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No Brasil, a primeira Constituição, de 25 de março de 1824 protegia o inventor, mas não o autor em geral, sem qualquer previsão para o criador de obras de cunho artístico. A primeira lei a tratar civilmente direitos de autor foi editada em 1827. Trata-se da lei que criou os cursos de ciências sociais e jurídicas de São Paulo e Olinda. O art. 7º refere-se a um assunto bem específico, os compêndios, ou resumos, redigidos em faculdades, sobre os quais os autores teriam privilégio exclusivo por dez anos. O Código Penal de 1980 já previa sanções aos crimes contra propriedade literária e artística. A Constituição de 1891, já na República, passou também a regular a matéria. A partir de então, a matéria foi sempre disciplinada no país. A primeira lei especial foi a 496 de 1898 e instituía a obrigação do registro das obras.141 Além disso, reconhecia o direito de execução pública, que dependia de consentimento do autor, antes mesmo da Convenção de Berna, que só o contemplou na revisão de Berlim em 1908.142

A regulamentação material dos Direitos do Autor já ocorreu no Código Civil de 1916. A Lei nº 4.944/1966 introduz os direitos conexos no ordenamento brasileiro e em 1973 foi sancionada a Lei nº 5.988, que regula os direitos autorais e os que lhe são conexos. Já o Código Penal de 1940 dispõe de capítulo referente aos crimes contra Propriedade Imaterial. A Constituição Federal de 1988 trata do assunto no seu art. 5º, incisos IX, XXVII, XXVIII e XXIX.

Porém, a necessidade de adequação da legislação nacional ao TRIPs, aliada ao aparecimento de novos suportes de informação, implicou a necessidade de atualização da legislação referente aos direitos autorais. Nesse sentido, foi promulgada a Lei nº 9.610, de 1998, que “altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências”.143

Em relação aos fonogramas não há mudanças significativas na

141 FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: da antiguidade à internet. São

Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 81.

142 SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Execução pública musical na internet: rádios e TVs

virtuais. Revista da ABPI, n. 103, nov./dez. 2009. p. 54.

143 O Brasil – que, além de publicar a Lei Autoral, nº 9.610/98, editou as leis nº: 9.279/96

(propriedade industrial), 9.609/98 (programas de computador), 9.456/97 (proteção de cultivares) – não foi o único país a aprovar nova base legal no setor. O mesmo procedimento ocorreu em países como o Uruguai (Lei nº 17.011/98, Lei nº 17.052/98) e Paraguai (Lei nº 1.294/98). PILATI, José Isaac. Propriedade intelectual e globalização.

Revista Nexus, n. 1, out. 2001. Disponível em:

tutela em relação à lei de 1973. A grande alteração é a forma de regulação do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), que atua na arrecadação e distribuição dos direitos patrimoniais, tema a ser analisado especificamente neste trabalho. Uma alteração importante que tem reflexos nas obras fonográficas é que a atual legislação só permite dentre suas limitações a cópia de pequenos trechos das obras. Isso inviabiliza a utilização de uma música completa em sala de aula, por exemplo. A lei anterior previa a reprodução integral desde que esta apresentasse caráter científico, didático ou religioso.

A partir do Decreto nº 4.533/2002, que regulamenta o art. 113 da Lei 9.610/98144, tornou-se obrigatória a presença de sinais digitalizados e a numeração sequencial em fonogramas comercializados no Brasil. Desta forma cabe aos produtores de fonogramas a adoção de um código digital, que permita a identificação da obra fonográfica e de seus respectivos autores, intérpretes ou executantes de forma permanente e individualizada.

Assim, constará ainda, em cada exemplar do suporte material do fonograma: o número da matriz; o nome da empresa responsável pelo processo industrial de reprodução e o número de catálogo do produto. Na face do suporte material que não permite a leitura ótica (parte de cima do CD) haverá a mesma identificação, além da sinalização do lote, da respectiva quantidade de exemplares nele mandada reproduzir (que também constará na capa) e do produtor.

No caso de outros suportes, os sinais de identificação serão consignados na capa dos exemplares, nos encartes ou nos próprios suportes. Além disso, estabelece o Decreto nº 4.533/2002:

Art. 3° - O responsável pelo processo industrial de reprodução deve informar ao produtor a quantidade de exemplares efetivamente fabricados em cada tiragem, devendo o responsável pelo processo industrial de reprodução e o produtor manter os registros dessas informações em seus arquivos por um período mínimo de cinco anos, viabilizando assim o controle do aproveitamento econômico da exploração pelo titular dos direitos autorais ou

144 “Art. 113 – Os fonogramas, os livros e as obras audiovisuais sujeitar-se-ão a selos ou sinais

de identificação sob a responsabilidade do produtor, distribuidor ou importador, sem ônus para o consumidor, com o fim de atestar o cumprimento das normas legais vigentes, conforme dispuser o regulamento.”

pela entidade representativa de classe.[...] Art. 5º - O autor e o artista intérprete ou

executante, diretamente, ou por meio de sindicato ou de associação, terá acesso aos registros referidos nos arts. 3º e 4º.

Em contrapartida, Cabral alerta para a contradição do citado art. 113, que encerra a Lei Autoral brasileira, visto que contrariaria o disposto no art 5° da Convenção de Berna, que afirma não estar subordinado a nenhuma formalidade o exercício dos direitos autorais.145 A já mencionada opção do legislador nacional por proteger os direitos autorais independentemente de registro da obra também entra em conflito com a obrigação de se criar um código digital em todo fonograma. Como afirma Cabral quanto ao art. 113 da Lei 9610/98: “...é uma anomalia que só encontra explicação no eterno desejo – que os poderosos do dia nunca abandonam – de estabelecer controles sobre os produtos do espírito criador.”146

Apesar destas contrapartidas e da dificuldade em obrigar-se que toda publicação de fonogramas cumpra as determinações legais, as referidas medidas são úteis para que o autor não seja ludibriado por àqueles a quem cedeu seus direitos, visto que possibilitam uma maior transparência na reprodução das obras. Ademais, as citadas inovações na legislação garantem os direitos morais dos titulares, em razão da obrigação de que toda reprodução seja devidamente identificada.

