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4. Custo humano e estratégias de mediação

5.3. Análise dos dados

Os dados textuais oriundos das entrevistas individuais com atendentes foram submetidos à análise de conteúdo com utilização do software Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte – ALCESTE, que toma por base, para constituição das categorias temáticas, a análise de co-ocorrências localizadas de palavras, que é uma análise estatística de pares de palavras em um corpus. Este procedimento admite que a ocorrência freqüente de duas palavras juntas seja semanticamente significante (BAUER, 2002). Para Kronberger e Wagner (2002, p. 421), “a idéia subjacente é que o sentido das proposições e sentenças pode ser captado, se for possível identificar aquelas palavras que andam juntas nas frases e que são ditas pelo maior número de respondentes possível”.

Para utilizar o ALCESTE, o texto teve que ser devidamente formatado para que o programa reconhecesse a resposta dada por cada atendente a cada uma das questões formuladas como uma unidade de análise, denominada unidade de contexto inicial – UCI. Estas UCIs e as variáveis a elas vinculadas (sexo, APS, escolaridade, por exemplo), são “processadas”, divididas e classificadas em unidades de contexto

elementar – UCE pelo programa. As UCEs são segmentos de textos representativos das unidades originais. O agrupamento em classes temáticas é feito em função da recorrência das palavras em cada classe, o que irá determinar o número de classes temáticas resultante. Também são apresentadas as relações entre as classes, indicadas pelos respectivos coeficientes de correlação. Quanto mais próximo de zero, mais “fraca” é a relação / associação entre as classes temáticas.

No caso dos dados textuais provenientes dos questionários aplicados para usuários e gestores e das entrevistas coletivas, não foi possível a utilização do ALCESTE, pois não houve volume textual suficiente, ou seja mínimo de 50 mil caracteres, para cada uma das perguntas ou dos pontos tratados. Partiu-se, então, para a adoção de recomendações pertinentes à análise de conteúdo clássica, em particular as orientações que dizem respeito à “categorização” (BARDIN, 1977). Segundo ela, “classificar elementos em categorias, impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com outros. O que vai permitir o seu agrupamento, é a parte comum existente entre eles” (p. 118). “a categorização tem como primeiro objetivo (da mesma maneira que a análise documental), fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos” (p. 119).

Assim, primeiramente fez-se leitura flutuante das respostas transcritas, em seguida agruparam-se idéias / temas recorrentes (com a devida quantificação), determinaram-se categorias mais globais / gerais e partiu-se, então, para análise / interpretação destes dados textuais em associação com os outros resultados obtidos.

Os dados não textuais resultantes da aplicação dos questionários foram tratados com técnicas quantitativas adequadas como, por exemplo, análise descritiva (freqüências relativas / proporções, médias e coeficientes de variação), construção de um conjunto de gráficos e análise bidimensional (teste qui-quadrado de independência ou homogeneidade). Esta última técnica tem o propósito de responder se diferenças observadas entre as distribuições das freqüências (de respostas dadas ou sujeitos / objetos pertencentes a determinadas categorias) quando “confrontados” dois ou mais grupos são estatisticamente significativas ou não. Em termos mais “estatísticos”, o teste- qui-quadrado testa a hipótese nula (H0) de que não há relação entre duas variáveis,

dispostas em uma tabela de dupla entrada (ou tabela de contingência), ao comparar as contagens / freqüências observadas (e constantes em cada célula da tabela) e aquelas esperadas caso a hipótese H0 (de independência ou não-relação) fosse verdadeira

No que diz respeito ao teste qui-quadrado de independência, para todos os itens constituintes das três dimensões do CPBS, e consideradas as seis variáveis utilizadas para os cruzamentos, a formulação das hipóteses assume a seguinte redação:

a. Item da OT, CT ou RSx GEX na qual os atendentes trabalham

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com a GEX;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada à

GEX;

b. Item da OT, CT ou RS x tempo na função como atendente

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com o tempo na função;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada ao

tempo na função;

c. Item da OT, CT ou RSx cargo dos atendentes

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com seu cargo;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada ao

cargo ocupado;

d. Item da OT, CT ou RSx sexo dos atendentes

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com seu sexo;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada ao

sexo;

e. Item da OT, CT ou RSx escolaridade dos atendentes

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com sua escolaridade;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada à

escolaridade; e

f. Item da OT, CT ou RSx estado civil dos atendentes

H0: a avaliação dos atendentes com relação ao item independe / não

tem relação com seu estado civil;

H1: a avaliação dos atendentes com relação ao item está associada ao

estado civil.

