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TECNOLOGIA 33 2.1 ACORDOS INTERNACIONAIS

2 MARCO REGULATÓRIO DOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA

2.1 ACORDOS INTERNACIONAIS

2.1.2 O Acordo TRIPS

Franco (2010, p. 47) explica que, ao final da segunda guerra mundial, iniciaram-se negociações internacionais no sentido de incentivar o comércio mundial, sendo que no ano de 1993, ao final da Rodada do Acordo sobre Tarifas e Comércios (sigla GATT), ocorrida no Uruguai, houve a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a execução de acordos a serem cumpridos no âmbito desta organização, em especial o Acordo sobre Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS).

O Brasil é signatário do Acordo TRIPS, cuja Ata Final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT foi promulgada por meio do Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

Segundo Franco (2010), o TRIPS aumentou a capacidade de efetivar e fazer valer os direitos de propriedade intelectual num contexto global, ao determinar critérios mínimos de proteção aos direitos de propriedade intelectual nos ordenamentos jurídicos dos países signatários. Ardissone (2014, p. 117) acrescenta que o Acordo surge da ideia principal

de que “mais proteção à propriedade intelectual promove o livre comércio e atrai investimentos”, o que em conjunto culmina no crescimento econômico e no bem-estar social. Essa ideia provém da concepção dos países desenvolvidos no sentido de “desenvolvimento como crescimento”, por meio dos mecanismos de proteção à propriedade intelectual.

O Acordo TRIPS, no que se refere aos contratos de tecnologia, prevê algumas exceções importantes envolvendo esses instrumentos, ainda que contenha um padrão elevado de proteção aos direitos de propriedade intelectual (FRANCO, 2010).

Na parte preliminar do TRIPS (BRASIL, 1994a), observam-se dois “reconhecimentos” que se relacionam à contratação internacional de transferência de tecnologia:

[...] Reconhecendo os objetivos básicos de política pública dos sistemas nacionais para a proteção da propriedade intelectual, inclusive os objetivos de

desenvolvimento e tecnologia;

Reconhecendo igualmente as necessidades especiais dos países de menor desenvolvimento relativo Membros no que se refere à implementação interna de leis e regulamentos com a máxima flexibilidade, de forma a habilitá- los a criar uma base tecnológica sólida e viável.

[...] (grifou-se)

Dentre os objetivos do Acordo, descritos em seu artigo 7, além da regulamentação dos direitos de propriedade intelectual, destaca-se a sua consequente contribuição para o fomento da inovação tecnológica e “para a transferência e difusão de tecnologia” (BRASIL, 1994a), de modo a beneficiar produtores e usuários de tecnologias.

Em relação aos princípios do TRIPS, o item 2 do artigo 8, dispõe que poderão ser tomadas medidas, que estiverem de acordo com o regulamentado no Acordo, para impedir os titulares de irem além de seus direitos de propriedade intelectual ou para obstar “recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia” (BRASIL, 1994a).

Segundo Franco (2010), os artigos 7 e 8 do TRIPS devem ser interpretados em conjunto, para não se entender que o país fornecedor de tecnologia pode impor sua política interna de transferência de tecnologia, apenas pelo fato desta estar de acordo com os termos mínimos propostos pelo Acordo.

Prosseguindo, o artigo 39 do Acordo TRIPS, ao tratar sobre a proteção de informação confidencial, estabelece que, aplicando-se o artigo 10 bis da CUP em relação à concorrência desleal, os signatários protegerão a informação confidencial ao possibilitar que pessoas físicas e jurídicas evitem que “informações legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento” (BRASIL, 1994a), desde que a informação seja secreta, isto é, não seja conhecida em geral nem facilmente acessível, tenha valor comercial por ser secreta e tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.

No tocante ao controle das práticas de concorrência desleal em contratos de licenças, o artigo 40.1 regulamenta que os signatários do Acordo pactuam que algumas práticas ou exigências de licenciamento de direitos de propriedade intelectual que limitem a concorrência “podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia” (BRASIL, 1994a).

O artigo 40.2, por sua vez, prevê que:

2. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivas, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro. (BRASIL, 1994a).

O artigo 40 do Acordo é extremamente importante quando for estudado, no quarto capítulo, o exame de mérito realizado pelo INPI nos contratos de tecnologia. Em dois processos judiciais que serão objeto de análise, o artigo 40 do TRIPS é uma das bases legais utilizadas para se entender que o INPI possui legitimidade para, por exemplo, limitar o valor de remessa de royalties para o exterior. De acordo com as manifestações nesse sentido, o artigo 40.2 determina a possibilidade de os países

Membros adotarem medidas para obstar eventual abuso de direito de propriedade intelectual.

