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Finalidade econômica da propriedade

8. A ECONOMIA NO DIREITO

9.4 Finalidade econômica da propriedade

No direito das coisas a propriedade é considerada a matriz dessa disciplina, já que sobre ela recairão os direitos reais elencados pelo art. 1225 do CC, além de se apresentar como parte necessária do sistema de produção e geração de riquezas.

Sob o aspecto histórico, inúmeras guerras tiveram como mola propulsora a disputa pela propriedade, a exemplo do que se deu com a denominada “Guerra do Paraguai”.

Esse cenário, infelizmente, vem se perpetrando ao longo dos anos, havendo notícias de que a China e o Japão, na atualidade, se encontram em disputa por ilhas localizadas próximas àqueles países, embora, até o momento, não se tenha notícia de um ataque armado.

Justamente porque se trata de um bem alvo de cobiça, a propriedade é um dos institutos que melhor encontra sistematização no ordenamento jurídico, da sua aquisição à perda, passando pela disciplina processual civil que contempla, dentre outros, os modos de reintegração e manutenção da propriedade.

Diante de tamanha importância, a propriedade vem sendo atingida por inúmeras modificações de ordem doutrinária, jurisprudencial e legal. Nas lições de Renan Lotufo, discorrendo sobre a origem remota da propriedade,

seria absurdo falar de deveres do cidadão, enquanto proprietário, para com a comunidade. A propriedade greco-romana fazia parte da esfera mais íntima da família, sob a proteção do deus doméstico. Por isso mesmo, o imóvel consagrado a um lar era estritamente delimitado, de forma que cometia grave impiedade o estranho que lhe transpusesse os limites sem o consentimento do chefe da família. (LOTUFO, 2008, p. 336).

Na vigência do Código Civil-1916 prevaleceu o espírito individual na abordagem da propriedade, tal como se viu em relação ao revogado art. 524 daquele Código, o qual previa que “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê- los do poder de quem quer injustamente os possua”.

Como já foi mencionado anteriormente, a população brasileira foi mobilizada por novas concepções sobre o uso dos direitos. Ainda que essa concepção não tenha sido sentida de maneira brusca, as décadas do século passado foram marcadas pelo espírito social que ordenou uma nova contextualização dos direitos.

Nessa linha, manteve-se a prescrição da propriedade enquanto direito subjetivo do seu titular: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (art. 1228, CC), direito, aliás, alinhado com a previsão constitucional que garante aos cidadãos e aos estrangeiros o direito à

propriedade (art. 5º, XXII, CF). Todavia, o exercício desse direito deixou de ser ilimitado e passou a guardar correspondência com os novos valores estabelecidos pela nação.

Desde a nova concepção do direito de propriedade, principalmente no que toca à sua utilização, foi possível identificar a figura do abuso de direito (art. 187, CC). Isso porque, na forma estabelecida pelo art. 1228, § 1º, do CC,

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Portanto, admitido pelo legislador que a propriedade tem uma finalidade econômica e, alinhada essa disposição com aquela prevista no art. 187 do CC, resulta que o exercício da propriedade e, em alguns casos, a inércia do seu titular quanto à sua efetiva destinação/utilização, pode render ensejo ao abuso de direito, com as sanções daí decorrentes. Segundo destacou Francisco Eduardo Loureiro,

Não resta dúvida de que se aplica ao instituto da propriedade tanto a teoria subjetiva como a objetiva prevista no art. 187, muito mais operativa, ao conceber o instituto como violação ao espírito do direito ou a seu fim social (JOSSERAND, L. De l’esprit des droit et de leur relativitè. Théorie dite de l’abs des droit. Paris, Dalloz, 1939, p.10). O ato abuso não é somente o emulativo, mas também aquele que excede os limites impostos por seus fins social e econômico (o atual Código Civil contém preceito semelhante ao do CC português que, por seu turno, mescla preceitos dos códigos suíço e russo). (LOUREIRO, 2007, p. 1049).

Sob outro foco, embora admissível que a propriedade se enquadre em um direito do cidadão, nada mais justo que a própria ordem jurídica que assim o preveja imponha comportamentos específicos na relação “homem-coisa”, e assim o faça para que a sua finalidade, especialmente a econômica, não seja abandonada pelo proprietário.

Interessante julgado, quanto à matéria, foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 302.906/SP119, o Ministro Herman Benjamim, em abordagem às limitações ao uso da propriedade, em paralelo ao abuso de direito, destacou que

No Estado Social (e não era muito diferente, pelo menos em tese, no Ancien Régime), o interesse público prevalece sobre o privado. Os direitos dos vizinhos, previstos no art. 572 do Código Civil (atual art. 1.299), e as restrições urbanísticas

119 Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em:

convencionais do loteamento, referidas no art. 26 da Lei Lehmann, não vêm garantidos em si e por si, mas somente porque viabilizam o interesse público primário e com ele se compõem. Isso quer dizer que será abuso de direito, no sentido largo da expressão, querer fazer valer limitação convencional em conflito aberto e inequívoco com o interesse público (...) Ora, não se trata de imutabilidade , mas sim de perenidade , o que, acima observamos, é exatamente uma das qualidades das restrições convencionais. Como é curial, caso o Município entenda que determinados controles negociais ofendem o interesse coletivo e a função social da propriedade ou configuram abuso de direito, pode valer-se de diversos instrumentos para corrigir a distorção: desapropriação, parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo etc. (art. 182, § 4º, da CF). Cabe-lhe ainda buscar judicialmente a retificação do registro imobiliário para exclusão da restrição convencional que entender inválida.

10 APLICAÇÃO PRÁTICA DO ABUSO DECORRENTE DA VIOLAÇÃO À FINALIDADE ECONÔMICA DO DIREITO

Identificadas as hipóteses em que claramente se observa uma finalidade econômica do direito positivado, é necessário investigar a aplicação prática do abuso decorrente da violação dessa finalidade120.

Neste raciocínio, viável a subdivisão entre os métodos preventivo e repressivo da violação à finalidade econômica do direito.