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3.4.2.1 Acertar agulhas

No documento Luzes e sombras em famílias de gémeos. (páginas 152-157)

A família que se deseja e se projeta é frequentemente construída na imagem de família apreendida. O contexto em que cada um cresce e aprende é determinante na construção dos seus significados. É na família que se constrói a matriz de identidade e aqui são transmitidos costumes, valores e modelos. A visão de mundo, expetativas, crenças, ideais e valores são transmitidos de pai para filho. O ser família, ser mãe, pai, irmão… é aprendido na família de origem e é à sua imagem que cada um antecipa a sua própria família. Os padrões familiares podem ser quebrados quando no relacionamento com os próprios Pais se identificam padrões disfuncionais. Consideram-se as práticas da sua família de origem, comparam-se com a família do cônjuge, propondo-se a adotar e adequar o que consideram mais positivo criando um ideal de família face à perceção que têm da sua realidade. Porém quando há diferenças no modo de funcionamento familiar de onde cada um

151 dos cônjuges é originário, é o homem que tendencialmente se adapta ao estilo de vida que a mulher acredita ser o mais propício à família.

Das famílias de origem é tida como uma mais-valia a existência de rotinas familiares e implicação dos filhos nas tarefas da vida quotidiana, as quais capacitam os filhos para um melhor envolvimento na sua futura família. A divisão das tarefas domésticas segue ainda os padrões tradicionais e, talvez por isso mesmo, é na mulher que se centra a tomada de decisão, mais ou menos explícita, de como a sua família deve funcionar, evidenciando o papel de cada um no processo.

eu fui educada a discutir tudo na mesa eu sempre soube tudo da vida dos meus Pais, o meu marido como os Pais tinham um restaurante não tinham rotinas na vida familiar e não estava habituado a isso, quando casamos estranhou um bocadinho mas foi se habituando (E5M);

então quando eu digo ele (marido) faz isto ou aquilo ela (sogra) usa muito a expressão «em solteiro não fazias nada disso». Claro, ele não fazia porque não foi habituado. Eu não deito a culpa a ele, tudo vai de começar, eu quando casei sabia porque me ensinaram, não foi da minha cabeça que disse sei cozinhar, ensinaram- me, eu tinha nove anos quando fui para o fogão aprender a cozinhar e ele não, não sabia nadinha nem fritar um ovo como se costuma dizer e eu não, já sabia tudo, enquanto a minha mãe me pagava tudo, eu não precisava do dinheiro, mas na casa dele (marido) tinham que dar dinheiro para casa. O meu pai e a minha mãe também é assim, ela é que tem que gerir ele só quer saber que tem dinheiro e pronto (E10M).

As experiências vividas na família de origem são diversas. Entretanto, comparam- se as experiências pessoais com as do parceiro e reconhece-se que não há um só modo de exercer o papel parental. As práticas de cuidado aos filhos observam-se na complexidade das relações familiares e são condicionadas por vários fatores tais como: as características específicas da criança e dos Pais, a relação estabelecida entre os cônjuges, a história dos Pais bem como o contexto sociocultural em que estão inseridos. A perceção de ser pai é enraizada na representação que o homem tem de si e das suas experiências passadas com os seus próprios Pais, o modo de exercer a paternidade mostra que, ao mesmo tempo que desejam reproduzir os acertos dos Pais, também procuram não repetir os erros. Os homens que cresceram num ambiente mais punitivo e exigente reconhecem que este ambiente os educou e fortaleceu.

há uma coisa que eu não sei como vai ser, eu fui educado duma forma em que o meu pai… o meu pai era assim, se havia qualquer coisa, só olhava para mim, se eu percebia que ele não estava a gostar da coisa eu já nem sabia onde é que

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havia de me meter. A minha mãe não, qualquer coisa dava uma palmada, até com colheres de pau me bateu e algumas foram injustas e outras ficaram por dar, eu também era mesmo traquinas. Portanto, eu tive esse tipo de educação e (…) Eu também admiro muito a educação que os Pais da Rita lhe deram, a ela à irmã, porque de facto foi impecável, foi uma educação sem grandes palmadas, sem grandes berros, sem nada. Mas eu também era mais traquinas do que elas, eram mais calminhas. A minha irmã é muito mais calma, não levou nem um décimo da porrada que eu levei (E16H);

eu e os meus irmãos tivemos uma infância difícil e o meu pai era muito severo, trabalhar cedo em termos de carácter foi importante, que é o oposto da minha esposa, todos levávamos do meu pai e a minha esposa nunca levou dos Pais. O egoísmo é diferente, apesar de não ter culpa e se lhe dissesse ela não ia aceitar e compreender (E2H).