O artigo 66 do TRIPS, intitulado “Países de Menor Desenvolvimento Relativo Membros”, além de tratar sobre o prazo desses países para entrada em vigor dos termos do Acordo TRIPS em suas legislações locais, dispõe sobre o fomento à transferência de tecnologia:

2. Os países desenvolvidos Membros concederão incentivos a empresas e instituições de seus territórios com o objetivo de promover e estimular a transferência de tecnologia aos países de menor desenvolvimento relativo Membros, a fim de habilitá-los a estabelecer uma base tecnológica sólida e viável. (BRASIL, 1994a)

Não obstante, conforme conclui Franco (2010, p. 50-51), o Acordo TRIPS não definiu o significado dos termos: tecnologia, pela autora conceituada como aquela protegida por patente ou por outro direito de propriedade intelectual, como no caso do segredo de negócio; e transferência de tecnologia. Por outro lado, assevera que o TRIPS possui diversas normas contendo “exceções importantes à proteção da propriedade intelectual a serem utilizadas pelos países em desenvolvimento”, como o estabelecimento de uma base tecnológica sólida, a transferência internacional de tecnologia, o desenvolvimento tecnológico e a disseminação de tecnologia.

Assim, Franco (2010) explica que o TRIPS não impede o Brasil de impor suas normas e políticas específicas para transferência de tecnologia. No caso da contratação de know-how, isto é, de tecnologia não patenteada, cada país pode adotar um regime diferente para sua regulação, por não ter sido objeto de negociação no âmbito do referido Acordo. 2.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Antes de se adentrar na legislação brasileira relativa aos contratos de tecnologia e à propriedade industrial, explica-se que os contratos em geral, considerados como negócio jurídico, são regidos pelo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. De acordo com o artigo 104 do CC/2002, para a validade do negócio jurídico é necessário: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

Os artigos 421 e 422 do Código Civil preveem os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé aplicáveis aos contratos em geral:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.8 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (BRASIL, 2002)

Após esse breve esclarecimento sobre os contratos em geral, passa- se à história da propriedade industrial no Brasil, particularmente da origem das patentes que ocorreu com a vinda da Família Real em 1808. O Alvará de 1785, que proibia as fábricas, indústrias e manufaturas na então Colônia, foi revogado e substituído pelo Alvará de 28 de janeiro de 1809, pelo qual foram adotadas iniciativas para o desenvolvimento industrial, como:

[...] isenção de direitos à importação de matérias primas, isenção de direitos à exportação de produtos manufaturados e, entre outras, a concessão de privilégios aos inventores e introdutores de novas máquinas, que teriam o direito exclusivo de explorar a invenção por catorze anos (ABAPI, 1998, p. 16)

Passada a Independência do Brasil, a questão da patente foi inserida no âmbito da preparação da primeira Carta Magna do Brasil, a Constituição Imperial de 1824. As marcas de fábrica e os direitos autorais foram incluídos a partir da Constituição Republicana de 1891.

Em 1923 criou-se o primeiro órgão responsável pela proteção e controle da propriedade industrial no Brasil, a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, que veio a ser substituída pelo Departamento Nacional da Propriedade Industrial (em 1933) e atualmente está sob a responsabilidade do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Na legislação infraconstitucional, os direitos de propriedade industrial de patentes e de marcas foram previstos, num primeiro momento, em normas separadas. Em 1945 houve o primeiro Código que abrangeu a regulamentação dos direitos de propriedade industrial.

Concomitantemente à evolução da história da propriedade industrial no Brasil, foram implementadas diversas ações governamentais

8 O artigo 421 do CC/2002 é utilizado como base para defender a autonomia das partes em contratos de tecnologia e afastar a possibilidade de exame de mérito pelo INPI.

e políticas de ciência, tecnologia e inovação, que tiveram influência direta na posição estatal sobre esses direitos, principalmente em relação aos contratos de tecnologia.

Este trabalho abordará a evolução das principais legislações federais relacionadas aos contratos de tecnologia, revogadas e em vigor. Dentre as normas fiscais e cambiais, serão analisadas as leis e atos que estão em vigência, tendo em vista que parte dessas legislações são muito antigas e, até pode-se dizer, obsoletas, pois não acompanharam todo o processo de desenvolvimento científico e tecnológico que o País tem passado nos últimos anos9.