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2. Trajetória para cidadania e relação Estado-cidadão no Brasil

2.3. Aceleração de mudanças: fim da Primeira República até o golpe

República até o golpe de 1964

As ações registradas na seção 2.2. evidenciam que não coube ao primeiro governo de Getúlio Vargas (a partir de 1930), ele também oriundo das oligarquias (só que fora do eixo São Paulo – Minas), a originalidade para criar todo o conjunto da legislação trabalhista e previdenciária, nem teria sido isto fruto, necessariamente, de uma consciência social para com a classe operária do “pai dos pobres”, pois as tensões entre detentores do capital e trabalhadores se intensificavam, demandando maior velocidade e alcance da mesma.

O período da “Segunda República” até o golpe de 1964, poderia ser segmentado em três: de 1930 a 37 (transição e acomodação, incluindo um governo “provisório” de 30 a 34), de 37 a 45 (ditadura do Estado Novo) e de 45 a 64 (primeira experiência democrática no país).

Diferentemente da declaração de independência e da proclamação da República, o episódio do golpe de 1930, que derrubou Washington Luís, já em fim de mandato, não contou apenas com apoio militar, mas teve efetiva mobilização de civis de diferentes setores (como operários, classe média, industriais), em vários estados da federação (especialmente Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba). A questão- motivadora foi um desacerto entre a oligarquia paulista (rompera o acordo de rodízio na presidência), e as oligarquias mineira e gaúcha (cujo candidato, Vargas, havia sido derrotado nas urnas, muito possivelmente como resultado de fraude).

No primeiro momento pós-golpe, sob influências positivistas, foi criado ainda em 1930 o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (com predomínio de atuação na

área trabalhista e de legislação social), em 31 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho e em 1932 vieram: jornada de oito horas diárias no comércio e indústria, regulamentação do trabalho feminino, igualdade salarial para homens e mulheres, regulamentação eficaz para o trabalho infantil, instituição da carteira de trabalho e criação das Comissões e Juntas de Conciliação e Julgamento (sementes de uma Justiça do Trabalho). A regulamentação do direito de férias veio entre 33 e 34 e, com a Constituição de 1934, ficou oficializada a competência do governo federal para regular relações de trabalho. Salário mínimo foi regulamentado em 1940, Justiça do Trabalho (já prevista na Constituição) em 41, e Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em 43.

A atuação do Estado também trouxe constrangimentos aos trabalhadores, pois a legislação sindical tornou-se oficial e mais rígida, o que caracterizava intervencionismo estatal (controle efetivo do Estado, com componentes inspirados no fascismo italiano). A instituição do imposto sindical deu-se em 1940 e, como era um recurso fácil (automático) para manutenção da estrutura / burocracia sindical, favoreceu a proliferação de pequenos sindicatos, sem muito compromisso com sindicalização e mobilização dos empregados a quem representavam.

Quanto à legislação e ações em termos previdenciários, os Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAPs trouxeram uma renovação frente às CAPs, pois eram voltados para categorias profissionais e não focados em empresas específicas, e também contavam com o governo como integrante do sistema de gestão e de financiamento. Trabalhadores rurais, autônomos e domésticos continuavam sem ser alcançados pela política de previdência, logo o modelo não tinha por premissa tratar-se de um direito.

Mais uma vez, o grupo que atuou para queda de Washington Luís era heterogêneo em seu espectro de interesses e perfil ideológico. Logo, houve dissensões e a materialização destas na revolta dos paulistas, ou Revolução Constitucionalista de 32 (o continuísmo da intervenção pós-golpe de 30 foi o estopim), que, embora de curta duração (três meses) e de fundo conservador, teve importância significativa e induziu eleições em 33 para Assembléia Constituinte (que também teria papel de Colégio Eleitoral para o presidente da República), com adoção de voto secreto, direito ao voto feminino e criação da justiça eleitoral. Outra novidade no processo: deputados classistas, eleitos pelos sindicatos (de empregados, empregadores, profissionais liberais e funcionários públicos).

