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Os investigadores necessitam ter em consideração as condições nos seus campos de estudo, se querem conduzir efectivamente uma pesquisa num contexto social particular (Burgess, 1994, p.34).

Neste sentido e tendo a noção de que somos como investigador o principal instrumento de produção de dados, onde procurámos que o trabalho de campo não se alicerce sobre uma cultura como o conhecimento imediato dessa cultura, o que seria um engano, como se o seu entendimento estivesse apenas na sua aparência mais visível, que decorresse apenas dos níveis mais descritivos do fazer e do falar locais (Caria, 1997, p.129).

É nesta perspectiva que pretendemos mobilizar a nossa experiência e cultura (de inves- tigador) que permite conflituar e comparar as interpretações locais com as que atraves- sam o vivido do investigador.

Sabemos quão complexas são as relações que se estabelecem entre os diferentes actores na organização Hospital, e esta própria como actor. Na organização hospital, como actor, interessa considerar a missão, constituída pelas suas finalidades, estratégias e acti- vidades, operacionalizada numa estrutura em que os actores individuais desenvolvem

relações profissionais de trabalho e formação, mas também o doente, que valorizamos como alvo e centro do referido processo e simultâneamente “produtor” do mesmo. Numa perspectiva das relações sociais desenvolvidas entre os diferentes actores na pro- dução de cuidados aos doentes, consideramos os enfermeiros, os médicos e as auxiliares de acção médica, como caracterizámos antes.

Sabemos da existência de diferentes papéis e consequentemente estatutos diferentes na produção de cuidados e decorrentes dessa mesma produção, que conduzem à existência de jogos de poder, de estratégias de negociação entre os diferentes actores.

É neste contexto que os estudantes de enfermagem são integrados, numa perspectiva de socialização secundária, razão principal para seleccionarmos uma unidade de interna- mento de medicina, para estudar este fenómeno.

Pensamos que na compreensão do “processo de cuidados” pode estar a possibilidade de compreendermos a necessária articulação entre a formação teórica e a formação prática. Consideramos em simultâneo que, tal como referido por Caria (1994, p.126) que cita Wolcott, primeiro a etnografia justifica-se porque se visa estudar uma cultura que nos seja discrepante e não estudar práticas, por um lado, e representações sociais, por outro; visa-se entender a união indissociável, realizada quotidianamente pelos actores sociais, entre fazeres e saberes, e entre estes e as interpretações que os actores fazem colectiva- mente dessas ocorrências para poderem gerir os processos de socialização, ou os disfun- cionamentos do grupo. Segundo, não existe uma homogeneidade ou tendencial unifor- midade cultural, vivemos numa sociedade pluricultural, não só etnicamente mas tam- bém, porque existem desigualdades sociais (...) que são condicionadoras dos modos de fazer e pensar na mesma sociedade.

Podemos então dizer que pretendemos essencialmente descrever uma cultura (...) e mais do que estudar as pessoas, com a etnografia pretendemos «aprender» com as pessoas (Spradley, 1980).

O local

Decorrente dos aspectos antes referidos, bem como das questões de investigação formu- ladas, procurámos seleccionar o contexto organizacional que apresentasse determinadas características que passamos a referir:

• A organização (Hospital) no seu sub-sistema de enfermagem, preconiza um quadro de referência explícito, consentâneo com o quadro de referência de formação (Esco- la);

• Grande número de enfermeiros, diplomados pela Escola Superior de Enfermagem;

• Investigador como formador externo para os enfermeiros, no âmbito da reflexão sobre as questões do processo de cuidados.

• Resultados de investigação realizada pelo investigador em 1993/94, situando-se estes a dois níveis:

− Os que caracterizam a unidade seleccionada, de forma genérica, numa pers- pectiva sociológica e os provenientes da opinião dos professores.

Quanto aos primeiros salientamos:

• Emergência de quatro dimensões do processo de cuidar:

− Passagem de turno, caracterizada essencialmente pelo facto de existir uma responsabilização clara de cada enfermeiro, por um número de doentes que já conhece ou passará a conhecer com base na informação dos registos de enfermagem, considerados como instrumentos de trabalho.

− Prestação de cuidados, de acordo com planeamento individualizado, em que existe a figura da enfermeira responsável, que permite estabelecer uma rela- ção interpessoal que se desenvolve com base em todas as etapas da metodo- logia científica.

− Interacção social, desenvolvida com base no trabalho de equipa, com fun- ções devidamente definidas.

− Registos, utilizados e valorizados na perspectiva da continuidade de cuida- dos, demonstrando a utilização de um modelo explícito para o processo de cuidar, convergentes com os princípios orientadores da Escola.

Para o grupo de professores de enfermagem inquiridos, salientaram-se os resultados:

• "... Existe uma responsabilização clara de cada enfermeiro por um número de doen- tes que são conhecidos ou passará a conhecer com base nos registos de enfermagem, considerados como instrumento de trabalho";

• "Os doentes de processo(1) são melhor conhecidos pelos enfermeiros, devido à rela- ção interpessoal que se desenvolve em todas as etapas da metodologia científica";

• "Existe a preocupação da individualização dos cuidados, procurando-se o trabalho de equipa, com funções devidamente definidas";

• "Os registos(2) são utilizados e valorizados na perspectiva de continuidade de cuida-

dos";

• "Existe um modelo explícito para o processo de cuidar e elementos convergentes com os princípios orientadores da Escola";

• "O tipo de processo de cuidar na unidade, possui um conjunto de características que lhes permitem fazer do ensino clínico um espaço onde os alunos aprendem enfer- magem por excelência, isto porque encontram neste contexto a possibilidade de aplicar o que aprenderam no ensino teórico". (Amendoeira, 1996, 24; 25 e 29)

Para além dos critérios que podemos relacionar com a problemática em estudo, tivemos ainda em consideração outros critérios, estes de ordem metodológica, que tal como defi- nidos por Spradley (1980), dão consistência à nossa decisão.

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(1) Os doentes a quem a enfermeira fez acolhimento, avaliando as necessidades e planeando as acções de enfermagem, com base no diagnóstico de enfermagem.

(2) Informação sobre cada um dos doentes, registada em espaços próprios se constitui numa base de dados utilizada em continuidade.

Assim, consideramos o primeiro critério – Simplicidade, pois seleccionamos situações de complexidade menor quando decidimos acompanhar um enfermeiro na prestação de cuidados aos doentes que tem a cargo, na perspectiva de um conjunto de actividades, realizadas num determinado local, por um actor específico naquilo que se pode designar por “situação social” e representada pelo seguinte esquema:

Figura nº 3 – Representação esquemática da situação social