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Acerto de contas com o Amor

No documento A Complexa Sedução Da Matrix - Augusto (páginas 43-50)

3.4 A QUESTÃO MORAL DO SEXO

3.4.2 Acerto de contas com o Amor

O amor está no ar. Infelizmente não. A famosa frase “eu te amo” é ótima para bilheteria em cinemas ou para drama de novelas, mas em nossos tempos chega a valer tanto quanto nota de três reais. No Facebook, houve um banner que traduzia bem a realidade moderna. Uma garota que em uma semana já havia “amado para sempre” três pessoas diferentes (Figura 3). Por que tantos amores para sempre não vingam?

Figura 3 – Como diria Galvão Bueno... Haaaaaja “coração”.

O amor é simplesmente uma palavra banalizada. Em tempos pós-modernos, vale mais o sentimento do que ações em concreto. O amor que está na mídia e nos relacionamentos rotineiros não é amor de verdade (Amor). O Pe. Paulo Ricardo faz uma reflexão que é bastante pertinente. Considerando um casal jovem que se conheceu na balada e que “rolou aquela química” e um casal de idosos com mais de 50 anos de matrimônio. Em qual dos dois casos há mais sentimento? Certamente que nos jovens da balada. Em qual dos dois casos há mais Amor? Certamente que no casal de velhinhos. Desta sagaz ilustração, conclui-se que o amor não está voltado para o mero sentimentalismo.

Não fazemos estas observações para os „realistas‟, mas principalmente para conservadores com grau de romantismo que transgrediu a linha de risco. A Real carrega o desmascaramento do mito do amor romântico no pacote de saída da matrix. Os „realistas‟ sabem diferir o amor da paixão. Ensinam que a matrix é que faz as pessoas trocarem um pelo outro. Então entra em cena o „desapego‟, ou seja, o esforço para não se apaixonar e, assim, vencer a „guerra‟ da dinâmica dos relacionamentos modernos.

Novamente vemos a Real acertar em um ponto importante, mas, no momento de lidar com o problema, segue para caminhos questionáveis. Os „realistas‟ identificaram uma importante farsa. A venda de paixão por amor é denunciada. Permanece, contudo, a seguinte problemática: o que é o Amor (a maiúsculo)?

No artigo “Amor, casamento, divórcio”, Gustavo Corção atribui o fracasso dos casamentos principalmente à imaturidade, ao despreparo:

As causas da infelicidade são pois numerosíssimas. São entrelaçadas, combinadas, variadas, convergindo todas para o mesmo epílogo de lágrimas. Não pretendo deixar aqui uma receita de paraíso conjugal, nem pretendo que o problema seja fácil. A vida conjugal sempre foi difícil; e sempre o será. Mas o que se pode dizer sem erro, e sem ridículo otimismo, na atual conjuntura em que vivemos, é que o desvario ultrapassou seus razoáveis limites, e que alguma coisa pode e deve ser tentada no sentido de uma recuperação. E para isto cumpre isolar, no emaranhado de causas, aquela que mais influi na aceleração do mal.

Torno a dizer que é a imaturidade, o despreparo. As outras causas são todas tributárias dessa imensa bacia hidrográfica da frivolidade. As pessoas se casam por motivos oblíquos; se casam sem saber o que é o casamento; fundam família sem conhecer o que é a família; mudam de estado com ponderações menores do que os motivos de escolha de uma carreira, e às vezes tão leves como as que determinam a escolha de uma gravata. Ignoram a natureza do novo estado; desconhecem-se mutuamente os que se propõem viver unidos; e se ignoram a si mesmos, seus próprios recursos, seus novos deveres, suas responsabilidades novas.62

Mais a frente, no mesmo artigo, Corção então lembra a importância da racionalidade para superação de problemas e que, por conseguinte, está diretamente relacionado com a moralidade:

É claro que a vida está cheia de imprevistos. A própria criança é um destes, e dos mais terríveis. Mas dizer que a vida é somente formada de imprevistos, diante dos quais o homem é impotente, equivale rigorosamente a denunciar toda a validez da moral. Convém firmar este ponto: a pessoa que admitir a incompetência da razão nos atos mais graves da vida está admitindo tacitamente a falência total dos princípios de moralidade. Bem sei que já muita gente admite essa falência, e que seria preciso deslocar a origem das coordenadas, e escrever um outro livro para discutir esse problema. Neste que agora escrevo suponho no leitor esse mínimo — a confiança na ordem moral.63