Com a aprovação da Constituição e eleição de Getúlio Vargas (1934), veio a polarização: de um lado Aliança Nacional Libertadora – ANL, liderada por Luís Carlos

Prestes, com nítida influência comunista, de outro, Ação Integralista Brasileira – AIB, de Plínio Salgado, de orientação fascista. Uma tentativa frustrada de golpe em 1935, coordenada pela ANL, complementou o conjunto de pretextos para fechamento do Congresso, golpe e redação de nova Constituição em 1937 (outra vez sem nenhuma reação significativa da sociedade). Os integralistas, que inicialmente apoiaram o golpe, alijados do poder tentaram contra-atacar com novo golpe em 38, que, frustrado, contribuiu para “desmonte” de lideranças hostis ao regime nas Forças Armadas e uma desmobilização geral.

Durante a ditadura do Estado Novo, notadamente privilegiaram-se os direitos sociais, dentro de uma ótica de concessão, paternalista, populista, ao mesmo tempo em que eram cerceadas liberdades civis e políticas.

Como alerta Covre (1995, p. 10), “só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão”. Entretanto, a cidadania vigente (parcial ou pseudo-cidadania) continuava dentro de uma perspectiva passiva, alvo de concessões, e não ativa, em busca de conquistas (com exceções pontuais). Santos (1987), então, alega tratar-se de uma cidadania regulada, assim conceituada:

[...] são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a essas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece. A implicação imediata deste ponto é clara: seriam pré-cidadãos todos os trabalhadores da área rural, que fazem parte ativa do processo produtivo e, não obstante, desempenham ocupações difusas, para efeito legal; assim como seriam pré-cidadãos os trabalhadores urbanos em igual condição, isto é, cujas ocupações não tenham sido reguladas por lei (p. 68).

A queda do presidente Vargas em 1945 não significou o fim de sua influência e popularidade: Eurico Gaspar Dutra, sucessor eleito logo em seguida (dezembro de 45), era seu ministro da Guerra, participara do golpe, porém foi por ele apoiado às vésperas das eleições, nas quais ele mesmo foi eleito senador e, pouco mais tarde (1950), chegou à presidência pelo voto direto (o que não acontecera em 30, 34 e 37). Forças internas (movimento operário e sindical em oposição às elites reacionárias liberais) e externas (fim da Segunda Guerra, da forma como se deu, não favorecia a permanência de governantes ao estilo Vargas) atuaram no sentido de esgotar aquele regime.

Nova Constituição (1946) incluía proibição de voto aos analfabetos (ainda maioria da população) e restrição ao direito de greve, mas no geral mantinha avanços e benefícios contemplados na anterior. Em 47, o PCB teve seu registro cassado, contudo o governo Dutra transcorreu sem maiores sobressaltos, o que não se pode dizer após eleição popular de Vargas em 1950. Por analogia, pode-se admitir uma versão nacional da guerra fria, com Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, trabalhadores, setores das Forças Armadas e do empresariado (de matriz nacionalista) contra União Democrática Nacional – UDN, setores das Forças Armadas e do empresariado local (de matriz anticomunista e pró-Estados Unidos e capital internacional) e também o empresariado representante direto das multinacionais aqui instaladas.

Um momento de agravamento da tensão deu-se quando da nomeação de João Goulart como ministro do Trabalho (em 53). Embora o PCB estivesse oficialmente “fora de circulação”, vários de seus ex-dirigentes fizeram uso da estrutura sindical ainda fortalecida para ocupar posições estratégicas. O novo ministro era visto como forte aliado dos sindicatos e suas primeiras iniciativas foram aderentes a esta tese. Não tardou para novo xeque-mate ao presidente Vargas, dado por seus ministros militares, e talvez na impossibilidade de uma saída “elegante” como a de 1945, o resultado, em versão reducionista, foi a morte de dois personagens importantes, sendo um homicídio (de um militar de alta patente) e um suicídio (do presidente).

O sucessor, Juscelino Kubitschek (eleito com pouco mais de um terço dos votos válidos) era identificado com o modelo varguista, em função dos partidos que o apoiavam e particularmente porque o vice era João Goulart. Após breve movimento militar de insatisfação (e posteriormente duas articulações para tentativa de golpe), o presidente eleito superou desconfianças, adotou estilo desenvolvimentista (com ênfase em transportes, energia e indústria de base) e governou de forma democrática, porém manteve distância de uma questão trabalhista ainda em aberto: ausência de legislação para trabalhadores rurais. O final de seu mandato (com crescentes acusações de corrupção) e a transição para o sucessor, Jânio Quadros (candidato da oposição ao governo, mas não filiado à UDN), deram-se sem maiores incidentes, mas como João Goulart foi reeleito vice, não demorou para que houvesse uma crise de liderança sem precedentes: o presidente renunciou (em agosto de 1961, oito meses após a posse), ministros militares impuseram veto à posse do vice, mas alguns comandantes militares declararam apoio a uma saída legal, também apoiada por trabalhadores e setores ligados à esquerda.

