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Este capítulo apresenta as principais políticas de acesso e permanência que foram implantadas no ensino superior brasileiro a partir dos anos 2000. É feita uma discussão sobre a ampliação do FIES, a criação do PROUNI, o incentivo a EaD, através da criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), a implementação do REUNI e a institucionalização da política de cotas nas IFES.

Em seguida, faz-se uma análise sobre evasão e retenção no ensino superior, trazendo alguns estudos internacionais e nacionais sobre o tema, apresentando conceitos e tipologias desses fenômenos que estão presentes nos diferentes sistemas de ensino superior. No fim do capítulo, procurou-se apresentar um cenário de como foram se configurando as ações de assistência estudantil no ensino superior brasileiro ao longo dos anos até se concretizar em uma política de governo, através da criação e implementação do PNAES nas IFES.

3.1 As políticas recentes de acesso ao ensino superior

O ensino superior tem crescido em todo o mundo. Em 1900, havia 500 mil estudantes de nível superior em todo o mundo, no ano 2000 esse quantitativo passou para 100 milhões e, em 2011, ficou em torno de 190 milhões. Na América Latina, o número de estudantes de nível superior passou de 1,9 milhões em 1970 para 8,3 milhões em 1990; e cerca de 25 milhões em 2011. No Brasil, existiam 425 mil estudantes no ensino superior em 1970, 1 milhão em 1990, e em 2019são mais de 8 milhões (Schwartzman, 2014).

Nas duas últimas décadas, a educação superior brasileira foi marcada por forte expansão. Foi um crescimento constante e significativo. Houve um ritmo acelerado de 1999 a 2002 (segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso) em que ocorreu uma

proliferação de instituições privadas, com autonomia para criar novos cursos e aumentar o número de vagas ofertadas. Nos anos dos governos Lula-Dilma (2003-2016), o crescimento se manteve constante, embora em ritmo mais moderado e em sintonia com as políticas de inclusão social (Ristoff, 2014; Sguissardi, 2016).

Nesse contexto e com o objetivo de fazer uma avaliação anual do domínio das competências e habilidades que os estudantes desenvolviam ao longo do ensino fundamental e médio, em 1998 houve a criação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que, de acordo com o discurso governamental, era uma proposta de avaliação geral do ensino brasileiro, que visava subsidiar a construção de políticas educacionais.

Esse mecanismo de avaliação também foi criado para servir de referência para os egressos do ensino médio e fornecer dados de acesso aos cursos profissionalizantes e de ensino superior (Oliveira, 2013). Assim, os dados desse exame serviam para mensurar desempenhos pessoais e das escolas, de modo a contribuir para a reorganização e reformulação do currículo do ensino médio (Li, 2016).

O Conselho Nacional de Educação, através do Parecer nº 98/1999, permitiu o uso do ENEM como modalidade isolada ou concomitante aos processos seletivos para o ensino superior (vestibulares). Com a Portaria MEC nº 391/2002, estabeleceu-se que este processo seletivo poderia ser uma forma alternativa ou complementar de acesso a cursos profissionalizantes de nível superior e de graduação.

Em 2004, o MEC vinculou a disponibilização de bolsas em IES privadas à nota obtida no ENEM; e no ano de 2009, com a Portaria MEC nº 462, este exame passou por uma reestruturação, estabelecendo novos objetivos: certificação de conclusão do ensino médio, avaliação de desempenho dos ingressantes na educação superior e avaliação de desempenho acadêmico dos concluintes do ensino médio por escola.

Com a Portaria MEC nº 807/2010, o ENEM se tornou um exame unificado de acesso ao ensino superior. Desse modo, o MEC passou a incentivar a sua utilização como forma seleção unificada nos processos seletivos das IFES, condicionando o aumento no repasse de recursos financeiros para as instituições que aderissem a esse sistema. As IFES poderiam optar por quatro possibilidades de utilização desse exame como processo seletivo: como fase única; como primeira fase; combinado com o vestibular e como fase única para as vagas remanescentes do vestibular (Li, 2016).

