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O modelo multinível vem encontrando aplicação em diferentes pesquisas, voltadas à adoção de tecnologias específicas em contextos que envolvem relações complexas entre grupos. Cinco estudos recentes utilizam o modelo para estudar aspectos da implementação da tecnologia de CBs (YOKOMIZO, 2009; DINIZ, 2007; DINIZ et al., 2007; DINIZ et al., 2008; DINIZ et al., 2009a), e pelo menos mais dois estudos o aplicaram a outros objetos de pesquisa: Luvizan (2009) estudou o processo de implantação de um sistema de administração de recursos humanos em um contexto organizacional, e Figueiredo (2009) estudou o processo de negociação por trás da definição do padrão de TV digital no Brasil25, e Lavoie (2009) empregou o modelo para

estudar processos de utilização e adaptação de metodologias de microcrédito.

Independente de seus diferentes escopos e objetivos, no entanto, todas estas pesquisas se caracterizam por seguirem um mesmo roteiro básico para a análise indutiva guiada pelo modelo, em alguns casos implícito, em outros explicitado nas seções de metodologia. Invariavelmente, as investigações se desenvolvem ao longo de uma seqüência padrão de procedimentos, que consiste em: (i) identificação dos grupos sociais relevantes de interesse e caracterização dos frames tecnológicos dominantes em cada um desses grupos; (ii) análise de um processo de negociação envolvendo todos os grupos, e (iii) conclusões ou considerações sobre uma tecnologia-em-prática resultante, ou potencialmente resultante, do processo analisado de negociação.

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;: Note-se que o passo (i) dessa seqüência corresponde à análise da dimensão contexto do modelo, o passo (ii) à dimensão processo, e o passo (iii) ao conteúdo. Note-se ainda, que, na descrição dessa seqüência de procedimentos, incluíram-se referências a "os grupos sociais" e "os frames tecnológicos", no plural, porém a "um processo de negociação" e "uma tecnologia-em-prática", no singular.

Esse padrão de utilização do modelo, por sinal, é coerente com um roteiro lógico de análise sugerido pelos autores do modelo, indicando que a investigação se concentre primeiramente nas variáveis de contexto, para em seguida passar às de processo e então às conteúdo. Note-se que, ao fazer isso, como de resto em todo o seu artigo, os autores do modelo também se referem a grupos sociais e frames tecnológicos no plural, mas à negociação e à tecnologia-em-prática no singular, configurando a suposição de um processo de negociação único entre os grupos:

"A identificação de grupos sociais relevantes, bem como dos indivíduos considerados representativos desses grupos, e a identificação dos frames tecnológicos associados a eles [...], definem as fronteiras iniciais da investigação e ajudam a entender o contexto em que a implementação e uso de uma tecnologia serão negociados. [...] A negociação em si é o próximo conceito coberto por nossa abordagem [...] [e] corresponde à identificação de ocasiões, espaços e mecanismos pelos quais grupos sociais relevantes interagem no tempo. Finalmente […] prestamos atenção particular à tecnologia-em- prática como resultado do processo de negociação entre diferentes grupos sociais, com objetivo de reconhecer os interesses ou suposições que prevaleceram na implementação e uso da tecnologia, as características em termos de uso que prevaleceram, e a as conseqüências, intencionais ou não, para os diferentes grupos sociais envolvidos." (POZZEBON, DINIZ e JAYO, 2009: 30).

De forma coerente com esse roteiro, Diniz et al. (2009a), por exemplo, em uma pesquisa que fez uso do modelo multinível para investigar as oportunidades de uso de correspondentes bancários para a expansão da oferta de microcrédito no Brasil,

> explicam que "nossa primeira tarefa consistiu em identificar quais os grupos sociais relevantes de interesse" (DINIZ et al., 2009a: 90). Depois de identificados esses grupos, os autores passaram à análise de um processo de negociação entre eles e à discussão da tecnologia-em-prática resultante.

Do mesmo modo, em outro estudo, Diniz (2007) também inicia a análise pela identificação de sete grupos sociais relevantes a serem considerados, e pressupõe a existência de um processo de negociação único do qual estes grupos participam:

"Nesta pesquisa os grupos sociais relevantes considerados são: (a) bancos, (b) instituições de microfinanças, (c) provedores de serviços de tecnologia, (d) empresas contratadas como correspondentes (supermercados, loterias, correios, etc), e (e) usuários dos serviços dos correspondentes. Governo e sindicatos também são grupos sociais relevantes relacionados aos correspondentes bancários [...]. Nesta pesquisa, o processo de implantação e uso de redes de CBs será analisado com atenção para a negociação entre esses grupos sociais " (DINIZ, 2007: 44-45).