Em seguida, o jornalista conservador adentra na temática do Amor e dá um tiro de misericórdia na matrix do amor romântico, chamando-o de amor-próprio. Em linguajar „realista‟, seria aquele amor matrixiano que prefere a ilusão à verdade (grifos nossos):

O amor, o verdadeiro amor advinha, penetra, descobre, simpatiza, faz suas as aflições do outro, dá ao outro suas próprias alegrias. É compreensivo. Mas não

62

CORÇÃO, Gustavo. Amor, casamento, divórcio. Permanência. Disponível em http://permanencia.org.br/drupal/node/52

é ―compreensivo‖ no sentido que se dá a esse vocábulo, quando quer significar uma tolerância que fecha os olhos. Não. O amor verdadeiro é compreensivo num sentido maior, que não fecha os olhos, mas que também não fecha o coração. Vê as falhas do outro, vê as misérias do outro, com uma generosa inquietação, com uma piedosa solicitude. Mas vê. Vê com amor. Mas vê. E é nessa visão que ele encontra as forças de paciência para os dias difíceis, e que se defende das amargas decepções. A miséria, o defeito, a falha, apresentados pelo amor, conservam sempre a dignidade do contexto em que foram apreendidos, sem sacrifício da veracidade. Porque o amor é veraz; é verídico; é

essencialmente amigo da verdade. E como compete à razão guiar a alma nos caminhos da verdade, segue-se com lógica irresistível que a razão é o piloto do amor.

Mas há um amor que é efetivamente cego; um amor que não é verídico; um amor que não é compreensivo; um amor que não é transformante, e que não ressoa, que não simpatiza, que não advinha, que é inimigo da verdade. É o amor-próprio. Cegueira voluntária, o amor-próprio se compraz nas mentiras

que agradam as paixões. Princípio de divisão interna, o amor-próprio divide o

homem de si mesmo.

A maioria dos dramas consiste no equívoco com que se rotula de amor a triste pantomima do amor-próprio. Esses romances de amor são comédias de erros

em que cada um engana o outro, e a si mesmo se engana, com o jogo gracioso que se convencionou ser próprio da juventude e da esgrimagem dos sexos. O centro de todos os disparates é o amor-próprio, a divisão do eu, o divórcio interno entre a vontade e a inteligência, em torno do qual se forma a constelação de tendências que Karen Horney chamou de ‗pride system‘. O rapaz que descobre, um ano depois do casamento, que foi pescado por causa do padrão O, e que sua mulher casou-se efetivamente com o casado de pele, dificilmente poderá alegar a obnubilação produzida pelos encantamentos do noivado. Sua decepção é injusta. Não viu porque não quis ver. Cegou-se por amor-próprio. Enganou-se a si mesmo, e por conseguinte faltou com a devida veracidade, isto é, com o verdadeiro amor. Estenda pois a si mesmo a decepção, e procure dar-lhe os nomes de humildade e paciência. E sobretudo procure, agora em bases mais autênticas, recuperar a lealdade ferida pela comédia do amor.64

Reconhecemos que o conceito de „desapego‟ da Real é abstrato. Dependendo de como for interpretado, pode ser algo positivo ou negativo. O exercício do egoísmo, ou seja, amor- próprio a que Gustavo Corção se refere, em um contexto fora da matrix, desembarca justamente para o conceito do homem-cafajeste. O cafajeste é, por definição, desapegado, pois pensa principalmente em si. É alheio à compreensão do outro.

Em uma situação de matrix romântica, o egoísmo é manifestado em preferir viver de ilusão, excluindo a compreensão da realidade. O resultado desse tipo de vida está bastante presente nos relatos da Real. O alerta é que ao vencer o romantismo meloso, o amor-próprio entra em cena para guiar a pessoa excessivamente ao interesse próprio (transforma-se no homem-cafajeste), ausentando-se a compreensão para com o outro.

O „desapego‟ como ferramenta do amor-próprio é, pois, nocivo. Podemos, contudo, considerar outro aspecto do „desapego realista‟: o exercício dele para vencer os jogos femininos e dominar o relacionamento. Isto é, o homem ocupar o seu espaço de líder do relacionamento. Neste caso o aspecto é positivo, pois existe a compreensão de que a autoridade masculina é o melhor ajuste para o relacionamento tendo em vista as diferentes naturezas do homem e da mulher.

