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ACADEMIAS, HISTÓRIA, LÍNGUA: CORRELAÇÕES

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 60-64)

1 TRAJETÓRIAS DAS ACADEMIAS E A REAL ACADEMIA ESPANHOLA DE LÍNGUA

1.3 ACADEMIAS, HISTÓRIA, LÍNGUA: CORRELAÇÕES

O percurso que cumprem as Academias se relaciona de forma estreita com as propostas contidas nos movimentos intelectuais que estabelecem modificações nas sociedades. As mudanças provocadas pelos conceitos iluministas e racionalistas que trouxeram avanços significativos ao campo científico levam, em um período pós Renascentista, a uma procura por organização e razão. Estados influenciados por essas proposições de trazer uma nova ordem após um período

60 obscurantista, adotam os preceitos dos movimentos que propunham a busca pelo conhecimento e os materializam sob a forma de Academias que deveriam compilar saberes e promover o esclarecimento. São necessários os instrumentos linguísticos de gramatização, dicionário e gramática, para cumprir tais papéis e as Academias são as instituições, por constituição, destinadas a esses fins.

Em especial, interessa neste trabalho a trajetória da Real Academia Espanhola de Língua porque constrói um significativo status de organismo prestigiado e regulador, com poderes decisórios estabelecidos e reconhecidos nas questões de língua. Em sua relação histórica com o Estado espanhol , a instituição é avalizada e subvencionada por ele e se encarrega de pôr em prática as políticas linguísticas inerentes ao Estado. Através de suas produções, normatiza e regula o que se admite em torno a questões linguísticas, em última forma. Nesse sentido, os dicionários e outras produções assumem um papel de destaque na comunidade hispano-falante porque estão associados à norma e à regra.

Desse modo, é crucial recuperar a trajetória de fundação das Academias para legitimar a criação da Real Academia Espanhola, assim como estabelecer seu papel junto à língua espanhola e às outras Academias de Língua, mantidas nos países hispânicos, em suas funções junto à Academia peninsular. Questões ideológicas atravessam essas relações e configuram o que conforma a língua espanhola, que está estreitamente ligada, como no imaginário de qualquer falante, ao conjunto do léxico que é repertoriado nos dicionários gerais. Assim, é preciso refletir e apresentar o papel que a instituição normativa do espanhol, a RAE, tem em relação à elaboração desses dicionários que contêm a língua.

61 2 O MÉTODO DE TRABALHO: MOTIVAÇÕES E MANEJO DOS PRÓLOGOS

El amor à las letras, y la cultúra y pulidéz del trato humano ha reducido ca i todas las Ciéncias, ò Artes à Diccionarios, intentando que por ellos e aprendan y epan (DA, Prólogo, 1726).

Neste capítulo, descrevem-se os procedimentos empregados para recolher os vinte e quatro prólogos (ou prefácios)27 dos dicionários elaborados pela Real Academia Espanhola (RAE), de 1726 a 2001, utilizados como objeto de estudo deste trabalho. A partir disso, justifica-se a trajetória metodológica que foi percorrida para delimitar o corpus principal de análise. Esse percurso merece consideração porque visa a esclarecer os processos que levaram à tomada de decisões sobre o material de análise final.

As propostas teóricas que direcionaram os encaminhamentos se apoiam no estudo “História das Ideias Linguísticas” (HIL) que considera os dicionários como “instrumentos tecnológicos de gramatização” (AUROUX, 1992), diretamente responsáveis pela normatização e divulgação das línguas. Também se considera que, enquanto “organizados ideologicamente de determinada maneira” (ORLANDI, 2002, p.107), refletem os períodos sócio-históricos em que se inserem.

Caracterizando o estudo em suas origens e desdobramentos, a pesquisa procurou fazer um enlace com a dissertação de mestrado (CHAVES-FERREIRA, 2002), na qual foi realizado um estudo dos verbetes oriundos do México em duas edições do dicionário da Real Academia Espanhola. A experiência com ensino- aprendizagem da língua espanhola também foi decisiva para propor a atual investigação. Na prática docente, se está constantemente submetido às normas e às

27 Considera-se “prefácio” (do latim praefatio) e “prólogo” (originalmente do grego prologoV, via latim

prologu) em relação sinonímica, uma vez que remetem etimologicamente, ambos, à função de introduzir algo. Houve uma distinção de usos, que se perdeu no tempo, na qual “prefácio” tinha mais acolhida para designar aberturas de obras religiosas (GIUSTI, 2003).

62 regras emanadas da instituição oficial que, dentro do mundo hispânico, dita o que é permitido e aceito na língua espanhola e, em consequência, o que não é admitido, como se apresenta no Capítulo 1. Tal atitude se reflete no encaminhamento de todo o saber produzido em relação à língua, determinado por limitações provenientes da

orientação da Real Academia.

Em decorrência da observação dos papéis e funções dessa instituição com respeito à lingua espanhola, considera-se procedente realizar um estudo que permita identificar conceitos de língua que atravessam os séculos, contidos nos prefácios dos dicionários e nos verbetes. Procura-se, também, identificar e analisar papéis em relação à língua que o enunciador RAE constrói para si e para seus co- enunciadores. Objetiva-se, ainda, analisar as concepções de língua em relação aos

movimentos intelectuais influentes à época da elaboração dos dicionários. Além

disso, verificar se as concepções explicitadas nas produções lexicográficas da Academia estão de acordo ao que os verbetes relacionados à língua e ciência apresentam.

Em consequência desses propósitos, algumas questões deveriam ser respondidas ao longo do trabalho, vinculadas a possíveis modificações do conceito de língua formulado pela RAE e dos modos e recursos empregados para designar língua através do tempo. Outra proposta estaria de acordo com a verificação da imagem que é construída sobre a língua e identificar práticas institucionais em relação aos papéis que se atribuem à RAE como enunciador. Nesse movimento, se determinariam se esses papéis se modificam ao longo das edições. Outra questão estaria relacionada às maneiras e estratégias que a instituição utiliza para revelar seus co-enunciadores. Ainda, se procuraria estabelecer que função assume a ciência na constituição do dicionário.

63 Atendendo às propostas inicialmente norteadoras, os prólogos dos dicionários, em contraste com alguns verbetes, servem como base para buscar soluções a esses questionamentos.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 60-64)