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O Código Civil espanhol teve vigência a partir de 24 de julho de 1889. Desde então, o diploma veio sofrendo inúmeras modificações textuais e principiológicas, adaptando-se aos anseios da população. A incorporação do abuso do direito à legislação espanhola não veio a ocorrer diretamente no Código Civil espanhol. A Lei de Arrendamento Urbano, de 1964, estabeleceu no artigo 9.2 que “los Jueces y Tribunales rechazarán las pretensiones que impliquen manifiesto abuso o ejercicio anormal de un derecho...”.22 Inevitável, contudo, que,

ante a especialidade da norma, era necessária a transposição do conceito de abuso do direito para outro ordenamento geral, no caso, o próprio Código Civil, que então regularia as demais relaciones jurídicas.

Foi a partir de 1974 que o Código Civil espanhol passou a contemplar expressamente o abuso do direito, conforme a redação conferida ao artigo 7.2:

La ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del mismo. Todo acto u omisión que por la intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase manifiestamente los límites normales del ejercicio de un derecho, con daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el abuso.23

Cuida-se de inovação legislativa fruto do direito comparado e da jurisprudência. Sobre os antecedentes, destacou Pedro Baptista Martins:

A Exposição de motivos do Decreto de 31.05.1974, que introduziu essa alínea ao art. 7º, destacava que para descrever sinteticamente as situações representativas do abuso do direito, foram levados em conta os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, assim como algum antecedente legislativo e de direito comparado. Assinala também, Battle Vazques, em seu Comentário al Código Civil y Compilaciones Forales, Madrid, 1978, t. I, p. 120, que ao referir-se “a abuso de direito ou exercício anti-social do mesmo” quis repelir o exercício de um direito que se desvia de sai finalidade social. (MARTINS, 2002, p. 20).

O Tribunal Supremo da Espanha, como já mencionado, antes da introdução do instituto no Código Civil já admitia a existência do abuso do direito. No julgamento do recurso n. 2037/08, da lavra do magistrado Francisco Marín Castán,foi afirmado que:

22 Tradução livre: “os juízes e tribunais rechaçarão as pretensões que impliquem manifesto abuso ou exercício anormal de um direito...” ESPANHA. Lei de Arrendamento Urbano. Disponível em: <http://www.revconsell.es/index_cat/revista_83/4_fuentes_lojo.pdf >. Acesso em: 17.08.2012.

23

Tradução livre: “A lei não ampara o abuso de direito ou o exercício antissocial do mesmo. Todo ato ou sua omissão que por intenção do seu autor, por seu objeto ou pelas circunstâncias em que ultrapassem manifestamente os limites normais do exercício de um direito, com dano para terceiro, dará lugar à correspondente indenização e à adoção das medidas judiciais ou administrativas que impeçam a persistência do abuso”. ESPANHA. Código Civil. Disponível em: <http://civil.udg.es/normacivil/estatal/cc/indexcc.htm>. Acesso em: 20.06.2012.

especialmente significativo de estas últimas es el art. 7 CC, que a partir del año 1974 dotó de reconocimiento legislativo general a lo que ya venía resolviendo la jurisprudencia en materia de ejercicio de los derechos conforme a la buena fe y prohibición del abuso del derecho. Es más, hoy puede decirse que a medida que crece el número de normas escritas mayor relevancia adquieren los principios, ya que, por un lado, se multiplican las possibilidades de antinomias y, por otro, siempre quedarán casos sin regular de una forma inequívoca.24

Segundo Enrique García García:

(...) la doctrina abuso del derecho supone, como nos señala la sentencia de la Sala 1ª del TS de 1 de febrero de 2006, la imposición de unos límites de orden moral, teleológico y social que pesan sobre el ejercicio de los derechos, de manera que deberá ser apreciado cuando, con apoyo en una actuación aparentemente correcta se está incurriendo en realidad en una extralimitación a la que la ley no concede protección alguna. Con todo, la jurisprudencia advierte, en la sentencia citada y en la de 15 de febrero de 2000, de que la aplicación de aquella doctrina debe estar presidida por un criterio restrictivo y que no debe permitirse que la invoque quién es responsable de una actuación antijurídica.25

