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7. O ABUSO DECORRENTE DA VIOLAÇÃO À FINALIDADE ECONÔMICA DO

7.1 A Escola Clássica

A relação entre o direito e a economia não é recente, embora essas ciências tenham se aproximado, efetivamente, a partir do século passado, dada a grande influência das Escolas Americanas.

É devido a Adam Smith, precursor da Escola Clássica, os primeiros ensaios da relação entre a economia e o direito73. O filósofo pregava, em síntese, que o enriquecimento de uma

nação dependia da liberdade concorrencial, descabendo a imposição de limites a essa concorrência por meio de qualquer regulamentação legal:

Se fosse possível, na verdade, que uma grande empresa de mercadores fosse dona de toda a colheita de um país extenso, poderia, talvez, ser de seu interesse negociar da mesma forma que dizem que os holandeses fazem com as especiarias das Ilhas Molucas, que destroem ou jogam fora uma grande parte delas no intuito de manter elevado o preço do restante. No entanto, dificilmente se consegue, mesmo agindo contra a lei, estabelecer um monopólio tão intenso com relação ao cereal; e, onde quer que a lei deixe o livre comércio, ele é entre todas as mercadorias a que está menos sujeita a ser absorvida e monopolizada pela força de alguns grandes capitais, que adquirem a maior parte de sua produção. (SMITH, 2009, p. 402).

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“Cabe observar, ainda, que esse diálogo é antigo. No século XVIII, Adam Smith e Jeremy Bentham, o primeiro ao estudar os efeitos econômicos decorrentes da formulação das normas jurídicas, o outro ao associar legislação e utilitarismo, demonstravam a importância de análise interdisciplinar ou multidisciplinar de fatos sociais. Embora haja estudos anteriores, é a partir dos anos 60 do século passado que se inicia o desenvolvimento da denominada área de Law and Economics, que vem se fortalecendo na pesquisa acadêmica” (SZTAJN, 2005, p. 74).

Foi também resultante dos estudos de Adam Smith que se idealizou a chamada “mão

invisível”, expressão na qual se identificava um mercado livre, sem intervencionismo, o que bastava à regulação da livre concorrência.

É bem verdade que a obra “An Inquiry into the nature and causes of the wealth of nations”, ou, em português, a “Riqueza das Nações”, de Adam Smith, foi redigida entre os anos de 1723 a 1790, não havendo, desde então, nenhuma outra abordagem doutrinária deste nível. Mesmo assim, questiona a doutrina atual a origem dos estudos entre a economia e o direito, na forma ponderada por Eduardo Goulart Pimenta e Henrique Avelino Rodrigues de Paula Lana:

De fato, esta obra de Adam Smith é, em muito, questionada por integrantes da Análise Econômica do Direito (AED), porém, é, sim, a base para o desenvolvimento de ideologias doutrinárias que pregam a não-intervenção do Estado, salvo as hipóteses em que se constatem falhas no mercado, as quais, por sua vez, não eram tratadas por economistas pertencentes ao século XVIII (Economic Analysis Of Law and Its Relation to Civil Law)74.

Embora importantes, na forma já acentuada, mostrava-se incipiente a relação entre a economia e o direito proposta por Adam Smith. Era certo, entretanto, que havia uma necessidade de aproximação entre o direito e a economia, mesmo conhecendo, há muito, que a economia busca a obtenção do melhor custo-benefício, com o menor dispêndio de energia, enquanto o direito é vital na regulamentação da sociedade.