Também a composição familiar onde se cresce influencia a decisão sobre a família que se deseja. Crescer numa família numerosa ou numa família com um intervalo grande entre os nascimentos são algumas formas de famílias experienciadas e que se quer replicar.

foi uma coisa que eu sempre quis. A coisa que eu sempre quis foi ter filhos.…eu sempre quis ter filhos, porque sou de uma família de cinco irmãos, e sempre nos demos muito bem. Eu sou a mais nova dos cinco. E sempre nos demos muito bem e todos eles têm filhos, e... eu também queria. Não era por eles terem. Era mesmo meu (E3M);

eu sempre quis ter dois filhos, achava que três eram demais, era bem-vindo obviamente, (…) era verdade que gostava de ter dois. Não sei se era por ter uma irmã gémea gostava de ter filhos gémeos (E16M);

esta diferença de idades foi planeada e até podia ser um pouco mais. A Eva não tem irmãos é filha única e eu só tenho um irmão e a diferença é de 9 anos, a minha mãe também só tem um irmão com uma diferença de 10 anos, temos assim um história de família pequena e com uma diferença de idades entre irmãos muito grande. Fui filho único durante 10 anos e sei o que é ser filho único e ter irmãos e acho que é mais fácil. Eu tinha primos que tinham idades muito próximas e tinham muitos conflitos e por isso, talvez por isso, quisesse com esse intervalo (E5H).

Na formação da família é necessário alinhar a vida pessoal de cada um a uma vida partilhada num tempo e num espaço próprio. Constrói-se a identidade familiar, este processo exige um tempo de conhecimento, de hábitos e das rotinas de cada um, de confrontar valores e prioridades de negociação e mesmo de aprendizagem sendo necessário fazer ajustes considerando as expetativas pessoais. Espera-se que as opções sejam tomadas de uma forma consciente e deliberada no seio do

153 casal, alguns casais fazem-no intuitivamente, mas em qualquer situação um dos elementos do casal tem maior capacidade e poder de decisão.

tomava conta do meu pai e da minha tia, toda a organização da casa era responsabilidade minha, quando eu casei continuou igual e mesmo na relação com o meu marido, ele sempre aceitou as decisões, nunca questionou muito, o que eu decidisse, estava decidido acho que isso não mudou muito… É assim, eu reconheço, se calhar é defeito, mas eu tenho mais poder de decisão (E1M);

as decisões que temos que tomar são sempre conversadas, mas sempre com o meu marido a dizer: mas tu é que decides (E10M).

A prática de discutir, negociar e clarificar assuntos possibilita o reconhecimento e ajuste das diferenças entre ambos, isto é, abre-se a um espaço de construção conjunto na família. Rever em conjunto as opções e o entendimento no casal é importante para a saúde da família.

tem que haver muita conversa e muita compreensão, quando alguma coisa não está bem digo: pára aí, vamos conversar porque isto não está bem antes que descarrile mais, vamos ver o que sentimos um pelo outro e conversar fazendo o ponto da situação…não há segredos em família, nós discutimos tudo (E5M);

conversávamos no dia a dia (E7H).

A complementaridade e a aceitação do outro com as suas caraterísticas pessoais e diferenças é importante para um ambiente saudável na família. Neste processo de convivência com o outro aprende-se outras formas de ser e estar que se refletem e produzem mudanças.

dialogamos um com o outro e acabamos por resolver, não quer dizer que ele não mantenha a dele e eu não mantenha a minha. Quando as coisas estão menos bem, rapidamente consigo falar, o meu marido é uma pessoa fechada e eu sou uma pessoa que quero falar sobre as coisas nuas e cruas, sou assim. Tanto que ele às vezes dizia até na parte da intimidade que eu o deixava um bocado desconcertado, a nível de sentimentos eu também sou assim: o que é que se passa? O que é que sentes? E ele agora faz-me isso, engraçado, às vezes sou eu que estou a regredir. (…) Tenho aquela coisa de que sou perfeccionista e então às vezes sou um bocadinho picuinhas …e ele dizia: começas tu a fazer tudo, e ainda bem que o disse (E16M);

e a minha mulher, um dom que ela teve, foi ela ajudar-me a acalmar um bocadinho, já perdi um bocadinho dessa minha excitação, mas ela é uma pessoa muito mais calma e ajudou-me nesse aspeto. Às vezes com coisas mínimas fico mais aborrecido e a minha mulher é o lado mais calmo da coisa e tem-me infetado com essa calmaria, sem dúvida que tem sido uma melhoria para mim nesse aspeto. Se calhar noutras coisas poderá ser mais o meu temperamento a ajudar, mas acho que nos

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vamos completando um bocadinho, um melhor numa coisa, outra melhor noutra e vamos resolvendo as coisas (E16H);

houve uma fase que ele (marido) achou se calhar que eu estava a exagerar, mas não criticava (E12M);

o meu marido é uma pessoa fechada … é uma pessoa extremamente bem-disposta, com muito humor e a gente consegue gerir bem as coisas porque temos um feito muito diferente. Das maiores complicações que nós temos, ele consegue fazer um filme superdivertido. Ele consegue ver o lado humorístico. Faz os filmes depois das coisas acontecerem. Na altura fica com muita ansiedade, obviamente…eu sou mais agitada do que ele, ele é mais calmo e conseguimos complementar (E8M).

