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Castells aponta a transformação da “cultura material”, como uma característica fundamental do final do séc. XX. A Sociedade Informacional traz um novo paradigma, em que a tecnologia é entendida como o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível.151 Wachowicz analisa a questão:

A percepção desta nova Sociedade da Informação não pode se pautar pelo reducionismo de cingir a questão no tratamento de imposição de limites ao direito de autor face aos direitos eminentemente

150

ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 30.

fundamentais. Antes, se deve perceber os novos

paradigmas emergentes da Sociedade

Informacional, portadora de novos valores éticos. Desta forma, constitui um dos maiores desafios para o direito a percepção sistêmica da nova Revolução Tecnológica da Informação, na medida em que implica mudanças nos conceitos de propriedade intelectual pautados nas Convenções de Berna e Paris.

O desafio hoje para o Direito é compreender os novos paradigmas e valores da Sociedade Informacional e assim buscar harmonizar a tutela da propriedade intelectual no ciberespaço.152 Como demonstrado, este novo período histórico é baseado em pilares diferentes daqueles em que foram construídas as bases do Direito Autoral. A reconstrução de conceitos já arraigados principalmente pela indústria não é uma tarefa fácil. Rover afirma que as duas últimas décadas do século XX foram marcadas por uma “revolução tecnológica digital”. A informática se expandiu cada vez mais na vida cotidiana, ao permitir às pessoas um acesso infinitamente maior de informação. O autor também aponta, como consequência deste processo, que:

As aplicações da informática transformam

continuamente as atividades humanas,

convertendo-se numa excepcional ferramenta de trabalho em terrenos tão diversos quanto as comunicações, o ensino, a medicina e a saúde, a automação e até o direito.153 [...]

Essa verdadeira revolução digital atinge o mundo jurídico, mas em uma velocidade bem inferior àquela que vem ocorrendo nos demais sistemas. Faz relativamente pouco tempo que no Brasil o acesso à informação jurídica pelos operadores do Direito foi implementado pelos tribunais, de forma ainda tímida e relativamente restrita. Órgãos da sociedade tentam ir mais longe, tornando disponíveis textos de normas. Isto foi

152 WACHOWICZ, Marcos. Propriedade intelectual do software & revolução da

tecnologia da informação. Curitiba: Juruá, 2010. p. 197.

153

ROVER, Aires José. As novas tecnologias da informação na educação. In: RONEY, Paulo (Org.). Retrato dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 191.

possível graças a um certo avanço realizado no campo das tecnologias de comunicação, principalmente com o acesso a internet por uma parcela da sociedade. Além disso, a próxima revolução que permitirá uma democratização do acesso ao conhecimento e à cultura será o uso qualificado do celular e, mais distante, da TV digital. O acesso ao conhecimento através de redes globais derruba barreiras, acelera processos, democratiza as oportunidades e enfatiza a interatividade.154

Resta claro que vivemos hoje em uma sociedade em que a tecnologia está altamente inserida, principalmente a serviço da disseminação da informação e cultura. Porém, o Direito ainda é reticente no uso das novas tecnologias, assim como na hora de legislar sobre estas. Bittar demonstrou sua preocupação com os avanços da tecnologia e suas consequências relativas aos direitos autorais:

[…] as transformações sofridas na vida social em nosso tempo e aquelas que ainda estão por advir conferirão à posição dos homens em nosso planeta dimensões ainda nem sequer cogitadas pela grande maioria da população, não afeita a pesquisas científicas e à evolução que a conjugação entre a informática e as comunicações tem proporcionado. Ora, o jurista deve, para que o Direito se ajuste à realidade social, estar atento a esses movimentos, na busca de equilíbrio entre o progresso material e a preservação dos valores naturais ínsitos na pessoa humana, em particular seu corpo, sua mente e as emanações de sua inteligência. Nessa ordem de ideias é que vimos trabalhando para o contínuo aperfeiçoamento dos sistemas jurídicos de proteção dos direitos da personalidade e dos direitos intelectuais, em especial os direitos autorais155.

154 ROVER, Aires José. As novas tecnologias da informação na educação. In: RONEY, Paulo

(org.). Retrato dos cursos jurídicos em Santa Catarina: elementos para uma educação jurídica. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 191.

