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O ACESSO AOS ESPAÇOS PÚBLICOS UM POSSÍVEL CAMINHO PARA A EQUIDADE ESPACIAL

No documento NEIGHBOURHOOD & CITY (páginas 146-148)

As cidades variam enormemente no que diz respeito à forma urbana, como são organizadas, e como têm sido moldadas por fatores económicos e decisões políticas concernentes ao uso do espaço (para habitação, comércio, infraestruturas, estradas e espaços livres, etc.), e como os recursos naturais e cénicos são usados. Cada cidade é única, e nesta particularidade, molda seus moradores. Há cidades que sensibilizam os habitantes para algumas preocupações, enquanto outras desencorajam. Embora únicas, a maioria das cidades têm problemas similares relacionados à questões da paisagem urbana. Levantamentos no âmbito dos projetos URGE e GreenKeys revelam que enquanto algumas cidades em termos quantitativos contam com espaços suficientes, mas com distribuição desigual ou uma tipologia muito simplificada para atender as necessidades de seus habitantes; outras carecem até mesmo de um mínimo básico (Smaniotto et al., 2008). Mesmo aquelas que dispõem de uma certa abundância em espaços verdes, com estruturas e tipos variados, contam muitas vezes com recursos financeiros e humanos inadequados para a manutenção (Wilkinson, 144

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1 Organização Mundial de Saúde; este índice que varia de 8 a 12 m2, não pode, porém, ser constatado em literatura primária. 2http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1759320-minhocao-tem-novo-acirramento-em-disputa-sobre-o-futuro-do-

elevado.shtml. Acessado a 20/12/2017

2007). A falta de espaços públicos (e naturais) para o lazer em áreas urbanas desnuda a precariedade de nossas cidades e, portanto, as deficiências do modelo de desenvolvimento seguido (ou omitido). Sabemos que em muitas cidades o modelo atual de desenvolvimento não dá a atenção necessária ao meio ambiente e aos crescentes problemas de segregação espacial.

Os espaços livres, em particular os verdes, são usados para mensurar a qualidade de vida. O índice de espaço verde per capita é um comum indicador para avaliar a saúde urbana, onde é frequente uma suposta recomendação da OMS1de área verde por habitante. A adoção de índices e padrões, próprios ou da OMS, embora metas, devem ser passíveis de serem alcançados num futuro próximo. Estes espaços, não podem, porém, ser vistos somente como um mero cumprimento de planos e leis urbanísticas. Isso resulta em espaços mal localizados, não integrados no contexto urbano e longe de cumprir adequadamente um papel social. A falta de espaços apropriados ao exercício do lazer leva à ocupação de espaços inadequados ou inóspitos. Poluição atmosférica e sonora, e falta de equipamentos, em muitos casos, não inibem o uso, como evidencia o caso do Minhocão em São Paulo2. Um viaduto que muitos querem ver demolido por ter deteriorado e derrubado os preços dos imóveis ao redor, assume um papel ambíguo, durante o dia fica abarrotado de automóveis, mas quando fica interditado ao trânsito transforma-se em área de lazer, sendo usado para passear, a jogar a bola ou encontrar amigos. O viaduto vira “uma sedutora combinação de feiura

e beleza“ (NYT, 2014). Para Barberena (2011), os espaços públicos são os

elementos mais idôneos para avaliar o êxito e/ou a agonia das políticas e ações públicas. Eles permitem-nos avaliar a eficiência e competência das administrações atual e anteriores, para gerar transformações urbanas sustentáveis. Investimentos em espaços públicos são o testemunho da vontade dos governos de honrar sua responsabilidade para a construção das cidades sustentáveis. Isso também significa pensar o espaço público não como uma unidade isolada, seja ele uma rua, parque ou praça, mas como uma parte vital da paisagem urbana com um conjunto de funções próprias. O espaço público funciona melhor quando há uma relação direta com o entorno construído e com as pessoas que ali vivem e trabalham (Rogers, 1999). Um espaço para ser usado deve ser acessível (Lynch, 1981), o que é também essencial para que utentes possam atribuir-lhe um significado, e isso por sua vez é importante na formação do senso de lugar e vinculação da comunidade (Francis, 1989). Van Vliet (1983) cita como exemplo adolescentes e idosos, a quem esses espaços oferecem oportunidades de socialização informal e redução da sensação de isolamento, fazendo com que ambos grupos -se sintam parte da sua comunidade.

Constatamos que há três tipos de acesso aos espaços públicos. O primeiro é o acesso físico – a possibilidade de entrada de utentes a um determinado espaço.

Elementos importantes são a integração no contorno e principalmente a questão do tráfego e segurança rodoviária. Em uma escala mais local há vários elementos, como muros, portões e escadas que restringem o acesso aos espaços. O segundo é o acesso social – ele determina se o espaço é propício para determinadas classes ou grupos de utentes. Aqui enquadram-se aqueles locais pouco acessíveis ou mal projetados para o uso de vários grupos. A terceira forma corresponde ao acesso visual, ou a capacidade de se observar o que acontece dentro de um parque ou praça. O acesso visual é considerado por vários autores essencial para as pessoas sentirem-se seguras e atraídas por um espaço.

A iniquidade na distribuição e acessibilidade aos espaços públicos fica evidente observando os espaços existentes. Mapear espaços públicos com qualidade significa também mapear riqueza, como comprova de Chant (2012). O autor usa imagens de satélite do Google Mapspara provar a teoria que coloca em estreita relação às diferenças sociais e a arborização urbana. Ao comparar imagens de diversas cidades, ele demonstra que arborização e espaços verdes são mais frequentes naqueles bairros onde a população é mais abastada. O verde urbano é, assim, um indicador de segregação socioespacial, e pode ser adicionado às desigualdades nas políticas habitacionais, de acesso a serviços públicos e recursos entre distintas classes sociais. As imagens usadas do Rio de Janeiro, a cidade brasileira presente no estudo, evidenciam uma profunda diferença entre Ipanema (classe social alta) e a Rocinha (favela). O Rio de Janeiro não é, no entanto, um caso único, de Chant demonstra a existência dessa diferença em todas as cidades observadas. Há dois fatores determinantes dessa distinção. O primeiro refere-se ao poder aquisitivo, quanto mais alta for a renda, maior importância uma pessoa dá à qualidade ambiental, podendo melhor escolher onde morar. O segundo fator é a presença do poder público nesses bairros, já que ali é mais pressionado a criar e manter espaços públicos. Fica evidente que, enquanto o poder público age sob pressão em áreas onde a população o exige, negligência e até ignora as áreas ocupadas pelas populações mais vulneráveis, e comumente sem representatividade. Estes dois fatores revelam uma grande incoerência, já que os mais pobres são os que, por não disporem de áreas privadas adequadas, mais precisam de espaços públicos, mas são provavelmente os menos capazes de reivindicá-los, ou de ver suas reivindicações atendidas.

No documento NEIGHBOURHOOD & CITY (páginas 146-148)