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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Setembro de

III. ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ABUSO DE CONFIANÇA

2. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Setembro de

O acórdão, de 28 de Setembro de 2011 resultou de um recurso apresentado pelos arguidos: “B”51 sócio gerente da empresa “WWW, Lda.”.

O MP tinha acusado os arguidos da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, tendo decidido pela condenação de “B” numa pena de 160 dias de multa, à taxa diária de sete euros, perfazendo o montante de mil cento e vinte euros e pela condenação de “WWW, Lda.” a uma pena de 300 dias de multa à taxa de sete euros perfazendo a quantia de dois mil e cem euros. Inconformados com a decisão inicialmente proferida, vindo desta forma defender a «revogação da sentença recorrida com a consequente absolvição, ou caso assim não seja entendido, com a redução das penas aplicadas.».

1.2 Explanação do Acórdão e decisão

O presente acórdão resulta de um pedido de recurso da decisão já proferida na sequência da acusação pelo MP do crime de abuso de confiança fiscal, nos termos do artigo 105º do RGIT, por o arguido “WWW, Lda.”, sujeito passivo de imposto sobre o valor

86 acrescentado, e como tal enquadrado no regime geral de tributação em IVA, pese embora tenha entregue as declarações periódicas de IVA nos prazos legais, não as fez acompanhar dos respetivos meios de pagamento. O IVA não entregue refere-se aos períodos de outubro de 2008, no montante de €15.066,77 e ao período de novembro de 2008, a quantia de €7.446,50, perfazendo o total de €22.513,27€.

Desta forma, ambos os arguidos foram acusados da prática em coautoria material, sob a forma consumada e continuada, da prática de um crime de abuso de confiança fiscal. Uma vez que o valor em dívida referente ao mês de novembro de 2008, não atinge os €7.500, a que se refere o nº 1 do artigo 105º do RGIT, não foi considerado nem no primeiro julgamento nem no recurso que estamos a expor neste ponto, por não ser punível criminalmente estando apenas sob a alçada da contraordenação, artigo 114º do RGIT.

A decisão tomada pelos juízes do tribunal da relação de Coimbra foi a de «julgar parcialmente procedente o recurso», tendo sido reduzidas as penas. Assim, “WWW, Lda.” passou a ter uma pena de 150 dias de multa, mantendo-se a taxa diária de sete euros, perfazendo a quantia total de mil e cinquenta euros e para “B” a pena foi atenuada para 80 dias de multa também à taxa diária de sete euros, perfazendo o montante global de quinhentos e sessenta euros.

2.2 Principais Finalidades do Acórdão

Como já referimos este acórdão visa a apresentação de recurso por parte dos arguidos por não concordarem com a primeira decisão tomada. Para apresentação de recurso os arguidos colocaram as seguintes questões:

1) Saber se a notificação feita nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, foi regularmente efectuada;

2) Saber se deve haver alteração da matéria de facto, no que diz respeito à alínea F);

3) Saber se as penas devem ser reduzidas a metade dos valores fixados.

Na análise deste acórdão apenas iremos abordar as questões: um e três, por serem as relacionadas diretamente com o assunto que estamos a tratar.

87 No que diz respeito à questão um a arguida “WWW, Lda.” conclui que foi declarada insolvente. O processo deu entrada em 18/04/2009, e a sentença de insolvência foi decretada em 01/06/2009 (transitado em julgado em 13/07/2009). Uma vez que a notificação a que se refere o artigo 105º, nº4, alínea b) do RGIT, foi dirigida aos seus gerentes em 26/11/2009, consideram que a notificação não é considerada válida uma vez que não foi feita na «pessoa que representava validamente a insolvente». Ainda sobre esta questão referem a seu favor que a arguida “WWW, Lda.” não foi regularmente notificada, nos termos da alínea b), do nº 4 do artigo 105º do RGIT. Concluindo que «não se encontra preenchida a condição objectiva de punibilidade a que se refere o artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT.».

Desta forma os arguidos consideram que foram violadas várias disposições legais pedindo assim a redução das penas aplicadas, para pelo menos metade dos respetivos valores, «permitindo sancionar convenientemente as suas condutas, bem como acautelar a defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade.».

O MP apresentou resposta, «defendendo a improcedência do recurso» e apresentando as seguintes conclusões: sobre a questão um o MP considera que a notificação deve

[s]er dirigida a quem, devido à sua qualidade de sócio-gerente efectivo, originou o substrato fáctico criminalmente relevante, tal como a sociedade em si mesma entidades que serão chamadas a, eventualmente, responder criminalmente impondo-se-lhe diligenciar pela não verificação da condição objectiva de punibilidade constante do aludido preceito legal.

Em suma, sobre a questão da notificação, o MP considera que a mesma não deve ser feita à «massa insolvente» nem ao «Administrador de Insolvência» por se tratar de «entidades constituídas posteriormente à verificação da situação eventualmente com relevância criminal», tendo, a notificação, sido regularmente efetuada nos termos da alínea b), do nº 4 do artigo 105º do RGIT aos seus sócios gerentes, verificando-se a condição objetiva de punibilidade referida no artigo mencionado uma vez não cumprido o estipulado na notificação os arguidos foram adequadamente condenados.