Portanto, o desapego como ferramenta para exercer a liderança é bem-vindo. O homem emasculado, por conta de seu carente apego, desenvolve um medo neurótico pela perda da mulher e acaba tornando-se submisso na mão de uma vadia cheia de amor-próprio. A paixão torna a pessoa irracional e incapaz de tomar as melhores decisões, impossibilitando uma competente liderança.

Liderar, ensina James C. Hunter65, não é o mero ato de mandar. A liderança é mais profunda e difícil que isso, ela significa servir àqueles que lhe são submissos. O líder serve a seus subordinados preenchendo suas necessidades.

Precisamos, contudo, ficar atento para não confundir necessidade com vontade. Nem sempre o que queremos é o que necessitamos. A discussão com a namorada, muitas vezes, é perda de tempo, pois a mulher se foca mais em discussão emocional do que racional. Mesmo ela estando nitidamente errada, ela tentará fazer valer a máxima de que “não importa quão certo você esteja, você está errado”. Brecar os desejos irracionais da mulher é uma necessidade, embora a mulher não admita. Dominar a relação é, portanto, compreender e satisfazer as necessidades da mulher, ou seja, exercer a autoridade. É pela justa autoridade que está contextualizada a famosa submissão feminina que o feminismo insiste em distorcer66.

No anteriormente mencionado “Os princípios que regem as interações sociais”, a comparação de uma mulher com uma criança é bastante recorrente. Não é feito com intuito de ofensa, mas de elucidar melhor a questão sobre a necessidade feminina da autoridade masculina. A imposição de limites à mulher deve ser feito em benefício da mesma. Tais atitudes de liderança demandam autodisciplina e controle. É difícil, mas o homem honrado não deve fugir dessa responsabilidade.

A Real, portanto, possui instrumentos para ajudar na conquista do equilíbrio do relacionamento, mas prefere, em grande parte, optar pelo caminho “mais fácil”: vencer o “cu

65

HUNTER, James C. O Monge e o Executivo: Uma história sobre a Essência da Liderança. 18. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

doce” das vadias. Vencer o amor-próprio sentimental feminino com amor-próprio racionalista.

Inspirado pelo pensamento de Nelson Rodrigues, Luiz Felipe Pondé, em “Filosofia da Adúltera”, reflete:

Os jovens sempre têm razão porque são jovens, e com isso se destrói a própria possibilidade da juventude, que é se enganar e pedir desculpas pela falta de experiência da vida. De Nelson para cá a situação só piorou. Psicólogos, sociólogos, filósofos, pais e mães, padres, todos temem o jovem. Justificam-no em sua ignorância normal de jovem. Mães que querem aprender com suas filhas, deixando estas ao sabor do desespero do envelhecimento. Toda mãe que quer parecer a filha mata o futuro da filha, mostra que ela será uma ridícula como a mãe o é agora.

O discurso da morte da família é o discurso da morte da juventude. A invenção do direito de ser jovem inaugura o direito da imaturidade como lei no mundo. A única possibilidade de alguém ser jovem é que alguém o diga que está errado, que nada sabe. Por isso, Nelson repete várias vezes que, quando indagado sobre o que teria a dizer aos mais jovens, ele dizia: ―envelheçam‖. Mas quando envelhecer é apodrecer (como em nossa época, em que todos querem ser jovens para sempre), não há futuro para os mais jovens. A criação do ―jovem‖ como conceito revolucionário é a pior coisa que aconteceu para os mais jovens.67

Neste mesmo livro, há ainda um apelo que reflete bem o principal teor da crítica que é dirigido pelos conservadores a Real:

(...) O mundo do sexo tornou-se árido como três desertos e a mulher, descartável com como uma barata seca que se empurra para o lado.

Os piores homens são os que mais lucraram com a emancipação feminina porque nunca se preocuparam com as mulheres e agora têm a benção dos tempos modernos e das feministas, que impede que ela se sinta mulher diante de um homem com medo de trair sua liberdade para o nada. Não se pode amar e ser livre ao mesmo tempo. Nelson sabia disso.68

Por falar em Nelson Rodrigues, aproveitando para fazer um gancho com a discussão moral anterior, escreveu na crônica “Ser para sempre fiel”:

Hoje, na minha casa, penso de vez em quando no Meireles. E o gesto suicida parece tornar-se no mais transparente dos mistérios. Na época toda a Aldeia Campista perguntava: — ―Por quê?‖. Ninguém entendia nada. Mas o Meireles está diante de mim, tão nítido. Morreu do amor livre e, pois, de falta de amor. Tudo é falta de amor. O câncer no seio ou qualquer outra forma de câncer. É falta de amor. As lesões do sentimento. A crueldade. Tudo, tudo falta de amor.

