• Nenhum resultado encontrado

5. A INDISPONIBILIDADE PATRIMONIAL

5.5 DO USO DA VIA ELETRÔNICA NA PRÁTICA DE ATOS

5.5.3 Acesso Eletrônico aos Bancos de Dados de Interesse Público

Justifica-se a inserção de tal temática no presente estudo haja vista que os dados constantes dos repositórios de informações que tem interesse para o Processo Judicial consubstanciam-se em Documentos Eletrônicos (arquivos digitais), protegidos contra o acesso indiscriminado, bem como, que para perfectibilizar a ordem de indisponibilidade de bens, deverá o juiz ter acesso ao banco de dados dos órgãos e entidades de supervisão e registro de propriedade de bens em geral.

Enquanto Projeto de Lei 5.828/01, a Lei 11.419/2006, sofreu crítica pelo relator Senador Osmar Dias, nos seguintes termos:

[...] materialmente inconstitucional é o artigo 11, uma vez que exige de todas as pessoas jurídicas nacionais que passem a oferecer acesso eletrônico a suas bases de dados que possam ter relevância em qualquer processo judicial – e é o mesmo que dizer todas as bases – flagrantemente violando o direito ao sigilo das informações, resguardado, entre outros dispositivos, pelo art. 5º, inc. XII da Constituição Federal.71

Não obstante as razões invocadas pelo relator, o dispositivo foi restaurado nos termos do artigo 13 da Lei 11.419/2006:

Art. 13. O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.

§ 1o Consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.

71 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá. 2007, p. 119-

§ 2o O acesso de que trata este artigo dar-se-á por qualquer meio

tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência.

Cabe perquirir-se, nesse momento, portanto, da harmonização entre direitos de distintas naturezas: o direito a intimidade e vida privada e o de outro lado, o

interesse da coletividade.

Luiz Guilherme Marinoni, ao comentar sobre os poderes do juiz e o resguardo da intimidade do devedor na execução por quantia certa, assim se manifesta na espécie:

Não é comum pensar que o credor, ou mesmo o juiz de ofício, não podem solicitar informações à Receita Federal, ao Banco Central ou aos bancos e empresas privadas, em razão da necessidade de resguardo ao direito de intimidade do devedor.[...]

Ainda que se considere a existência de um direito fundamental ao sigilo de dados, o certo é tal direito, diante do critério da proporcionalidade, ceder ao direito fundamental do credor à efetividade da tutela jurisdicional, todas as vezes que o devedor mantém posição de inércia de pagar ou nomear bens à penhora. [...]

Por isso não há como aceitar a procedência do julgado do STJ que concluiu que o “o juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal, ao Banco Central e às demais instituições detentoras de informações sigilosas sobre o executado, após o exeqüente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obtê-las para encontrar o executado e seus bens72”.

Ao parece, esse julgado esquece que o devedor possui a obrigação de nomear bens à penhora em obediência ao art. 655 do CPC, que prioriza, em seu inciso I, o dinheiro. Diante do descumprimento dessa obrigação, viola-

se o direito do credor de obter dinheiro para a satisfação do seu crédito. Afrontando o devido processo legal, o devedor nega, por conseqüência, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.73

Na colisão entre o direito privado a intimidade e o interesse da coletividade no direito fundamental à tutela efetiva, impõe destacar a doutrina de Bandeira de Mello:

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é principio geral do Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações

72 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 282717, da 1a Turma, Rel Min. Garcia

Vieira, DJ 11.12.2000, disponível em

<http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=200001053388&data=11/12/2 000>. Acesso em: 11 jan. 2008.

concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. 74

De outra banda, como afirma o próprio autor, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento da República do Brasil e afasta a idéia do predomínio absoluto das concepções transpessoalistas de Estado e Nação em detrimento da liberdade individual. Assim sendo, deve-se agir com cautela e moderação, observado o principio da razoabilidade e proporcionalidade que informam o direito. O objetivo da salvaguarda do Direito a Intimidade é proteger a pessoa humana do uso pernicioso de informações que dizem respeito a sua intimidade. Na esfera judicial, deve-se objetivar a busca da verdade real no processo, além da dar cumprimento ao direito fundamental da efetividade às suas decisões.

Desta feita, conforme leciona Edilberto Barbosa Clementino, “a resposta para essa indagação encontra-se na hermenêutica que privilegie determinados Princípios prevalentes em detrimento de outros com a redução do alcance do Princípio de menor valor axiológico no caso concreto”. 75

Sob tal prisma, parece-nos que o Código de Processo Civil e o Código Tributário Nacional trazem importante resguardo ao direito de intimidade e sigilo de dados do devedor, estabelecendo o parágrafo segundo do artigo 655-A do CPC, que “as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução” e estabelecendo o parágrafo primeiro do artigo 185-A do CTN que “a indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite”.

Desta feita, portanto, o juiz determinará a indisponibilidade dos ativos financeiros junto à instituição bancária até o limite do quando devido, sem tomar conhecimento, portanto, da movimentação financeira do devedor, vindo ao processo somente a informação prestada pelo agente financeiro sobre o resultado da medida e o quantum indisponibilizado. Sobre tal tema, outrossim, importante que sejam trazidas algumas ilações ao debate, o que será objeto de breve estudo a seguir.

74 MELLO, Celso Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

p. 67-68.