Em 2007 é lançado pelo governo brasileiro Fórum Nacional de Direito Autoral. Ao final de um processo amplo de debates com a sociedade em geral, em 2010, foi colocada em consulta pública uma proposta para revisão da Lei nº 9.610/1998. A consulta ocorreu em uma plataforma pública na internet, com milhares de contribuições, em que todos podiam ler os comentários feitos, o que possibilitava uma discussão de fato sobre os tópicos e maior transparência de consulta pública através da internet que receberam. A partir da discussão foi formulado um novo anteprojeto, que seguiu para a Casa Civil e foi devolvido ao Minc no início da nova gestão em 2011, quando depois de

145 “Art. 5°. [...] 2) O gozo e o exercício desses direitos não estão subordinados a qualquer

formalidade; esse gozo e esse exercício independem da existência da proteção no país de origem das obras. Por conseguinte, afora as estipulações da presente Convenção, a extensão da proteção e os meios processuais garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos regulam-se exclusivamente pela legislação do País onde a proteção é reclamada.[...]”. (sem grifo no original).

146 CABRAL, Plínio. A nova lei de direitos autorais – comentários. 4. ed. São Paulo:

alguns meses abriu-se outra consulta sobre a revisão do anteprojeto, sob a alegação de que novos debates eram necessários. A atuação desta nova gestão passa por enormes críticas, por indicar um retrocesso nas medidas favoráveis ao acesso trazidas pelo anteprojeto e políticas do governo anterior.147

A necessidade de revisão da lei pode ser exemplificada por recente estudo da Consumers International (órgão internacional de defesa dos direitos dos consumidores) que aponta a legislação brasileira como a 4a. mais restritiva do mundo em relação ao acesso aos produtos e serviços culturais.148 Um dos motivos é que a legislação brasileira não adota a regra dos três passos e tem um rol de limitações ao direito autoral pouco maleável às novas formas de acesso às obras autorais, em especial aos fonograma como veremos no próximo capítulo.

147 Disponível em:< http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/05/03/defensores-da-reforma-

da-lei-de-direitos-autorais-tentam-chamar-atencao-de-dilma-rousseff-com-carta-aberta- 924373254.asp>. 148 Disponível em: <http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/cultura/mat/2011/05/03/brasil-entra-em- ranking-dos-paises-com-piores-leis-de-direitos-autorais-do-mundo-especialista-diz-que- prejuizos-para-populacao-podem-ser-grandes-924377957.asp>.

4 AS NOVAS FORMAS DE ACESSO AOS FONOGRAMAS

O maior despertar de minha carreira foi quando vi o contrato com a gravadora. Eu disse, „Espere, vocês vendem algo por 20 dólares e eu recebo 80 centavos? E eu devo devolver o dinheiro que vocês emprestaram e depois já pegaram para vocês? Quem diabos fez essa regra?

Trent Reznor As evoluções tecnológicas têm grande relevância na construção de novos paradigmas, principalmente quando estas passam a influenciar todos os aspectos de uma sociedade. A revolução industrial fez com que a “máquina” ganhasse um papel central no meio social.

O surgimento do fonógrafo e, mais do que isso, da gravação sonora, foi algo que teve muitas implicações para a produção e disseminação de cultura. O progresso dos suportes para os fonogramas teve grande relação com o próprio progresso da ciência e cultura durante o século XX. O fonograma, que surgiu no final do século XIX, sofreu uma profunda transformação desde sua criação e teve papel relevante na construção da Sociedade Informacional.

No início do século XXI a indústria fonográfica estava em seu auge, com cada vez mais sucessos estrondosos, estimulados por um aperfeiçoado processo de marketing. Como afirma Anderson:

Entre 1990 e 2000, as vendas de álbuns dobraram, a taxa de crescimento mais acelerada da história do setor. Quase metade dos 100 maiores campeões de venda da história havia sido vendida neste período. O negócio da música só ficava atrás de Hollywood nas fileiras da indústria de entretenimento.149

A popularização do formato CD é um fator a ser levado em consideração, já que possibilitou uma diminuição do custo da produção

149 ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio

para as gravadoras e facilitou o acesso à música por parte dos consumidores, em razão de ter mais praticidade em relação ao vinil e à fita cassete, ao permitir que o ouvinte consiga selecionar diretamente a música que quer ouvir, por exemplo. Porém:

Algo mudara em 2000. As vendas caíram 2,5% em 2001, 6,8% em 2002 e se mantiveram em queda. Em fins de 2005, depois de cair mais de 7%, as vendas de músicas nos Estados Unidos encolheram mais de um quarto desde o pico. […] Entre 2001 e 2005, as vendas totais da indústria de música caíram em um quarto.150

Esta mudança no mercado se espalhou pelo mundo. Uma análise descontextualizada levaria à interpretação de que, se o mercado diminui consideravelmente, isso significaria que as pessoas estavam perdendo o interesse em ouvir música. Pelo contrário, o que passou a ocorrer é que as novas tecnologias possibilitaram haver uma abundância muito maior na oferta de fonogramas, facilmente acessíveis, sem qualquer custo. O surgimento de novas possibilidades tanto para artistas quanto consumidores de música resultam nos chamados novos modelos de negócio. O objetivo deste capítulo será adentrar especificamente nesta nova realidade e demonstrar as principais formas de acesso aos fonogramas na atual sociedade.