Uma solução parlamentarista foi imaginada e implementada como saída negociada, mas revertida por plebiscito em 1963, quando o presidente Goulart assume o poder de fato, com apoio popular, sobretudo de sindicalistas (Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT) e estudantes (União Nacional dos Estudantes – UNE), com setores da Igreja Católica na “retaguarda”.

Fato que trouxe novidade ao cenário sociopolítico foi o advento e propagação das Ligas Camponesas ao longo dos governos de Juscelino e João Goulart. A primeira delas formou-se no engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão – PE, 1955, a partir da associação de 140 famílias ali residentes com objetivo de “[...] gerar recursos comuns para a assistência educacional e de saúde, e para comprar adubos, com a finalidade de melhorar a produção”49. Para defendê-los contra o aumento de renda da terra e ameaça de expulsão, recorreram ao advogado Francisco Julião Arruda de Paula, com histórico de simpatia aos direitos dos trabalhadores rurais pernambucanos. Causa ganha, o movimento espalha-se primeiramente por Pernambuco e, em seguida, para Paraíba, Rio de Janeiro e Paraná. O núcleo de Sapé – PB chegou a congregar cerca de dez mil participantes em 1962.

Apesar da criação de um jornal e do fato de Francisco Julião ter sido eleito deputado estadual e federal, a atuação política das Ligas foi restrita, basicamente porque não era este seu principal objetivo e também porque não se associaram / submeteram ao Estado como patrocinador, numa tentativa de preservação de sua autonomia (não foram estabelecidas alianças com o governo, mesmo com representantes, em tese, comprometidos com a causa, como João Goulart, no plano federal, e Miguel Arraes, no estadual).

Com aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, que não contemplava as fontes de financiamento para cobrir os benefícios aprovados para os trabalhadores (logo, foi praticamente inócuo), começa a proliferação de sindicatos rurais oficializados. Formou-se em 64 a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, que chegou a congregar 263 sindicatos reconhecidos pelo governo.

A efetiva ameaça de sublevação (afinal, 55,3% da população ainda era residente em área rural em 1960, segundo o IBGE50) e a quebra da hierarquia militar51,

49

Segundo definição de Aspásia Camargo, no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea – Fundação Getúlio Vargas. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/7794_1.asp, acesso em 2 de janeiro de 2006.

50

IBGE – Dados históricos dos censos. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/censohistorico/1940_1996.shtm, acesso em 2 de janeiro de 2006.

contribuíram de forma substancial para que a história tivesse um desfecho outrora também visto: militares (Escola Superior de Guerra – ESG) e civis (setores políticos, de empresários, e a cúpula da igreja católica romana) ligados à “direita” (com apoio dos Estados Unidos) trabalhando para a queda do presidente e este, apoiado e pressionado por CGT, Pacto de Unidade e Ação – PUA (outra organização de trabalhadores), UNE, alguns setores organizados ligados à igreja católica romana (Ação Popular – AP, Juventude Universitária Católica – JUC, Movimento de Educação de Base – MEB), partidos políticos (além do PTB e do Partido Social Democrata – PSD, outra criação de Getúlio Vargas, havia o Partido Comunista do Brasil – PC do B e a Política Operária – Polop) e Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEG (alinhado à Comissão Econômica para América Latina – CEPAL), buscando meios de manter-se no poder. O que parece consensual é que, àquela altura, nenhum dos dois lados era reconhecido por um histórico de compromisso com práticas democráticas.

Por ocasião do golpe militar, em março de 1964, a radicalização estava estabelecida no limite, tanto da parte do presidente e de vários setores sindicais (urbanos e rurais) a ele ligados, supostamente representantes de grandes massas de trabalhadores, como dos opositores (incluídas a burguesia comercial e classe média, ou “média-alta”, então representada por categorias de profissionais liberais, em particular advogados, médicos e engenheiros).