Em se tratando das três dimensões do CHT, a formulação das hipóteses para os testes de independência é análoga, apenas com substituição dos itens de OT, CT ou RS por itens do custo afetivo, cognitivo ou físico.

A concepção do teste implica a determinação de uma distância global (qui- quadrado calculado) entre um conjunto de freqüências reais / observadas e as respectivas freqüências esperadas (hipotéticas), caso a hipótese de independência fosse verdadeira. Esta distância global entre os pares de freqüências é determinada por

(

)

2

,

2

=

e e o calculado

f

f

f

χ

onde fo corresponde à freqüência observada em cada célula (ou cruzamento) de uma

tabela de contingência, e fe é a respectiva freqüência esperada para cada célula.

O que deve ser respondido é se o valor numérico do qui-quadrado calculado pode ser considerado suficientemente grande, de tal forma que, para uma determinada confiabilidade (ou para um determinado nível de significância), seja possível rejeitar a hipótese H0.

Nesta tese, os cálculos intermediários e a aplicação da estatística qui- quadrado foram realizados com o uso de recursos disponíveis na planilha Microsoft Excel. Estipulou-se que a hipótese de independência deveria ser rejeitada em todas as situações para as quais o nível de significância fosse menor ou igual a 0,05, ou seja, confiabilidade para a decisão de rejeição maior ou igual a 95%.

Também foram determinadas, com caráter exploratório, correlações lineares de Pearson, entre a nota dada pelos usuários e algumas outras respostas numéricas. Análise de Variância (ANOVA), para verificar igualdade de algumas médias, e regressão linear múltipla, para verificar a possibilidade de construção de um modelo que articulasse de forma estatisticamente consistente a nota dada para o atendimento, em função de um conjunto de variáveis supostamente explicativas, foram aplicadas em dois momentos específicos e serão abordadas ao longo do capítulo de Resultados e Discussão.

Para efeito da análise das respostas dadas quando do uso das duas escalas (EACT e ECHT) propõe-se um indicador “não convencional”, primeiramente “testado” na pesquisa conduzida por Prado (2006), cuja concepção busca contornar limites / restrições ao uso de médias e desvios padrão quando se trata de dados que não sejam tipicamente intervalares. As quatro escalas que constituem o ITRA, e as duas aqui utilizadas em particular, são claramente ordinais, logo requerem a adoção de procedimentos estatísticos apropriados e não a “importação” de outros, cuja concepção é destinada para outro tipo de dado ou de resposta. A natureza desta questão é assim apresentada por Pasquali (1999):

Uma escala de maio nível [por exemplo, intervalar] pode utilizar as operações estatísticas de uma escala inferior [ordinal, por exemplo], mas perde informação dado que as estatísticas próprias de uma escala inferior são menos eficientes, isto é, menos robustas. Não é permitido (é erro) utilizar estatísticas de uma escala de nível superior numa inferior, dado que esta não satisfaz os requisitos necessários para se utilizar de procedimentos estatísticos superiores. São chamados de paramétricos os procedimentos

estatísticos da escala intervalar porque os números nela possuem caráter métrico, isto é, são adicionáveis, enquanto os não-paramétricos não são métricos, dado que representam somente postos e não quantidades somáveis (p. 107, grifos nossos).