A partir do crescimento na adesão das IFES a esse novo processo seletivo, houve um aumento significativo de estudantes que participaram do ENEM. Além disso, em 2011, foi estabelecida a obrigatoriedade de participação nesse exame para poder fazer a solicitação do FIES, e em 2013, a nota obtida no ENEM passou a ser utilizada como requisito a bolsas para o Ciência Sem Fronteiras13.

Com o estabelecimento do ENEM como um exame unificado de acesso ao ensino superior, houve a criação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), através da Portaria MEC nº 21, de 05 de novembro de 2012. Este é um sistema informatizado, gerenciado pela Secretaria da Educação Superior do MEC, por meio do qual são selecionados estudantes a vagas em cursos de graduação ofertados pelas IES públicas. O processo de seleção dos estudantes para as vagas disponibilizadas por meio do SiSU é efetuado, exclusivamente, com base nos resultados obtidos pelos estudantes no ENEM.

O ENEM possibilitou que os estudantes egressos do ensino médio pudessem realizar as provas nas suas próprias cidades, sem necessidade de se deslocar para os grandes centros urbanos, pois houve um aumento no número de municípios que passaram a realizar o exame.

13Programa criado em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff, para incentivar a formação acadêmica no exterior, através

do intercâmbio e mobilidade em universidades de excelência de outros países, com o intuito de promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência brasileira. O programa ofertava bolsas para estudantes de graduação e pós- graduação. Em 2017, o MEC anunciou o encerramento de bolsas para estudantes de graduação.

O que pode ter contribuído para a ampliação do acesso ao ensino superior, principalmente, para os jovens das classes populares.

No processo de expansão do ensino superior brasileiro, destacam-se os seguintes programas e políticas: ampliação do FIES; o PROUNI; a Universidade Aberta do Brasil; o REUNI e as Cotas. Os dois primeiros programas apoiaram o crescimento das IES do setor privado e os três últimos buscaram expandir o sistema federal de ensino superior.

O FIES foi criado em 1999, no início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pela Medida Provisória nº 1.827, substituindo o Programa de Crédito Educativo (CREDUC), que foi o primeiro programa de incentivo ao acesso de estudantes no ensino superior brasileiro, criado em 1975 e extinto em 1998. O FIES foi convertido em lei (nº 10.260), em 12 de julho de 2001, tornando-se um programa de financiamento público da educação superior para estudantes matriculados em IES privadas, em que o governo brasileiro assume os gastos com matrícula e mensalidades do estudante durante toda a graduação.

Inicialmente, o FIES exigia que os estudantes (contratantes) apresentassem fiadores e patamar mínimo de renda. Ao longo dos anos, mudanças foram sendo adotadas nos critérios de seleção para novos financiamentos, facilitando o ingresso de novos discentes, dando-se prioridade aos estudantes melhor classificados no ENEM e cuja renda familiar bruta total não ultrapassasse vinte salários mínimos. Hoje, de acordo com o perfil e o interesse do contratante, o valor financiado varia de 50% a 100% do montante total das mensalidades do curso. O reembolso do capital inicia-se após o período de carência, dezoito meses após a conclusão do curso (Carvalho, 2016).

O critério de seleção do FIES é socioeconômico e os estudantes podem solicitar o financiamento em cursos presenciais de graduação, com avaliação positiva no Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES)14, oferecidos por IES participantes do

programa, e que atendam às exigências estabelecidas nas normas. Nas atuais regras do FIES, o estudante paga, durante a duração do curso, a cada três meses, o valor máximo de R$ 50,00. Após a conclusão do curso, o estudante tem dezoito meses de carência e, continua pagando, a cada três meses o valor máximo de R$ 50,00, este pagamento é referente aos juros incidentes sobre o financiamento. Encerrado o período de carência, o saldo devedor é parcelado em até três vezes a duração do curso financiado.

Na primeira década de vigência (2001-2010), o FIES foi uma política pouco expressiva, formalizando cerca de 600 mil contratos. No entanto, a partir de 2010, foi alvo de mudanças constantes nas regras de acesso e financiamento: passou a ser operado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o que fez com que a Caixa Econômica Federal passasse a atuar como agente financeiro; a redução da taxa de juros de 6.5% para 3,4%; o financiamento de até 100% dos encargos educacionais e o requerimento da inserção no programa a qualquer momento por meio de sistema eletrônico gerenciado pelo FNDE.

