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A educação indígena, em termos de Brasil (e penso que posso assim considerá-la em termos de mundo), foi sempre um movimento nacional dentro de um projeto maior que não viabilizava a possibili- dade da pluralidade, uma vez que este tinha no seu interior – silenciosamente – a proposta de unificar as diferenças, não valorizando, portanto, a questão da diversidade. Como consequência, temos a perda da memória de muitas sociedades indígenas – no Brasil, por exemplo, por volta de 800 línguas indígenas desapareceram nestes últimos 500 anos. Assim, estamos ainda, com o movimento mencionado, no início da construção de uma sociedade mais ética.

Apesar de estarmos falando de um movimento ainda pouco percebido pelos educadores bra- sileiros, este tem sido colocado entre as preocupações nacionais de ordem político-educacional e entre novos desenvolvimentos que têm ocorrido no âmbito da educação. Na verdade, a emancipação dos povos indígenas, como povos colonizados, é uma discussão cada vez mais frequente em muitas partes do mundo. Aliada a isto, está também, em franco desenvolvimento, a discussão dessa emancipação no âmbito da educação – abrindo espaço para um sistema educacional que possa ir ao encontro das particularidades culturais de cada grupo indígena.

Um dos resultados desse movimento tem sido o desenvolvimento das instituições educacionais – a escola da e na aldeia – cada vez mais nas mãos dos próprios indígenas, sob a orientação/liderança de cada um dos povos. Nesse sentido, pronuncia-se Grupioni (2003, p. 13):

No cenário indigenista nacional, parece ser hoje um consenso a pro- posta de que escolas indígenas de qualidade só serão possíveis se a sua frente estiverem, como professores e como gestores, professores indígenas pertencentes às suas respectivas comunidades. Formar índios para serem professores e gestores das mais de 1.400 escolas, localizadas em terras indígenas, é hoje um dos principais desafios e prioridades para a consolidação de uma educação Escolar Indígena pautada pelos princípios da diferença, da especificidade, do bilinguis- mo e da interculturalidade.

Monte também tem apontado o que está sendo desenvolvido nas escolas indígenas e no contexto da formação dos professores indígenas, em termos quantitativos e qualitativos:

Há boas escolas indígenas à medida que se leva em conta alguns fa- tores que gradualmente vão avançando em relação ao passado, como fortalecimento dos mecanismos democráticos da sociedade brasileira.

Etn om ate m áti ca : fo rm aç ão d e p ro fes so re s e p rát ica p ed ag óg ica

As escolas indígenas – em torno de 2.500 no país – apresentam cada vez mais propostas de controle comunitário, ou seja, cresce o número de escolas sob a responsabilidade da comunidade, ainda que pagas pelo governo, com professores índios formados nos cursos de magis- tério existentes no Brasil. (MONTE, 1999, p. 5-11)

Podemos, então, considerar que ante este desenvolvimento – das instituições escolares indígenas na aldeia – está sendo encaminhada uma formação em serviço por parte de formadores não indígenas, ou seja, em uma articulação com a atuação do professor indígena em sala de aula, diante da qual os formado- res, em geral não indígenas, têm procurado desenvolvê-la de forma a buscar recursos educacionais mais apropriados, tanto do ponto de vista cultural quanto linguístico.

E, assim como as línguas, a matemática tem um importante papel a desempenhar neste mo- vimento culturalmente situado. Historicamente, a participação e o alcance da matemática na vida das crianças e adultos indígenas têm sido causa de grande preocupação, e também tem sido tema de muitos programas de intervenção. E o estabelecimento de programas relacionados à matemática nas escolas in- dígenas é, em geral, mais difícil do que em outras disciplinas, pelo menos por duas razões. Primeiramente, como disciplina, a matemática é hoje também reconhecida como não isenta da influência cultural – ponto de vista muito bem discutido, hoje, pelos estudos etnomatemáticos. Segundo, há uma necessidade de aprendê-la, sobretudo para o avanço da economia, porém há uma limitação de ordem prática: os profes- sores de matemática, mesmo os mais qualificados, têm pouca possibilidade de atuação ante o despreparo para uma atuação/educação intercultural e a exigência da língua.

Nesta perspectiva e como responsável por um dos núcleos/movimentos educacionais desta modalidade,1 nosso objetivo tem sido, por um lado, compreender as questões que têm sido formuladas pelos

professores e professoras indígenas, uma vez que eles/elas se tornaram responsáveis pela Educação Mate-

mática de seu povo, de modo a entender como seu desenvolvimento – como educador (matemático) – pode

ser mais bem amparado por educadores externos a sua cultura.

O trabalho ainda está, do nosso ponto de vista, em fase exploratória e busca sensibilizar e provocar conscientização no formador não indígena acerca da complexidade da tarefa de entender como o desen-

volvimento do educador (matemático) indígena pode ser mais bem amparado por educadores externos a sua

1 Desde maio de 2002, numa parceria entre a Faculdade de Educação/USP e a Secretaria de Educação de São Paulo, tenho coordenado o

Programa de Formação Magistério do Professor Indígena para Educação Infantil e Séries Iniciais (1ª à 4ª) do Ensino Fundamental, cujo propósito básico tem sido reorientar uma proposta de aprendizagem/ensino para as escolas do ensino fundamental das aldeias indígenas do estado de São Paulo, de modo que o/a professor/a indígena assuma a escola da aldeia. Fui também responsável pelas aulas do curso de matemática, como parte do currículo proposto para o Magistério Indígena. Participaram desta formação 61 professores indígenas – vindos de 21 aldeias diferentes localizadas em diferentes regiões de São Paulo – 20 deles em cada Centro Educacional CEFAM – Bauru, Guarujá e Tucuruvi/SP – onde se desenvolveram o ensino básico e o ensino especializado concomitantemente. É importante destacar que os professores indígenas, que não tinham completado o ensino fundamental, deveriam cursar o ensino básico, com duração de 6 meses; os outros iniciaram a etapa denominada específica, que deveria corresponder a um trabalho em nível de ensino médio, segundo o currículo do magistério indígena. Atualmente, coordeno o Curso de Formação Intercultural Superior do Professor Indígena para Educação Infantil e Séries Iniciais (1ª à 4ª) do Ensino Fundamental, na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – o qual teve início em junho de 2005 e deve finalizar em junho de 2008.

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