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Adequação e necessidade: comparação entre estados do mundo e referência ao

2 AIR E PROPORCIONALIDADE: DIFUSÃO E ESTRUTURA

2.3 Proporcionalidade: estrutura

2.3.3 Adequação e necessidade: comparação entre estados do mundo e referência ao

Adequação e necessidade, juntas, fazem parte da otimização dos princípios em tensão relativamente às possibilidades fáticas (as circunstâncias do caso concreto). Leal, chamando esta operação pressuposta pela teoria dos princípios de “otimização como composição de primeira ordem”, oferece a ela a seguinte explicação:

Otimizar, no contexto da realização de princípios colidentes relativamente às possibilidades fáticas, significa buscar a melhor composição possível entre as normas em tensão, consideradas todas as circunstâncias, em um caso concreto. Trata-se, por isso, de uma estratégia de decisão de primeira ordem voltada à maximização de objetivos que se encontram imbricados em uma situação específica. Em uma linguagem mais comum no âmbito da teoria da decisão e da microeconomia, o ideal normativo que orienta a solução da colisão exige a seleção da alternativa decisória (que, nesse caso, está relacionada à medida a ser implementada), cujos efeitos são capazes de realizar, na maior medida possível, os dois objetivos (i.e. princípios)3 em relação de tensão. A solução

ótima é, nesse sentido, a solução do tipo first best para o caso concreto,4

entendida como a solução que realiza ambos os princípios na medida do máximo possível.5 Esse primeiro sentido fica evidente quando Alexy recorre

ao conceito de “ótimo de Pareto” para explicar como as interações entre meios e fins (i.e. princípios) podem ser compreendidas nos níveis da adequação e da necessidade. No final, o tipo de composição entre princípios que se busca é aquele em que uma posição não pode ser melhorada sem causar prejuízos para a outra (ALEXY, 2011, p. 4).137

Em sentido semelhante, Cohen-Eliya e Porat afirmam que os dois primeiros estágios do exame são testes de otimalidade de Pareto, cujo propósito é garantir que a ação governamental

136 ARAUJO, Thiago Cardoso. Proporcionalidade e teoria dos jogos: esboço de um método comum. Revista da AMDE, [S.l.], v. 4, jul. 2010, p. 13. ISSN 2175-5590. Disponível em: <http://www.revista.amde.org.br/index.php/ramde/article/view/39>. Acesso em: 06 set. 2019.

137 LEAL, Fernando. O que significa otimizar princípios? Uma pergunta, três respostas, três problemas --

What does optimizing colliding principles mean? One question, three answers, three problems. Espaço Jurídico, v. 17, n. 2, maio/ago. 2016, p. 414.

seja eficiente em termos dos ônus constitucionais que impõe. Eles visam a garantir que o terceiro e último estágio da análise de proporcionalidade não seja acionado desnecessariamente: se é possível resolver o problema atingindo-se uma solução ótima de Pareto, não é necessário ponderar138.

Um exemplo hipotético pode ser útil para se visualizar a otimização dos princípios em tensão em relação às circunstâncias do caso em que se chocam. Imagine-se que determinado ato estatal “A” pretende promover a proteção aos consumidores, mas interfere no direito à livre iniciativa. Por enquanto, deixam-se as polêmicas representadas por algumas críticas feitas à proporcionalidade de lado, especialmente aquela que, pela extrema simplicidade do exemplo, vem à mente quase que de modo imediato: a de que a combinação perversa entre onipresença e suficiência dos direitos fundamentais para a definição de cursos de ação conduz a um perigoso excesso, com sérios impactos institucionais na ordem jurídica139. Esta e outras críticas feitas à

proporcionalidade serão exploradas no próximo capítulo.