De acordo com Santos e Guimaraes-Iosif (2017), as alterações realizadas estão relacionadas, em grande parte, às demandas do setor privado, que concebe o FIES como uma ferramenta de captação e permanência dos estudantes na educação superior e, consequentemente, de consolidação dos grupos privado-mercantis que formam os conglomerados no ensino superior privada.

Esses ajustes no FIES geraram um crescimento exponencial dos contratos e uma ampliação da materialidade da política, com impacto direto nos recursos orçamentários da União para a educação. Entre 2000 e 2010, o programa manteve um crescimento gradual que

14Foi criado em 2004 e realiza as avaliações das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes. São avaliadas as

seguintes dimensões: ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, desempenho dos discentes, gestão, corpo docente e instalações. Conta com uma série de instrumentos: autoavaliação, avaliação externa, Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação (Censo e Cadastro). Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES).

ficou entre 32 e 77 mil contratos formalizados anualmente. A partir de 2011, houve um crescimento vertiginoso, atingindo 732 mil contratos em 2014.

Em cinco anos (2011-2015), foram firmados 2,1 milhões de contratos passando de 76 mil, em 2010, para 732 mil, em 2014, equivalente a um salto de 963% (Sampaio, 2014; Santos & Guimaraes-Iosif, 2017). Em 2015, mesmo com a diminuição dos recursos para o FIES, foram assinados 287 mil contratos. Ao longo dos 17 anos do FIES, foram realizados mais 2,6 milhões de financiamentos (Sampaio, 2014; Carvalho, 2016).

As novas regras do FIES promoveram uma explosão no número de financiados. Muitas IES privadas começaram a incentivar estudantes já matriculados a entrar no FIES, pois este repassaria os valores diretamente para as instituições e estas teriam dinheiro garantido; a dívida ficaria com o estudante e o risco, com o governo. Para estimular os estudantes a contratarem o FIES, as IES privadas se valeram de diversas estratégias, como a distribuição de tablets, feirões para esclarecer como funciona o FIES e prêmios para quem indicar um amigo (Toledo, Saldaña & Burgareli, 2015).

Com os recursos do FIES, as IES privadas têm garantido o pagamento das mensalidades de uma grande parcela de estudantes que estão no ensino superior. A Kroton/Anhanguera, a Estácio, a Ser Educacional, a Anima, a DeVry, a Laureate e a Universidade Paulista (Unip) comportam uma em cada quatro matrículas no setor. Entre 2010 e 2014, a taxa de matrículas desses conglomerados saltou de 12,8% para 27,8% do total (Santos & Guimaraes-Iosif, 2017).

Enquanto os conglomerados cresceram, as demais instituições registraram queda de 5,8% no número de matrículas [...] em 2010, esses grupos de conglomerados recebiam apenas 0,28% do total destinado ao FIES – R$ 2,4 milhões. Quatro anos depois, a participação subiu para 27,36% – R$ 3,7

bilhões. No período, foram R$ 28,5 bilhões reservados ao programa, dos quais R$ 6,6 bilhões financiaram universitários dos oito conglomerados (Toledo, 2016, s./p.).

Segundo dados dos Relatórios de Gestão do FIES de 2016, 1,9 milhões de estudantes com contrato de financiamento representavam 41% do contingente matriculado nas IES privadas em 2014. Assim, o FIES antes de ser um apoio ao estudante, é uma transferência de recursos que é fundamental para a sobrevivência de grande parte das instituições privadas. Isto evidencia que a disputa e apropriação do fundo público pela iniciativa privada no campo da educação superior está dentro da dinâmica de reprodução do atual contexto da sociedade capitalista e funciona como mecanismo de valorização do capital (Souza Filho, 2016; Cabral Neto & Castro, 2018).

Tendo algumas similaridades com o FIES, o PROUNI foi criado em 2005, por meio da Lei nº 11.096, com a finalidade de conceder bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação em IES privadas; como contrapartida, o governo brasileiro passou a oferecer isenção de alguns tributos às instituições de ensino que aderissem ao programa. O PROUNI foi anunciado pelo governo federal como sendo o carro-chefe na democratização da educação superior brasileira.