Esta argumentação também reverbera nas palavras de Günther (1999):

Os puristas podem argumentar, com razão, que as alternativas numa escala Likert representam apenas uma medição em nível ordinal. Os valores numéricos (p. ex., 1, 2, 3 e 4) associados às alternativas ‘discordo fortemente’, ‘discordo’, ‘concordo’ e ‘concordo fortemente’ não permitem operações formais além de ‘>’. [...] Em outras palavras: para ser cauteloso é apropriado utilizar, para fins descritivos, moda e mediana em lugar da média (p. 252, grifos nossos).

Para a análise dos dados aqui levantados, mediana e moda, por suas próprias limitações, não cumpririam um papel que permitisse uma “qualificação” dos dados. Adotou-se, alternativamente, o seguinte procedimento em temos de medida descritiva: agrupamento das freqüências percentuais corrigidas (pós exclusão das respostas em branco e nulas) das respostas assinaladas nas opções “nunca” e “raramente” (EACT); “nada exigido” e “pouco exigido” (ECHT); “freqüentemente” e “sempre” (EACT); e “muito exigido” e “totalmente” (ECHT). Entende-se que os dois primeiros grupos contemplam respostas com conotação positiva / favorável, ao passo que os dois últimos grupos agregam respostas com caráter negativo / desfavorável. Feito isto, faz-se a diferença entre o percentual positivo e o negativo (vale para cada um dos itens e também para o conjunto de itens de um fator, agregando-se todas as respostas dadas para cada opção). As respostas “às vezes” e “mais ou menos exigido” são consideradas avaliações “intermediárias” ou “moderadas”.

O critério proposto para leitura do “sentido” do conjunto geral de respostas (positivo ou negativo) é: (1) se [freq%(4+5) – freq%(1+2)] > 15%  avaliação “negativa” ou “desfavorável” para o item ou fator (“grave” na EACT e “custo alto” na ECHT); (2) se - 15% ≤ [freq%(4+5) – freq%(1+2)] ≤ 15%  avaliação “intermediária” ou “moderada” para o item ou fator (“crítico” na EACT e “custo moderado” na ECHT); e (3) se [freq%(4+5) – freq%(1+2)] < -15%  avaliação “positiva” ou “favorável” para o item ou fator (“satisfatório” na EACT e “custo baixo” na ECHT). Exemplo para o item “existe fiscalização do desempenho” (do fator “organização do trabalho”): freqüências percentuais corrigidas = 2,9% (“1 – nunca”); 8,0% (“2 – raramente”); 28,0% (“3 – às vezes”); 33,7% (“4 – freqüentemente”); e 27,4% (“5 – sempre”). Então, a soma das freqüências percentuais nas opções positivas (1 e 2) = 10,9% e a soma das freqüências percentuais nas opções negativas (4 e 5) = 61,1%. Calcula-se a diferença 61,1%- 10,9% = 50,2%, que é maior que 15%. Assim, o item é avaliado como “grave”.

Caberia um questionamento sobre a “origem” do limite estabelecido, ou seja 15% de diferença, em módulo, para que haja uma sinalização no sentido positivo ou negativo para a avaliação de um item ou fator. Tendo em vista tratar-se de um indicador “original”, ainda em caráter de proposição, qualquer que fosse o valor, teria um caráter arbitrário e seria passível de “insegurança”. Por estar vinculado à variabilidade / dispersão das respostas dadas (todas as respostas nas opções de um mesmo “lado” – 1 e 2, ou então 4 e 5 – levaria ao resultado 100%, em módulo, para o indicador; todas as respostas na opção 3 ou um mesmo percentual dos dois “lados”, levaria ao resultado 0), fez-se uma analogia com o critério “empírico” adotado para o coeficiente de variação (desvio padrão dividido pela média), segundo o qual um coeficiente que não supere 15% indica, de modo geral, uma situação de homogeneidade, ou variabilidade suficientemente pequena (MARTINS, 2001).

A diversidade de instrumentos e procedimentos aqui relatada foi utilizada com a finalidade de levar à a constituição de um conjunto de resultados que viabilizasse o cumprimento dos objetivo geral proposto na Introdução desta tese. O próximo capítulo é dedicado à apresentação destes resultados e também à discussão dos mesmos.