A tática de mobilização de massas adotada por João Goulart, combinada ao apoio dado a militares de patentes inferiores (e episódios não tão raros de ações destes, a despeito da hierarquia) fez com que o movimento em curso para retirá-lo se tornasse irreversível e fosse antecipado (registra-se que a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, como que advertindo o governo, reuniu quinhentas mil pessoas em São Paulo, há poucos dias do golpe). Uma greve geral foi convocada por dirigentes sindicais para 31 de março (como reação ao golpe), mas esta voz não ecoou. Nas palavras de Gianetti (2002, p. 13), “o golpe veio, o presidente fugiu, o Congresso Nacional engoliu, o general assumiu e nenhuma gota do tal sangue revolucionário viu a luz do dia”. A voz ouvida foi da classe média, nas ruas mais uma vez em 2 de abril, reunindo cerca de um milhão de pessoas no Rio de Janeiro, aliviada com a queda do presidente “comunista” (CARVALHO, 2003; SAES, 1981).

51

Sargentos, alguns deles candidatos eleitos e não empossados (mandato julgado nulo), rebelaram-se em Brasília,e prenderam o presidente da Câmara dos Deputados e um ministro do Supremo Tribunal Federal.

2.4. Freada abrupta, marcha a ré, retomada: governos militares (1964 a 1985)

Em função das práticas de cerceamento de direitos políticos e civis adotadas, sobretudo no primeiro ciclo pós-golpe, que foi até 1974, com os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici (com o qual a repressão atingiu seu ápice), este teria sido um período de anticidadania, segundo entendimento de Covre (1995).

Centrais sindicais e ligas camponesas foram proibidas, diversos parlamentares ligados ao antigo governo e dirigentes sindicais tiveram os direitos políticos cassados. Esta medida também foi aplicada a intelectuais e militares “dissidentes”. Outro expediente foi a aposentadoria compulsória para funcionários públicos civis e militares considerados incômodos. Foram declarados ilegais: UNE, CGT, PUA e ISEB.

O Comando de Caça aos Comunistas – CCC e a não tão famosa Aliança Anti-Comunista – AAC foram organizados antes do golpe militar, mas sua atuação intensificou-se até início dos anos 70, assumindo características de grupos para-militares, com invasões, depredações, espancamentos. Quase que de imediato (em junho de 64) foi criado o Serviço Nacional de Inteligência – SNI, idealizado e comandado pelo general Golbery do Couto e Silva, personagem que atuou nos bastidores por quase 20 anos a partir daí (os generais-presidentes Médici e Figueiredo também tiveram a oportunidade de chefiar este serviço). Em 1967, entram em vigor nova Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional. O Departamento de Ordem Política e Social – DOPS (ou DEOPS), criado em 1924 como Delegacia de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo, foi bastante atuante em atividades de repressão ao longo de todo período militar e particularmente durante o governo Médici.

Atos institucionais eram editados de acordo com a conveniência / visão do presidente ou seus assessores diretos para tornar legais as medidas de repressão e retaliação. O pretexto da ameaça comunista tudo justificava.

Três episódios sinalizam o estado de coisas:

a. nas eleições de 1965 a oposição venceu em alguns estados (incluindo a antiga Guanabara e Minas Gerais). Como conseqüência, foi editado ato institucional, que, dentre outras providências, aboliu eleição direta para presidente e governadores, desativou todos os partidos políticos e criou o bipartidarismo (Aliança Renovadora Nacional – Arena, situacionista, e Movimento Democrático Brasileiro – MDB, para, em tese, fazer oposição), permitia intervenção federal nos estados e fechamento / recesso do Congresso sem consulta ou aviso prévio;

b. em 68 a Câmara negou autorização para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um discurso supostamente ofensivo às Forças Armadas, feito dois dias depois da invasão da Universidade de Brasília pela Polícia Militar. Veio o ato de número 5 (AI-5), que resultou no fechamento do Congresso, novo lote de cassações e concedeu outros poderes “extraordinários” ao governo; e

c. quando do impedimento de saúde do general-presidente Costa e Silva (em agosto de 69), o vice Pedro Aleixo, civil, não foi autorizado a assumir a presidência.