O programa visa beneficiar estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais ou parciais. Os estudantes assistidos com a bolsa não podem ter diploma de ensino superior e a renda familiar mensal per capita deve ser de até um salário mínimo e meio (para obter bolsa integral) e de até três salários mínimos (para pleitear bolsa parcial de 25% ou 50%). Além disso, professores da rede pública de ensino podem optar pelo programa para fazer cursos de licenciatura.

O PROUNI surge inicialmente com um discurso de justiça social, tendo como público- alvo os estudantes da classe popular, o que vem corroborar com os interesses de parte da sociedade civil, dos movimentos sociais em prol das ações afirmativas, bem como dos egressos do ensino médio público, por não se considerarem uma demanda potencial às IES públicas, frente às barreiras impostas pelos exames vestibulares.

Mas em um contexto de muitas vagas ociosas nas IES privadas, o PROUNI e o FIES visam também dar resposta à pressão feita pelas associações representativas dos interesses do segmento privado, no sentido de resolver este problema que, associado a um quadro de inadimplência e evasão de estudantes, deixa a situação financeira destas instituições fragilizada (Catani, Hey & Gilioli, 2006; Nogueira, 2008; Maciel, 2014; Carvalho, 2016).

Nesse sentido, o PROUNI foi criado para preencher as vagas ociosas no setor privado com os estudantes das camadas populares, que representam grande parte da demanda por ensino superior e que não podem custeá-lo. A criação do programa, sob o argumento de regulamentação das isenções fiscais e de democratização do acesso ao ensino superior, trouxe novo fôlego às instituições privadas, que estavam com um número excessivo de vagas ociosas, o que gerava um quadro de incerteza no setor educacional privado. O PROUNI se tornou uma excelente oportunidade de “fuga para frente” das instituições privadas, que se encontravam ameaçadas pelo peso das vagas ociosas (Nogueira, 2008; Maciel, 2014).

Neste sentido, o PROUNI é muito atraente para as IES privadas, principalmente as que têm fins lucrativos, pois ficam isentas dos seguintes impostos e contribuições: Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Nos casos do IRPJ e da CSLL, a isenção recai sobre os lucros das instituições com fins lucrativos; nos casos do PIS e da Cofins, incide sobre a

receita. As instituições privadas sem fins lucrativos, uma vez que já não pagam IRPJ nem CSLL, só ficam isentas do PIS e da Cofins.

As IES privadas que aderem ao PROUNI devem oferecer uma bolsa integral para cada 10,7 estudantes regularmente pagantes e devidamente matriculados no fim do ano correspondente ao período letivo anterior. Isso significa 10 bolsas integrais para cada 107 estudantes pagantes. Assim, as instituições devem conceder bolsas na proporção necessária até que a soma destas atinja o equivalente a 8,5% da receita anual dos períodos letivos que já têm bolsistas do programa supracitado (Sampaio, 2014).

O PROUNI pode ter trazido a percepção simbólica de obter um diploma de nível superior para as pessoas que conseguiram permanecer no sistema e, talvez, uma chance real de ascensão social para poucos que estudaram no seleto grupo de instituições privadas de qualidade. Todavia, para a maioria, cuja porta de entrada encontra-se em estabelecimentos lucrativos e com pouca tradição no setor educacional, o programa pode ter sido apenas uma ilusão e/ou uma promessa não cumprida, pois a gratuidade integral ou parcial para estudar não é suficiente para os estudantes assistidos, tendo em vista que estes necessitam de apoio estudantil para permanecer no ensino superior, que mesmo ainda sendo insuficiente, só pode ser encontrada nas instituições públicas (Carvalho, 2016).

Em que pese à legitimidade social do FIES e do PROUNI, que atenderam parcialmente algumas reinvidicações da classe trabalhadora por acesso ao ensino superior, permitindo o ingresso de milhões de jovens, esses programas também possibilitaram um aumento enorme nos lucros das instituições privadas. Alguns cursos superiores ofertados em IES privadas e filantrópicas são de qualidade questionável e voltados às demandas imediatas do mercado, porque o critério para o oferecimento dos cursos nessas instituições são suas planilhas financeiras, o que restringe as possibilidades profissionais dos estudantes e a

contribuição que essas IES poderiam dar para o desenvolvimento das diferentes áreas de conhecimento (Helene, 2011; Mancebo et al., 2015).