Assim o MP considera que a sentença recorrida deve ser mantida, pois as «penas aplicadas aos arguidos não excedem a culpa do arguido – pessoal individual nem a medida de responsabilização admissível da arguida sociedade», sendo as mesmas justas e adequadas.

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3.2 Conclusões e Análise do Acórdão

Analisadas as conclusões de ambas as partes resta-nos explanar as conclusões do tribunal para chegar ao veredicto já aludido no ponto 1.2.

Neste acórdão o tribunal considerou provada a dificuldade financeira pela qual “WWW, Lda.” tem atravessado desde 2008, decorrentes de créditos incobráveis e diminuição do seu volume de negócios, tendo utilizado os montantes de IVA em dívida ao estado para pagamento a fornecedores e vencimentos dos 13 trabalhadores da sociedade.

Como forma de enquadramento das questões a tratar, o tribunal, citando Lumbrales (2003:96) menciona que se constata que a «incriminação do abuso de confiança fiscal reconduz-se, no essencial, à tutela do erário público e do interesse do estado na integral obtenção das receitas tributárias», considerando o imposto em causa no caso em apreço – o IVA – «o imposto que visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços», ficando o sujeito como fiel depositário desses valores pelo que se constitui único credor tributário cuja obrigação se cinge à sua entrega nos prazos legais.

Assim, quanto ao arguido “B”, mostram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo no que se refere à conduta do imposto não entregue no período de outubro de 2008, tendo-se também demonstrado no julgamento, que o arguido agiu consciente do incumprimento, ficando também preenchidos os elementos subjetivos do tipo.

Tendo o incumprimento continuado para além dos 90 dias a que alude o artigo 105º, nº 4 alínea a) do RGIT, acresce que foi também cumprido o mencionado do mesmo artigo e número, alínea b) - a notificação, preenchendo-se assim a condição de punibilidade e objetiva de punibilidade, respetivamente. Deste modo o arguido é merecedor de um «juízo de censura» e como tal foi considerado culpado, sendo-lhe contudo reduzida a pena conforme já referido anteriormente.

Quanto a arguida “WWW, Lda.”, muito embora se trate de uma sociedade, determina o artigo 7º, nº 1 do RGIT que

as pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo

89 ou seja, uma vez que as sociedades atuam juridicamente através dos seus representantes, se estes cometem uma infração em nome e no interesse da sociedade a sanção reflete-se na pessoa coletiva em causa.

Foram assim, também verificados os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de um crime de abuso de confiança fiscal contra a sociedade arguida, não existindo causa de desculpa foi esta também condenada a pagamento de multa sendo no entanto reduzida em relação ao primeiro veredito tal como já se expôs.

No acórdão em análise houve uma alusão à tentativa de justificação da sua conduta - não pagamento do IVA - por ter a obrigatoriedade de pagar vencimentos e a fornecedores, para continuar a laborar, estamos aqui perante um conflito de deveres. Sobre este assunto o tribunal foi peremptório, afirmando que a

[o]brigação do pagamento dos salários só se põe enquanto se mantiver a obrigação da manutenção dos postos de trabalho e a obrigação da manutenção da empresa em funcionamento só se mantém enquanto esta tiver viabilidade económica. Face à situação deficitária da empresa, os arguidos tinham sempre a possibilidade legal de requerer a sua extinção (v.g. apresentando-se à insolvência), bem como a extinção dos contratos de trabalho do pessoal ao serviço da empresa, dessa forma se desobrigando do pagamento dos salários

Colocando assim de lado esta causa de justificação, pois considera que os valores em dívida ao estado, em hierarquia se encontram num nível superior, para além destas quantias constituírem um dever legal, está subjacente um dever do estado, cujo objetivo se centra no pagamento de prestações de assistência médica, subsídio desemprego, reformas, entre outros.

No RGIT, mais concretamente no artigo 105º encontra-se patente a opção pela pena de prisão, no caso do arguido “B” seria até três anos, no entanto, o tribunal desconsiderou esta opção porque uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, se encontra social e profissionalmente inserido e o valor em causa não justifica esta punição, sendo suficiente e mais adequada a pena de multa, fundamentando esta opção recordando que

[o] não pagamento de impostos continua a ser visto no nosso país (embora cada vez menos) como uma “infracção menor”, sendo até, por vezes, socialmente bem considerados os que utilizam “estratagemas” de fuga aos impostos. Só quando se

90 chega, por vezes, ao momento em que a execução de uma pena de prisão fica suspensa com a condição do pagamento das quantias em dívida, é que se toma a verdadeira consciência da gravidade dos factos praticados. O certo é, porém, que há que distinguir os diferentes casos e adequar o tipo de pena a cada um deles.

Também foi lembrado pelo tribunal que numa altura como esta que atravessamos, em que muitas empresas encerram a sua atividade, é de vangloriar, o facto de a arguida ter iniciado um processo de insolvência que contempla o pagamento de todas as dívidas e cuja sua cessação não foi considerada, pelo que esta atitude só pode significar que o arguido “B”, responsável pela “WWW, Lda.” «interiorizou o desvalor da sua conduta».

3. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Março