Era preciso, vale ressaltar, mais que uma aproximação do ponto de vista unicamente acadêmico. Impunha-se a investigação da verdadeira importância desta aliança, tal como destacou Pérsio Arida:

O pensamento econômico encontra dentro de seu próprio movimento os conceitos que lhe permitem captar o efeito da norma sobre a vida econômica; é também capaz de entender a evolução da norma como adaptação às vicissitudes da vida econômica ou como resultante da ação de grupos de interesse; não é, no entanto, capaz isoladamente de compreender a evolução da norma quando decorrente de dinâmicas normativas ou internas ao próprio sistema jurídico. Daí o argumento de que é a pesquisa em Direito sobre a historicidade da norma que maior impacto pode ter no modo através do qual os economistas pensam a nora e seus efeitos. Tomo aqui como postulado que a pesquisa em torno da historicidade da norma, feita no âmbito dos estudos jurídicos, não viola a natureza específica da pesquisa em Direito.75

74 Análise econômica do direito e sua relação com o direito civil. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2010/docentes/ANALISE%20ECONOMICA%20DO%20DIREIT O%20E%20SUA%20RELACAO%20COM%20O%20DIREITO%20CIVIL.pdf>. Acesso em: 10.09.2012. 75 A pesquisa em direito e em economia: em torno da historicidade da norma. Disponível em:

A necessidade de estudar essa aproximação entre o direito e a economia tornou-se aguçada a partir da segunda metade do século XX, notadamente, em nível nacional, em decorrência do inegável processo de exclusão derivado da plataforma econômica adotada pelo Estado, com manifesto prejuízo ao desenvolvimento social. Nesse sentido destaca Rogério Gesta Leal76:

mas por que é na segunda metade do século XX que a relação entre Economia e Direito toma mais relevo? Pelo fato de que o processo de exclusão social e da marginalização provocado pelo modelo de crescimento econômico, dissociado do desenvolvimento social que marca este momento do capitalismo, vai gerando uma série de mazelas sociais que precisam ser de alguma forma gerenciadas – mesmo que com paliativos governamentais. 77

Também se imputa à nova feição do Poder Judiciário na composição de conflitos que ultrapassam a ordem estritamente jurídica a responsabilidade pelo redimensionamento entre a economia e o direito. Passou-se a admitir que o Judiciário tornou-se responsável pela equação de litígios envolvendo os denominados direitos coletivos, muitos dos quais relativamente criados para servir a massa populacional (LEAL, p. 46).

Passou-se a identificar, ainda, uma drástica mudança cognitiva: enquanto na primeira metade do século XX pouco se relacionava sobre a economia e o direito, à exceção daquelas questões tipicamente econômicas mas que, de algum modo, eram igualmente tratadas pelas ciências jurídicas (recolhimento de tributos, direito comercial), o término do século em questão apresenta um novo modelo de cooperação entre estas ciências. Nas palavras de Eros Roberto Grau:

76 “Nas situações-limite, contudo, em que as relações sociais assim estabilizadoras são comprometidas por uma corrosão inflacionária, geradora de incertezas, de transferências perversas de renda e de paralisia decisória, e em que o governo se vê frente ao dilema de ter de escolher entre a isonomia e a equidade, isto é, entre respeitar o princípio do liberalismo em favor da igualdade (de todos) perante a lei versus afirmar o princípio básico da justiça social em favor da “desigualdade entre desiguais”, qual dessas cadeias normativas deveria prevalecer em termos concretos, a fim de se evitar a ruptura da “matriz organizacional” da sociedade e do Estado? Este é o âmago do nosso problema: até que ponto um ordenamento jurídico concebido como sendo formal e logicamente coerente, com categorias normativas e procedimentos judiciais conceitualmente formulados com vistas à estabilização, conservação e permanência de um determinado padrão de relações sociais quanto ao estabelecimento dos limites de uma administração pública condicionada pela “disciplina”, “constância”, “confiabilidade” e “calculabilidade” de seus atos, pode realmente funcionar numa sociedade complexa, tensa e conflituosa – uma sociedade vivendo o que Pocock, em texto clássico sobre as “encruzilhadas históricas”, chama de momento maquiavélico?” (FARIA, 1993, p. 37-8).