O FIES e o PROUNI, mesmo oferecendo diferentes estratégias, crédito estudantil e bolsas, têm configurações muito parecidas, beneficiando instituições privadas sem e com fins lucrativos, exigindo delas apenas que não tenham avaliação insatisfatória duas vezes seguidas no SINAES. O impacto do financiamento público mediante o FIES e o PROUNI na expansão das matrículas de ensino superior é bastante significativo, especialmente em períodos de estagnação do número de concluintes do ensino médio; o que leva a estabilização da demanda demográfica de ensino superior e a elevada concorrência entre as instituições é o financiamento público que sustenta o crescimento das taxas de matrículas das instituições privadas (Sampaio, 2014).

Dos mais de 8 milhões de estudantes existentes no ensino superior brasileiro em 2019, a maioria está no setor privado. Do pouco mais de seis milhões de estudantes no setor privado, em torno de 1,3 milhões recebe algum tipo de financiamento público, seja por meio de bolsas integrais e parciais do PROUNI, seja mediante o crédito estudantil do FIES. Isso significa que o financiamento da clientela de ensino superior privado no Brasil já atingiu um número de estudantes bem maior que o contingente de discentes nas universidades federais e mais que o dobro do número de estudantes que frequentam as universidades estaduais, mesmo depois da ampliação do acesso às universidades públicas federais (Carvalho, 2016).

Esses dados evidenciam a dimensão da mercantilização, privatização e financeirização que está em andamento nas políticas para o ensino superior brasileiro. Tem ocorrido uma redução dos gastos do fundo público na educação superior pública e em paralelo há um aumento de programas com face privado-mercantil. Adotando uma concepção restrita de democratização da educação (ampliação das vagas e matrículas no ensino superior), o governo brasileiro vem respondendo às orientações dos organismos internacionais do capital,

como o Banco Mundial. As propostas ditas democratizantes têm se consolidado preferencialmente na iniciativa privada, o que incentiva o processo de mercantilização da educação superior.

A mercantilização de todas as esferas da reprodução social tem sido uma das alternativas tomada pelo capital para a recuperação de suas taxas de lucros, através da busca de novas atividades rentáveis. As propostas de universalização e democratização da educação são reordenadas de acordo com as atuais necessidades de reprodução do capital. Estes processos não se dão de forma consensual e homogênea e, sim, são alvo de conflitos de classe pela disputa de hegemonia (Nogueira, 2008). Assim, a expansão do ensino superior, que vem sendo operada no Brasil nas últimas décadas, é parte de um movimento de “restauração plena da economia política do capital” (Coutinho, 2008, p. 103), de tentativa de restaurar as condições propícias para reprodução ampliada do capital. Observou-se, no entanto, que mesmo de forma restrita, houve uma tendência de aumento nos investimentos na educação superior pública federal, conforme será discutido a seguir.

A modalidade EaD tem sido outra estratégia utilizada para expansão da educação superior brasileira. Os primeiros dados sobre essa modalidade de ensino aparecem no censo dos anos 2000, com 1.682 matrículas na rede pública. Ao longo dos anos, o EaD não parou de crescer, em 2010 alcançou um total de 930.179 matrículas, e em 2017 se encontra com 1,76 milhões de estudantes. Até 2002 as instituições credenciadas para ofertar EaD eram apenas do setor público, mas a partir de 2003 ocorreu um aumento crescente da participação do setor privado. A partir de 2005, as IES privadas passaram a ter a hegemonia no número de matrículas, cursos e oferta de vagas nessa modalidade de ensino, sendo responsável por 90,5% das matrículas no ano de 2017 (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior, 2019).

Não obstante a oferta de EaD sendo superior na rede privada, a rede pública também amplia essa modalidade de ensino, principalmente por meio da UAB, criada pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, “um sistema voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país”:

A UAB não cria uma nova instituição de ensino paralelo às IES, mas articula as IES já existentes, mediante convênios e parceiras que envolvem as esferas

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