Percebe-se que o abuso do direito, na Espanha, é considerado um direito-função, inclusive porque se encontra estrategicamente posicionado no capítulo do Código Civil que recebe a denominação de “Eficácia geral das normas jurídicas”, ao lado da boa-fé (artigo 7.1, Código Civil). Portanto, optou o legislador pela utilização de uma fórmula aberta, ao contrário da legislação brasileira e portuguesa que definiram o conteúdo mínimo do instituto.

Em matéria de direitos-função, o mau uso, em qualquer de suas formas (desvio de poder, uso anormal entre outros), se constitui em ato ilegal. Na linha do entendimento apresentado por Jean Dabin:

(...) ya se compreende que si el abuso del derecho, como noción diferente a la de ausencia de derecho, no se encuentra más que em los derechos egoístas, la noción de

24 Tradução livre: “A doutrina do abuso de direito supõe, como destaca a sentença da Sala 1ª do Tribunal Supremo de 01 de fevereiro de 2006, a imposição de limites de ordem moral, teleológico e social que pesam sobre o exercício dos direitos, de maneira que deverá ser apreciado quando, com apoio em uma atuação aparentemente correta se está incorrendo na realidade em uma extralimitação a que a lei não concede nenhuma proteção. Contudo, a jurisprudência adverte, na sentença citada e na de 15 de fevereiro de 2000, que a aplicação daquela doutrina deve estar presidida por um critério restritivo e que não deve permite-se que a invoque quem é responsável por uma atuação antijurídica”. ESPANHA. Recurso n. 2037/08. Relator

magistrado Francisco Marín Castán. Disponível em:

http://www.poderjudicial.es/stfls/SALA%20DE%20PRENSA/NOVEDADES/STS%20172_2012%20Google- Derecho%20de%20autor.pdf>. Acesso em: 20.06.2012.

25

Tradução livre: “Especialmente significativo dessas últimas é o artigo 7 do Código Civil, que a partir do ano de 1974 dotou de reconhecimento legislativo geral o que já vinha resolvendo a jurisprudência em matéria de exercício de direitos conforme a boa fé e proibição de abuso de direito. E mais, hoje pode dizer-se que à medida que cresce o número de normas escritas maior relevância adquirem os princípios, já que, por um lado, se multiplicam as possibilidades de antinomias e, por outro, sempre existirão casos sem uma regulação inequívoca”. GARCÍA, Enrique García Disponível em: <http://www.elderecho.com/mercantil/invocacion- derecho-litigios-materia-Societaria_11_184555010. Html>. Acesso em: 14 jul. 2012.

ausencia de derecho no queda absorbida por la del abuso de derecho, ni aun esta categoria de derechos. Em otros términos, incluso em la categoria subsiste la hipótesis de acto al margen del derecho, ilegal por completo, abstracción hecha de toda idea de abuso. (DABIN, 2006, p. 305)26

26 Tradução livre: “Já que se compreende que se o abuso do direito, como noção diferente da ausência de direito, não se encontra mais nos direitos egoístas, a noção de ausência de direito não fica absorvida pela do abuso de direito, nem mesmo esta categoria de direitos. Em outros termos, mesmo na categoria subsiste a hipótese de ato à margem o direito, ilegal por completo, abstração feita de qualquer ideia de abuso”.

3 ABUSO NO DIREITO BRASILEIRO: ENFOQUE ÀS LEGISLAÇÕES EXTRAVAGANTES

Mesmo que se parta da premissa de que o abuso do direito surgiu na dimensão privada das relações jurídicas, a matéria vem sendo paulatinamente tratada em outros ordenamentos jurídicos, cuja compreensão solidifica o entendimento a ser extraído do conteúdo civilista.