67 PONDÉ, Luiz Felipe. O Jovem. In: A filosofia da adúltera: ensaios selvagens. São Paulo: Leya, 2013. p. 51-

52.

68 PONDÉ, Luiz Felipe. O desinteresse pelas mulheres. In: A filosofia da adúltera: ensaios selvagens. São

E o Meireles separou o amor e o sexo. E sempre há os que apodrecem em vida porque separaram o sexo e o amor. A toda hora esbarramos com sujeitos que praticam a variedade sexual. Esses vão morrer na mais fria, lívida, espantosa solidão. Por vezes, de madrugada, começo a jogar com as palavras. ―Quem tem uma tem todas. Quem tem todas não tem ninguém.‖

Depois do suicídio andaram fazendo na rua Alegre um censo das mulheres de Meireles. Falou-se em ―duzentas‖. Porque teve duzentas, o Meireles morreu virgem como uma solteirona de Garcia Lorca.69

Não ignorando a importância do amor, questionando inclusive o não-ensinamento de educação amorosa na escola e criticando a submissão aos instintos animalescos, Nelson escreveu em “A última „mulher fatal‟”:

Teria eu meus onze anos quando me infligiram as primeiras aulas de ―Educação Sexual‖. De vez em quando lê-se que a doméstica Fulana, parda, foi arrancada do namorado e seviciada não sei em que terreno baldio. Pois foi esta a minha sensação. Eu me sentia violado quando o professor falava em Sexo (e, de amor, nenhuma palavra).

Por que dizer aquilo a meninos e meninas e não a cabras, bezerros e vira-latas? O Sexo, estritamente Sexo, nada tem a ver com o pobre e degradado ser humano. É, repito, um problema dos já referidos bezerros, vira-latas e cabras. E nunca ninguém se dispôs a ensaiar uma ―Educação Amorosa‖.

Não me venham falar dos instintos (até hoje não sei por que os temos e não sei por que os suportamos). O homem começa a ser homem depois dos instintos e contra os instintos.70

Neste capítulo, analisamos o conteúdo da Real de modo mais crítico. No próximo, saindo um pouco do âmbito moral, vamos analisar a Real no contexto da guerra cultural que fortalece o esquerdismo e que tem nos movimentos feministas um importante ativismo subversivo.

69 RODRIGUES, Nelson. Ser para sempre fiel. In: RODRIGUES, Nelson; CASTRO, Ruy (coord.). O Óbvio

Ululante: primeiras confissões (crônicas). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 75.

70

RODRIGUES, Nelson. A Última “Mulher Fatal”. In: RODRIGUES, Nelson; CASTRO, Ruy (coord.). O Óbvio Ululante: primeiras confissões (crônicas). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 78.

4 REAL: O RESULTADO DA DIALÉTICA HEGELIANA

De acordo com os psicólogos sociais, a transformação não pode ocorrer sem que antes sejam cumpridas as duas primeiras fases dos fatos e sentimentos, sem o que o terreno comum não pode ser encontrado. Com o terreno comum, ou o consenso, os psicólogos sociais procuram resolver a dicotomia de crença/ação que vêem na vida. Essa dicotomia ocorre quando declaramos que acreditamos em uma coisa e agimos de modo diferente. Nossos fatos e sentimentos nem sempre estão em harmonia. Mesmo que digamos que certa regra "é" correta, isso não significa que não podemos achar que "isto deveria ser" diferente. Todos temos nos comportado de acordo com nossos sentimentos, indo atrás do que convém, em vez do que sabemos ser o certo. No que se refere às leis de Deus, esse comportamento é conhecido como pecado (Dean Gotcher).

Chegamos ao ponto crítico do trabalho. O confronto da Real com a Real. Eis a questão: estaria a Real em conformidade com suas intenções declaradas de luta contra o esquerdismo e o Marxismo Cultural? Vimos anteriormente que o diagnóstico da Real em relação à problemática dos relacionamentos modernos é preciso, mas, de modo geral, a Real faz bom uso deste conhecimento?

A Real ensina que não devemos avaliar uma mulher pelo que ela diz de si, mas conforme suas ações. Queremos agora analisar a Real não pelo que o movimento diz de si, mas pelas ações que ela efetivamente prega e faz.

No documento A Complexa Sedução Da Matrix - Augusto (páginas 43-50)