155 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. 2. ed. São Paulo: Revista

Observa-se a emergência de um número cada vez maior de formas de acesso e distribuição das obras fonográficas, principalmente digitais, não previstas pelos tratados internacionais sobre o tema. Estes tratados em alguma medida até proíbem as novas formas de utilização das obras fonográficas, principalmente em razão do direito reservado aos autores ou titulares das obras de autorizar previamente o uso destas. A Sociedade Informacional, ao relacionar-se com o Direito Autoral, acaba por gerar várias situações nas quais não há uma regra clara a ser aplicada, o que resulta, muitas vezes, em apontar-se como pirataria ou ilegalidade as situações meramente não previstas legalmente. Boaventura trata da forma como o direito distingue as formas legais e ilegais:

[…] O legal e o ilegal são as duas únicas formas relevantes de existência perante a lei, e, por esta razão, a distinção entre ambos é uma distinção universal. Esta dicotomia central deixa de fora todo um território social onde ela seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos.

Assim, a linha abissal invisível que separa o domínio do direito do domínio do não-direito fundamenta a dicotomia visível entre o legal e o ilegal que deste lado da linha organiza o domínio do direito.156

A dicotomia apontada é muito pertinente, em razão desta lógica as novas práticas sociais vinculadas aos avanços tecnológicos, que estariam localizadas neste território marginal, acabam por ser taxadas de ilegais. Tal situação gera uma exclusão social e dificulta sobremaneira o acesso à informação, pois na ausência de regras claras a serem aplicadas há uma tendência a enquadrar novas condutas como fora da legalidade e passíveis de punição civil e/ou criminal. Neste quadro, o Estado vira refém de interesses mercadológicos, comparados a feudos medievais por Pilati:

A proteção jurídica, nos moldes em que é dada

156 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a

hoje a programas de computador, indústria fonográfica, cultivares, marcas e patentes (e tudo o mais que se contém, enfim, no gênero Propriedade Intelectual), não difere muito dos feudos medievais, com seus pedágios e exclusão social. Quais as perspectivas daqueles que estão em desvantagem? A história parece apontar para a esfera Jurídica e a Democracia, como tempero, embora a lei da selva do mercado, num primeiro momento, pareça negá-lo.

Em outras palavras: cumpre desenvolver as esferas política e jurídica adequadas para harmonizar os interesses entre o novo capital e sua virulência de um lado, e os interesses das coletividades prejudicadas, de outra parte.[...]

Parece claro que o primeiro passo, ante as mudanças que se estão vivenciando, é diagnosticar corretamente o fenômeno e desmistificar o discurso daqueles que não estão com a razão. No caso da propriedade intelectual, o exame histórico e estrutural aponta para a necessidade de criação do adequado mecanismo de controle, que só se obterá com a recuperação do poder estatal, poder este que foi temporariamente suprimido (ou desviado) por essa armadilha feudal da globalização. Milita em favor disso a própria lógica estrutural da propriedade, pois é no seio do Estado, como seu viu na Grécia Antiga, que ela recupera e acomoda as distorções intoleráveis da mudança. No caso da globalização, impõem-se a perspectiva de um Estado Mundial e Democrático de Direito. Isso, os senhores feudais e os burgueses vitoriosos de ontem que o digam, não se ganha, se conquista.157

Percebe-se que o interesse financeiro das grandes empresas detentoras de direitos autorais das obras fonográficas acaba por se sobrepor ao interesse público de disponibilização de obras culturais para a população em geral, de maneira menos restrita possível. Os Estados e organismos internacionais acabam por ser altamente influenciados pelos

157

PILATI, José Isaac. Propriedade intelectual e globalização. Revista Nexus. n. 1, out. 2001. Disponível em: <http://editora.stela.org.br/revista_edicao1_interna6.html>. Acesso em: 26 abr. 2010.

conglomerados econômicos que têm interesse em restringir o acesso à cultura.

Toda essa reviravolta ocasionou muitos dilemas: os moldes em que foram feitas as normas sobre direito autoral foram quebrados por uma nova realidade construída à margem da concepção clássica de autoria, muito atrelada a um outro período histórico, anterior, inclusive, ao surgimento dos fonogramas. A crise do direito decorre justamente “de se empregarem formas jurídicas superadas para solucionar conflitos novos”.158

Conceitos que desde a origem estavam ligados mais a criação literária, ficaram cada vez mais distantes das novas necessidades, anseios e práticas diárias do meio social, enfim, em desacordo com a nova cultura.

4.2 MEDIDAS TECNOLÓGICAS DE PROTEÇÃO E GESTÃO DE