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O tema Direito Autoral é diretamente vinculado à OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), porém, a partir da criação da OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1994, esta organização internacional tomou a frente nas discussões sobre Propriedade Intelectual em geral e, mais especificamente, sobre Direito Autoral. A OMC sucedeu ao GATT121 na regulação do comércio mundial e tem como um de seus papéis coordenar os vários acordos que regem o sistema multilateral de comércio.

Foi editado, então, o TRIPs (Trade-Related Intellectual Property

Rights), conhecido na tradução como Acordo Relativo aos Aspectos do

Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio. Este acordo reiterou de forma quase integral o texto da Convenção de Berna, de forma a estendê-la a todos os países filiados à OMC. Também é instituído que o Acordo não altera as disposições da Convenção de Roma.

As motivações do TRIPs foram as alegadas violações dos direitos autorais, deficiências do sistema de proteção à propriedade intelectual vigente e a homogeneização da legislação mundial, além de vincular o tema ao comércio internacional. No documento, são estabelecidas regras mínimas para a proteção da propriedade intelectual pelos Estados membros da OMC, como afirma Lessig;

O acordo TRIPs foi adotado como parte da Rodada Uruguai do GATT. Estabelece padrões mínimos de proteção à propriedade intelectual e é incomum ao criar sanções por violações de direitos autorais. Países-membros devem aprovar leis dando a autores estrangeiros remédios

121 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade)

estabelecido em 1947, com objetivo de harmonizar as políticas aduaneiras dos Estados signatários com um conjunto de normas e concessões tarifárias, a fim de impulsionar o comércio internacional e combater práticas protecionistas.

jurídicos por violação de direitos autorais. O acordo não só estabelece padrões para estas sanções, mas também sujeita os países membros a sanções comerciais se não cumprirem as normas. O TRIPs também restringe o escopo do uso justo (fair use), exigindo que as exceções aos direitos de autor devem ocorrer apenas em casos especiais, que não entrem em conflito com a exploração normal do trabalho, e não causem um prejuízo injustificado dos interesses do titular dos direitos de autor.122 (tradução nossa)

Nesta citação Lessig menciona o fair use, uso justo na tradução, que é previsto a partir da Seção 107 da Copyright Act dos Estados Unidos, de 1976. As limitações aos direitos exclusivos nesta legislação são mais abrangentes do que aquelas previstas na regra dos três passos, além de especificarem diretamente a liberdade de cópia dos fonogramas em determinados casos e prever quais os procedimentos a serem seguidos.123

Quanto às obras fonográficas, o Acordo reitera disposições específicas da Convenção de Roma, além daquelas gerais sobre direitos autorais e também aplicáveis às obras fonográficas da Convenção de Berna, com proteção específica ao direito dos artistas e intérpretes de autorizar ou proibir a difusão e reprodução de suas obras. Porém, como já explicado, o sistema do copyright não engloba a proteção moral do autor, o que fez com que os Estados Unidos pressionassem os demais membros da OMC, durante as negociações do TRIPs, para que tais garantias não fossem obrigatórias. Assim, houve uma concessão, visto que o art. 9.1 do Acordo exime aos países o cumprimento do já citado art. 6, bis da Convenção de Berna, justamente o dispositivo que garante

122 Original: The TRIPs agreement was adopted as part of the Uruguay Round of GATT. It sets out minimum standards of protection for intellectual property and is unusual in providing sanctions for copyright violations. Member nations must enact laws giving foreign authors legal remedies for copyright infringement. The agreement not only sets standards for those remedies, but also subjects member nations to trade sanctions if they do not meet the standards. TRIPs also narrows the scope of fair use by requiring that exceptions to copyright protection must occur only in special cases, must not conflict with the normal exploitation of the work, and must not unreasonably prejudice the interests of the holder of the copyright.

LESSIG, Lawrence. Future of ideas: the fate of the commons in a connected world. New York: Random House, 2001. p. 330.

123 Copyright Act, 1976. Disponível em:

os direitos morais do autor, de paternidade e integridade da obra.124 O artigo 14 do TRIPs, intitulado “Proteção de Artístas- Intérpretes, Produtores de Fonogramas (Gravações Sonoras) e Organizações de Radiodifusão” vai fazer uma espécie de resumo da Convenção de Roma. A inovação fica em relação aos “Direitos de Aluguel”, previstos no artigo 11 do TRIPs125

para proteção dos programas de computador e que são estendidos “mutatis mutandis aos produtores de fonogramas e a todos os demais titulares de direitos sobre fonogramas”. Estes direitos vão permitir aos titulares de direito autoral que proíbam o aluguel de cópias de suas obras. Barbosa chama a atenção para esta questão:

Também inaudito no campo do direito autoral parece ser o direito exclusivo de locação, pelo qual resultaria da propriedade intelectual um elemento próprio da posse de bens tangíveis, qual seja, a de ceder o usum da cópia física. Esta proposta singular transforma, pela primeira vez, um direito real clássico em acessório de um direito intelectual, eis que determina que o direito exclusivo de locar cópias persiste após a primeira venda, ou seja, após mesmo o momento em que,

normalmente, se esgotam os direitos

intelectuais.126

Com o TRIPs foi possível dar uma maior abrangência e efetividade à legislação internacional sobre propriedade intelectual. Foram estendidas as garantias das convenções anteriores para aqueles países não signatários, visto que a OMC tem como membros quase todos os países do mundo, que devem seguir suas determinações com o intuito de não sofrer sanções econômicas impostas pela Organização. Também ocorreu uma mudança no enfoque da proteção relativa à propriedade intelectual, que cada vez mais passa a ser tratada como uma mercadoria, que pode gerar muitos dividendos. Por outro lado, conclui

124 BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2000. p. 196.

125 “Um Membro conferirá aos autores e a seus sucessores legais, pelo menos no que diz

respeito a programas de computador e obras cinematográficas, o direito de autorizar ou proibir o aluguel público comercial dos originais ou das cópias de suas obras protegidas pelo direito do autor. [...]”.

126

BARBOSA, Denis Borges. Direito autoral e liberdade de expressão - Estudos de Direito. Disponível em: <http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/livros/geiger.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2011. p. 12-13.

Barbosa em análise que cabe também aos fonogramas:

Em resumo, o uso da proteção autoral para as novas tecnologias parece estar sendo considerado no exercício em curso no GATT/TRIPS (pelo menos no que toca ao software) como uma solução temporária, a ser substituída por alguma outra forma de direito. Na verdade, com as obrigação que o documento procura impor às partes contratantes - especialmente o de conceder um direito exclusivo ao valor locativo -, já se terá imediatamente um novo tipo de proteção.

Neste contexto, parece mais razoável acelerar o processo de discussão de um modelo alternativo, mais adequado às novas tecnologias, onde possa haver um equilíbrio entre interesses realista, que leve em conta as características de um país em mutação para o desenvolvimento. No caso dos países de tradição latina, o equilíbrio não pode ser deduzido na prática dos tribunais, como ocorre na tradição da common law, mas tem de ser fixado de antemão em lei.127

O Acordo TRIPs surgiu em um momento importante, pouco anterior à explosão da internet e disseminação de fonogramas em arquivos mp3, mas em um contexto em que já se tinha dimensão dos reflexos das novas tecnologias informacionais em relação ao uso das obras autorais, principalmente em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, que já começavam a viver uma nova realidade. Mesmo assim, optou-se por reeditar na quase integralidade o texto da Convenção de Berna, criada em 1886 e que teve sua última revisão no já distante ano de 1971, anterior ao processo de digitalização da música, como antes afirmado neste trabalho.