos de leite humano. Tais iniciativas, em conjunto, colaboraram para que a mediana da duração do aleitamento no país tenha se multiplicado por quatro nas últimas três décadas. (LANCET, 2011, p. 40).

O Código Internacional que a citação menciona proíbe, entre outras coisas, a propaganda de leites artificiais e alimentos para bebês. No entanto, a continuidade da alimentação destas crianças é coisa séria. Pense na contradição: uma mãe que amamenta exclusivamente, mantém seu filho mamando depois da introdução de outros alimentos, mas oferece para um bebê de um a dois anos salgadinhos, bolachas recheadas e refrigerantes.

3.4.2 Publicidade de alimentos para crianças – direito

da indústria ou crime contra o consumidor?

A situação acima não é incomum. Infelizmente, a propaganda de alimentos para as crianças atinge os lares e “faz a cabeça” de grandes e de pequenos. Quanto menor o nível de renda e de escolaridade, maior a susceptibilidade à propaganda.

Por isto, os profissionais que trabalham na área da proteção legal ao aleitamento materno estão dando as mãos aos profissionais do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, e os departamentos de segurança alimentar no Ministério da Saúde, além de outros, para empreender mais uma “guerra” contra a indústria.

Vejam as pesquisas alarmantes:

• O Datafolha publicou em 2010 um estudo realizado em SP em que 85% dos pais afirmam que a publicidade influencia nos pedidos de alimentos das crianças e 75% deles concordou que o fornecimento de brindes prêmio e amostras de alimentos influencia a sua escolha. Ainda assim, 73% dos pais entrevistados achavam que a publicidade de alimentos para crianças deveria ser banida (OPAS, 2012, p. 18).

• O Observatório de Políticas de Segurança Alimentar da UNB – Universidade de Brasília realizou um estudo nacional sobre a extensão e tipo de publicidade de alimentos na televisão e revistas, e dos mais de quatro mil anúncios de

alimentos monitorados por um ano, encontrou 72% de alimentos não saudáveis (OPAS, 2012, p.17).

• A OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde inicia seu manual de 2012 sobre a Promoção e Publicidade de Alimentos e Bebidas não Alcóolicas para Crianças nas Américas com a seguinte frase:

As crianças de todas as regiões das Américas estão sujeitas à publicidade invasiva e implacável de alimentos de baixo ou nenhum valor nutricional, ricos em gordura, açúcar ou sal. A constante publicidade destes alimentos pobres em nutrientes e ricos em calorias em vários meios de comunicação influencia nas preferências alimentares e padrões de consumo das crianças. Isso enfraquece a eficácia de aconselhamento de pais e professores sobre bons hábitos alimentares e coloca as crianças em risco de obesidade e doenças relacionadas por toda a vida. (OPAS, 2012, p. vii).

Detemo-nos sobre esta questão porque, nos dias em que vivemos, o risco associado à alimentação é especialmente grave, principalmente entre crianças. E ainda não temos pesquisas suficientes para associá-lo ao uso de aparelhos eletrônicos, como smartphones, que, de forma diferente dos computadores e videogames, estão na mão de crianças e adultos quase todo o tempo em que estão acordados, restringindo mais ainda a atividade física. O rápido aumento das taxas de obesidade em todas as faixas etárias já é um sinalizador desta alarmante epidemia moderna.

4 OUTRAS QUESTÕES DO PANORAMA EPIDEMIOLÓGICO

BRASILEIRO

No documento Epidemiologia. Prof. Margot Friedmann Zetzsche (páginas 113-117)