Essa forma de proceder à análise chega a se refletir na própria estrutura de apresentação dos diferentes trabalhos. Regra geral, ao apresentarem seus resultados, os trabalhos incluem uma subdivisão (seja ela uma seção, item ou subitem) destinada a apresentar "os grupos sociais relevantes e seus frames tecnológicos", e outra, mais adiante, referindo-se a "o processo de negociação e a tecnologia-em-prática". Estas duas expressões aparecem, quase sem variações, como títulos de subdivisões dos trabalhos de Diniz (2007), Diniz et al. (2008), Diniz et al. (2009a), Yokomizo (2009) e Luvizan (2009). Observe-se mais uma vez que o primeiro dos títulos é redigido no plural (isto é, refere- se a "os grupos" e "os frames"), enquanto o segundo aparece no singular ("o processo de negociação" e "a tecnologia-em-prática").

Isto não significa, vale a pena o parêntese, que não seja possível, na ótica destes estudos, a ocorrência de mais de uma tecnologia-em-prática. Como todo processo de

> estruturação, o processo de negociação entre os grupos é recursivo, de forma que a tecnologia-em-prática pode ser reafirmada ou modificada no tempo, mediante iterações sucessivas do processo de negociação. Assim é que Diniz et al. (2009a), por exemplo, se referem a três tecnologias-em-prática diferentes, uma delas constatada no período de 1999 a 2002, outra entre 2002 e 2005, e outra ainda de 2005 em diante. O mesmo ocorre nos resultados do uso do modelo apresentados por Yokomizo (2009) e Luvizan (2009). Em nenhum deles as diferentes tecnologias-em-prática são paralelas, mas se sucedem no tempo, partes da dinâmica de um mesmo processo, único, de negociação. Não se consideram nessas análises processos de estruturação e conseqüentes tecnologias-em-prática que sejam diferentes e paralelas.

Esta forma de aplicar o modelo, dominante nas pesquisas até o momento, é representada na figura 3.2. Sua característica básica é o pressuposto, explícito ou não, de um único processo de negociação entre a totalidade dos grupos sociais relevantes, resultando em um processo uno, ou monolítico, de estruturação de tecnologia-em- prática.

Figura 3.2

Aplicação usual do modelo multinível: processo de negociação uno

> Não é difícil perceber, no entanto, as limitações que esta forma usual de aplicação do modelo multinível oferece para os objetivos de pesquisa deste trabalho. Conforme visto no capítulo 1, as configurações de negócios praticadas na gestão e uso do canal de CBs no Brasil incluem uma diversidade de modelos (tecnologias-em- prática). Esses diferentes modelos não só são praticados simultaneamente, como também envolvem diferentes combinações de grupos sociais relevantes, por exemplo na medida em que alguns incluem, e outros não, a participação de gestores de rede. Como explicar essa diversidade a partir de um modelo conceitual voltado a analisar um processo de negociação monolítico?

Isto nos leva a sugerir uma nova forma de aplicação do modelo multinível, que, se de um lado não exige alterações nos fundamentos teóricos do modelo, de outro enriquece sua forma usual de aplicação e introduz modificações na forma como sua utilização é sugerida por Pozzebon, Diniz e Jayo (2009). A proposta se encontra sintetizada nas figuras 3.3 e 3.4, e se diferencia da forma de aplicação usual por admitir a possibilidade de diferentes processos de negociação ocorrendo em paralelo, envolvendo a totalidade dos grupos sociais relevantes ou diferentes subconjuntos ou combinações destes grupos, e podendo conduzir à estruturação paralela de diferentes tecnologias-em-prática.

A figura 3.4 representa a versão modificada do modelo aqui proposta. Embora a adaptação seja simples – no fundo, consiste em pouco mais do que flexionar para o plural as variáveis de conteúdo e de processo – enxergamos esta expansão do modelo como fundamental para sua utilização no presente trabalho, na medida em que ele passa a admitir a evidente diversidade de modelos de gestão de redes simultâneos praticados no canal de CBs, resultados de processos de negociação paralelos

>1 envolvendo os mesmos grupos em combinações diferentes. A formulação e aplicações originais, ao suporem um processo uno ou monolítico de negociação, se revelam claramente insuficientes diante dessa evidência. Ao mesmo tempo, acreditamos que a adaptação proposta supera uma limitação desnecessária do modelo em sua apresentação original, uma vez que não encontramos, nos fundamentos conceituais que dão sustentação à formulação do modelo, repassados nas seções 3.2.1 a 3.2.4, nenhum pressuposto teórico que nos impeça de admitir a ocorrência de processos de negociação ou de estruturação paralelos, no lugar do processo monolítico.

Enxergamos esta expansão como uma contribuição para a aplicação do modelo multinível, a ser validada e expandida por outros estudos. Da mesma forma que os autores da formulação original do modelo, acreditamos que

"assim como a tecnologia só toma forma quando adotada na prática, também acreditamos que nosso modelo só irá ganhando forma definitiva à medida em que outros pesquisadores o adotarem e contribuírem para a sua evolução." (POZZEBON, DINIZ e JAYO, 2009: 34).

Figura 3.3

Aplicação proposta do modelo multinível: processo de negociação fragmentado

>< Figura 3.4

Modelo multinível modificado

Fonte: elaboração própria.