A responsabilidade com a organização do lar recai sobre a mulher, o envolvimento não é complementar, as mulheres qualificam a participação dos maridos como uma ajuda, na maioria das vezes, bem-vinda. Quando a mulher sente a sobrecarga abre- se espaço ao conflito.

já me habituei a ter que ser eu a fazer as coisas (E8M);

em casa sempre fiz tudo sozinha, o meu marido nunca me ajudou a fazer nada… as nossas «guerras» baseavam-se todas nisso. Relativamente às decisões sobre a casa e as roupas eu é que trato de tudo (E9M);

ele ficava de manhã na cama e nem almoçava, eu já não sou assim, mas ficava também, (…) Antes das bebés nascerem era eu que fazia tudo porque ele achava que nunca era preciso limpar, a casa estava sempre limpa (E2M);

antes de nascerem já dividíamos as tarefas, mas eu fazia sempre mais do que ele, quando ele chegava a casa eu já tinha o jantar pronto (E10M).

Na ótica da mulher, o envolvimento de ambos é importante e é reconhecido o valor de cada um para uma harmonia familiar.

eu gosto que ele participe em tudo. Mesmo ele estando a trabalhar eu gosto que ele saiba o que se passa (E13M);

conseguir manter uma relação de equilíbrio entre nós os dois é muito saudável e importante (E12M);

temos uma cumplicidade muito grande, não precisamos de estar sempre ali (E14M).

O espaço de cada um também se revela importante a par de um espaço comum de partilha e do cuidado da vida a dois. A negociação no casal poderá ser promotora de um equilíbrio entre a vida pessoal, a vida em casal, o relacionamento com a família alargada e a vida social.

em relação à Eva, ela sempre aceitou bem isso (vida social), nunca foi entrave é uma motivação para mim porque chego a casa e sei que não se cobra, não somos um casal prisioneiro um do outro, sabemos que não tem que ser só casa e trabalho (…)

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nós respeitamo-nos, os nossos amigos continuam a ser os nossos amigos, os meus amigos passaram a ser dela e talvez mais os meus que os dela (E5H).

Esta procura de equilíbrio é tida em conta por cada um e é baseada na negociação e até mesmo no abdicar de algumas rotinas. O entendimento do casal sobre a importância da vida social é determinante no modo como esta é vivida. O gosto partilhado de conviver com os outros motiva para a manutenção das relações sociais, mas se ambos consideram como mais protetor da vida da família circunscrever a vida social, este será o mote que norteia as suas relações para lá da família.

eu tinha os meus amigos e jogava futebol, ainda quando namorávamos eu pedia para mudar o dia dos treinos para vir estar com ela mas eles não mudaram e aí deixei e nunca mais, eu gostava e gosto mas aí… os amigos podiam influenciar outras coisas (E10H);

eu e o meu marido sempre gostamos muito de ter amigos e sempre gostamos muito de receber em casa, desde que casamos e depois que tivemos filhos até agora …é também uma coisa que nós gostamos, na confusão nas festas, nos jantares mas nós gostamos (E14M);

em solteiros cada um tinha os seus amigos, depois de casar isso acabou, quando íamos jantar era só os dois se íamos ao cinema ou às compras era só nós. Escolhemos porque tínhamos um bocado de medo que chegasse àquele ponto que esquecêssemos as coisas daqui de casa e um de nós dissesse agora tenho que ir com os meus amigos ali, eu tinha um bocado medo e ele também que isso acontecesse e então optamos os dois por isso. Para mim não foi difícil agora para ele não sei…tem uma coisa, gastávamos muito mais e ou tínhamos os nossos objetivos ou gastávamos… (saindo com os amigos) e quando saíamos vivíamos só para nós, não temos nada marcado com ninguém, se vamos às compras é para nós, se vamos jantar é para nós, se vamos sair é para nós (E10M).

Esta conhecimento do outro e a aferição de diferenças fazendo os ajustes que se entendem necessários e possíveis é promotor do estabelecimento do caminho que se deseja percorrer em família.

No documento Luzes e sombras em famílias de gémeos. (páginas 152-157)