Em julho de 68 todas as manifestações públicas foram proibidas e, três meses antes, quase 70 municípios foram declarados áreas de segurança nacional e, por isto, viviam sob um regime ainda mais fechado.

A chamada Constituição de 1969, na verdade a primeira emenda à Constituição de 67, entrou em vigor incorporando o conteúdo dos atos institucionais (o de número 10, por exemplo, levou centenas de professores à aposentadoria em todo o país; os de números 13 e 14 instituíam penas de morte e de banimento para subversivos). Ainda em 69, algumas atribuições do Supremo Tribunal Federal são repassadas para a Justiça Militar e em janeiro de 1970 chegou a censura prévia aos meios de comunicação e espetáculos. Também em 70 (segundo semestre) são criados outros órgãos de repressão: Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna, conhecidos como DOI-Codi (em substituição à Operação Bandeirantes – Oban, que entrara no circuito repressivo em meados de 69).

Continuavam as perseguições, prisões, interrogatórios com meios coercitivos e mortes (só no Congresso da UNE em Ibiúna – SP, em 68, foram aproximadamente sete centenas de presos, em ação que contou com participação ativa do DOPS)52.

Um segundo momento no ciclo militar iniciou-se em 1974, com a posse do general Ernesto Geisel e continuou com seu sucessor, general João Figueiredo. Segundo palavras do primeiro, haveria a abertura política e esta seria uma “lenta, gradativa e segura distenção”.

No governo Geisel, mesmo com postura mais amena do presidente e de seu chefe do Gabinete Civil (general Golbery), três mortes ilustram de forma inequívoca o papel exercido pelos órgãos de repressão (ainda nas mãos da chamada “linha dura”) e vigência de um regime ambíguo: do jornalista Vladimir Herzog (outubro de 1975), do

52

Os dados apresentados neste parágrafo e no anterior tiveram como fonte principal: Almanaque – Folha de São Paulo, disponível em http://almanaque.folha.uol.com.br/ditadura_cronologia.htm, acesso em 03 de janeiro de 2006.

metalúrgico Manuel Fiel Filho (janeiro de 76) e da estilista Zuzu Angel (abril de 76). Versões criadas de acidente ou suicídio foram devidamente desmontadas não muito tempo depois.

Em São Paulo, o então Secretário de Segurança, coronel Erasmo Dias (permaneceu na vida pública até 2004 e por último cumpriu mandato legislativo municipal), atuava com rigor contra manifestações públicas (particularmente de estudantes) e comandou a invasão da Pontifícia Universidade Católica – PUC, em 77, prendendo cerca de mil participantes de um encontro nacional (com cooperação do DOPS). O general-presidente de plantão teve que enfrentar e afastar colegas militares ainda simpáticos à continuidade de práticas “de exceção”, cujo intuito era a intimidação e manutenção de um regime autoritário, como o exemplo dado.

Outra dubiedade (casuísmo e nítido retrocesso) deu-se como conseqüência da vitória da oposição nas eleições para o Senado em 1974 (16 das 22 cadeiras em disputa) e aumento significativo de sua participação na Câmara (quase dobrou a bancada e impediu que o partido governista mantivesse os dois terços necessários para aprovação de emendas à Constituição): em abril de 77, ato do presidente suspende temporariamente o Congresso e é decretado o “Pacote de Abril”, com ampliação do mandato presidencial para seis anos (a partir do seu sucessor) e criação da figura do senador indireto (ou “biônico”), um por estado, dentre outras providências. Talvez fosse uma estratégia de negociação / concessão com setores radicais de direita para, em “doses homeopáticas”, alcançar um objetivo de transição para a democracia, a exemplo da vivida de 1945 a 64.

De forma similar ao período de governo ditatorial de Vargas, houve forte cerceamento aos direitos políticos e civis, enquanto eram intensificados direitos sociais, alguns deles inéditos. A manutenção do Congresso em funcionamento (com algumas interrupções) dava ares (de fachada e para o público externo) de uma suposta normalidade democrática. Havia eleições para todos os cargos eletivos (mesmo que indiretas para governadores até 1978 e presidente até janeiro de 85), porém quem eram os candidatos? A quem serviam? Quais as garantias individuais para eleitores e eleitos?