Feita a ressalva, se o ato “A” sequer é capaz de promover a proteção aos consumidores, a sua invalidação não causa prejuízo a este direito, mas melhora a situação do direito à livre iniciativa. Se é possível melhorar a situação do direito à livre iniciativa sem piorar a da proteção aos consumidores, a invalidação do ato é solução que se impõe: este cenário, em que não há ganhos ou perdas, pode ser considerado “superior de Pareto” em relação ao cenário em que a medida produz efeitos, em que somente há perdas.

Imagine-se, contudo, que este ato “A” é adequado; ele ao menos fomenta a proteção aos consumidores. Se assim é, sua invalidação melhoraria a situação do direito à livre iniciativa, mas o faria às custas da proteção aos consumidores; já a sua manutenção melhora a proteção aos consumidores, mas o faz às custas do direito à livre iniciativa. Entra em cena a segunda etapa do exame de proporcionalidade. Supondo-se que uma medida “B” é capaz de fomentar a proteção ao consumidor tal como o faz a medida estatal “A”, mas é capaz de, se efetivada, restringir em menor intensidade o direito à livre iniciativa, então “B” é a alternativa cujos efeitos são capazes de realizar, na maior medida possível, os dois princípios em relação de tensão: ela promove do mesmo modo que “A” a proteção aos consumidores, mas com menor restrição ao

138 COHEN-ELIYA, Moshe; PORAT, Iddo. Proportionality and the Culture of Justification. The American Journal of Comparative Law, vol. 59, no. 2, 2011, p. 464. Segundo referidos autores, algumas Cortes, especialmente a Suprema Corte Canadense, acabam por dar ênfase ao segundo teste, da necessidade, nele acabando por realizar juízos típicos da ponderação, o que faz com que a maioria dos atos invalidados, nesses casos, o sejam na etapa da necessidade, e raramente no terceiro estágio. Esta abordagem, afirmam, tem sido criticada como `judicialmente insincera´, por obscurecer a lógica interna e a estrutura da análise de proporcionalidade.

139 É como Leal descreve esta, entre outras críticas à proporcionalidade, LEAL, Fernando. Racional ou Hiper- racional? A ponderação de princípios entre o ceticismo e o otimismo ingênuo. A&C - Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n. 58, p. 177-209, out./dez. 2014, p. 178.

direito de livre iniciativa. E, se é assim, a restrição imposta ao direito à livre iniciativa pela medida “A” não se justifica; ela não é necessária. A alternativa que leva a um mundo em que se fomenta do mesmo modo a proteção ao consumidor, mas com menor restrição ao direito de livre iniciativa, pode ser considerada “superior de Pareto” em relação ao cenário base: ela melhora a situação de um dos princípios sem piorar a do outro.

Algumas críticas, porém, são dirigidas à aplicação do conceito de ótimo de Pareto de que se vale Alexy para explicar as etapas da adequação e da necessidade. Um dos problemas diz respeito às situações do tipo “Pareto incomparáveis”, que ocorrem quando a implementação de uma medida alternativa até pode melhorar a situação de um dos princípios envolvidos, mas não leva a uma situação “superior de Pareto” em relação a um caso em que um terceiro princípio possa ser afetado em razão da mudança de políticas, ou em relação à distribuição inicial de perdas e ganhos entre os princípios envolvidos (imagine-se, por exemplo, que essa alternativa atinge em menor grau o direito restringido, porém não promove na mesma intensidade o interesse que a medida de referência carrega)140. Essa constatação, aliás, é a base para crítica

que alguns autores fazem a respeito de uma limitação da proporcionalidade frente a outros instrumentos que pretendem avaliar as consequências de atos estatais e de suas alternativas, como a análise de custo e benefício, que poderiam se valer de considerações mais amplas e diversificadas.

De todo modo, concluindo-se que a medida é adequada e necessária, é preciso passar à análise da realização dos princípios em colisão relativamente às possibilidades jurídicas. É acionada, então, a terceira etapa do exame de proporcionalidade: a proporcionalidade em sentido estrito.

2.3.4 Proporcionalidade em sentido estrito: quando custos são inevitáveis (e