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“Da mesma forma e no mesmo período, pode-se perceber uma ampliação de perspectiva funcional do Poder Judiciário, pelas mesmas razões supra referidas, eis que, consequentemente, os níveis de tensão e confronto de interesses se avolumam. Mas que tipo de Judiciário vai se forjar a partir deste entorno¿ Respeitadas as variáveis de um ou de outro modelo de Estado anteriormente referido, pode-se afirmar que surge um Estado- Juiz mais compromissado com a mudança estrutural das relações de força mantidas nesta sociedade, e sequer reflexão acurada sobre as formas de sê-lo diante dos impactos múltiplos (econômicos, dentre eles) que tal comportamento gera” (LEAL, p. 45).

evidente a inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestava na instituição do monopólio estatal da emissão de moeda – poder emissor –, na consagração do poder de polícia e, após, nas codificações, bem assim na ampliação do escopo dos serviços públicos, assume nitidamente o papel de agente regulador da economia. (GRAU, 2012, p. 45).

Esta evolução não foi sentida apenas pelo Brasil. Aliás, por aqui, mesmo a partir de 1950 pouco se tratava sobre o relacionamento entre as ciências econômica e jurídica, enquanto nos Estados Unidos da América, onde já estava solidificado o entendimento de que era necessário estabelecer uma compreensão entre o direito e a economia, inúmeros estudos foram sendo apresentados.

O não intervencionismo Estatal na econômica proposto por Adam Smith, como se vê, é paulatinamente abandonado, basicamente porque “a ciência jurídica começou a se ocupar em gerar mecanismos e instrumentos normativos que pudessem conter e mesmo reconfigurar os efeitos drásticos e desumanos causados por ela” (LEAL, p. 48).

O Estado é reconhecidamente um dos agentes econômicos de maior importância, senão o mais importante da cadeia econômica, bastando recordar as inúmeras empresas pertencentes aos entes públicos. Uma vez identificado esse papel institucional, passou-se a compreender que a não-intervenção do Estado na ordem econômica acarretar-lhe-ia danos próprios dos demais agentes econômicos. Assim, embora pudesse e devesse evita-lo, o Estado se viu num verdadeiro dilema entre intervir ou deixar aos mercados a sua própria regulamentação, tal como recordado por José Eduardo Faria:

Numa situação-limite, as contradições socioeconômicas, gerando demandas par as quais as instituições não têm condições de oferecer respostas rápidas e eficazes, terminam por afetar a própria estrutura organizacional do Estado. Dividido entre tarefas e exigências inconciliáveis, ele não sé se vê impossibilitado de formular políticas públicas segundo as regras formais que tradicionalmente balizam o funcionamento da administração pública, como ainda se revela incapaz de expressas a “razão histórica” da própria sociedade, uma vez que sua práxis decisória não consegue mais expressas a vontade coletiva em torno de um projeto comum. (FARIA, 1993, p. 40).

A princípio, passou-se a entender que a economia podia atuar no processo de interpretação e aplicação das normas jurídicas, como também na formulação da legislação, isto é,

tomando a economia como poderosa ferramenta para analisar normas jurídicas, em face da premissa de que as pessoas agem racionalmente, conclui-se que elas responderão melhor a incentivo externos que induzam a certos comportamentos mediante sistema de prêmios e punições. Ora, se a legislação é um desses estímulos externos, quanto mais forem as normas positivadas aderentes às instituições sociais, mais eficiente será o sistema. (SZTAJN, 2005, p. 75)

O artigo 187 do Código Civil de 2002 é exemplo claro da adoção do segundo posicionamento, isto é, da incorporação da atividade econômica como ferramenta de concepção de normas jurídicas, ainda que nesta apuração não se dispense a interpretação relacionada ao pensamento econômico.

Reconhecida, assim, a necessidade de estabelecer um diálogo entre a economia e o direito, é certo que esta tarefa veio a ser equacionada pela denominada “Análise Econômica do Direito” (AED).