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2 AIR E PROPORCIONALIDADE: DIFUSÃO E ESTRUTURA

2.3 Proporcionalidade: estrutura

2.3.1 Adequação

De acordo com a etapa da adequação, é preciso avaliar se o meio escolhido pelo ato editado é apto a promover/fomentar123 o resultado por ele pretendido. Não há exigência de

certeza de alcance do resultado124.Uma medida deve ser considerada inadequada, portanto,

caso ela não tenha aptidão para promover/fomentar o objetivo por ela pretendido. Se estão em jogo potenciais promoções e restrições de objetivos juridicamente relevantes, e se não há ganhos possíveis (a medida, que restringe outro direito, sequer é capaz de promover os fins a que se propõe), então a situação representada pelo cenário em que a medida não é efetivada – em que não há ganhos ou perdas – é uma alternativa de decisão que leva a uma maior realização dos princípios incidentes, do que levaria aquela em que o ato é efetivado125 – em que só há

perdas.

Na prática, raros são os casos em que uma medida pode ser considerada efetivamente inadequada: “No geral, como destaca o próprio Alexy (...), as medidas escolhidas pelo legislador fomentam em alguma medida os objetivos por ele perseguidos. Isso reduz o significado prático do dever de adequação (...)”126. Desloca-se, assim, “para o dever de

necessidade o protagonismo no processo de otimização de princípios em colisão relativamente às possibilidades fáticas”127.

Dieter Grimm, ao explorar variações com que o Tribunal Constitucional alemão e a Suprema Corte canadense aplicam as etapas da proporcionalidade, afirma que a diferença entre

Law Research Paper No. 19-32, Março 2019, p. 01. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3345798>. Acesso em: 05 set. 2019.

122 Grimm levanta diferenças, por exemplo, entre a aplicação do exame feita pelo Tribunal Constitucional alemão e a Suprema Corte canadense, em GRIMM, Dieter. Proportionality in Canadian and German Constitutional Jurisprudence. University of Toronto Law Journal. v.57. 2007.

123 SILVA, Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais. v.798. 2002, pp. 36/37. 124 Id.

125 LEAL, Fernando. O que significa otimizar princípios? Uma pergunta, três respostas, três problemas --

What does optimizing colliding principles mean? One question, three answers, three problems. Espaço Jurídico, v. 17, n. 2, maio/ago. 2016, p. 415.

126 Id. 127 Id.

as duas jurisdições na análise deste primeiro passo é meramente semântica; sua função é eliminar o pequeno número de casos fora da curva128. Ainda que raros, um exemplo da prática

constitucional alemã é mencionado pelo referido autor: uma lei sobre caça que exigia, para falcoeiros, testes de capacidade técnica para uso de armas de fogo foi considerada inadequada, uma vez aqueles sujeitos não utilizam armas para a caça de falcão, mas caçam outros animais utilizando falcões129.

A utilização pouco rigorosa da proporcionalidade pelos aplicadores do direito no Brasil costuma reduzir a ferramenta à “ponderação de princípios”, acionando automaticamente uma discussão normativa sobre qual direito deve prevalecer no caso concreto, consideradas as suas circunstâncias. Nessa visão reducionista, proporcionalidade costuma ser sinônimo de uma ponderação desorientada, em que sequer se considera o instrumental teórico que tem por pretensão conferir sistematicidade aos juízos que deverão ser feitos. O que se vê, porém, já na etapa da adequação, é que juízos sobre inferências causais são tomados, ainda que, na forma em que normalmente tratada a etapa, a relação entre a medida e seus efeitos possa ser determinada de modo fraco: basta que se conclua que o ato é apto a promover/fomentar em alguma medida o objetivo pretendido.

Ainda que a exigência seja baixa, tomadores de decisão poderiam trabalhar com alguns níveis nessa etapa. Chang e Dai sugerem, por exemplo, que, no uso de um standard de revisão menos inquisitivo (que se pode chamar de “evidentemente errado”), talvez não deva ser exigido nenhum teste estatístico formal – o governo poderia defender sua posição baseado em literatura de ciência social de “segunda mão”, ou em estudos empíricos conduzidos no exterior ou em passado distante. Já quando um standard mais inquisitivo de revisão é adotado (“strict scrutiny”), dizem os autores, uma inferência causal válida deveria ser demonstrada pelo governo, e a variável causal deve ser estatisticamente significante no nível de 90% ou 95% e praticamente significante130. Se formos considerar esses padrões, é possível dizer que é o

standard de revisão menos inquisitivo que tem sido utilizado na maioria dos casos.

Ser mais rígido nesta primeira etapa tornaria o exame de proporcionalidade, já em seu começo, ainda mais exigente. Aliás, não só uma investigação mais profunda sobre relações de causalidade poderia causar esse efeito: a discussão sobre quais objetivos a medida pode

128 GRIMM, Dieter. Proportionality in Canadian and German Constitutional Jurisprudence. University of Toronto Law Journal. v.57. 2007, p. 389.

129 Id.

130 CHANG, Yun-chien; DAI, Xin. How to Use, and Not to Use, Proportionality Principle. NYU Law and Economics Research Paper No. 19-10; NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 19-32, Março 2019, p. 41. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3345798>. Acesso em: 05 set. 2019.

legitimamente perseguir também pode sofisticar a análise requerida. Como diz Thiago Araújo, a etapa da adequação é marcada por dois momentos: no primeiro, é necessário descobrir o que motivou a edição de ato, e, no segundo, investiga-se a congruência entre o meio adotado e o fim desejado131. Naquele primeiro momento, referido autor defende que ao legislador é

conferida a prerrogativa de perseguir mesmo “os objetivos não previstos, mas não proibidos pela Constituição”132.

Aliás, a respeito dessa questão sobre os objetivos visados pela medida, é possível ir ainda além: não só discussões podem envolver quais fins uma medida estatal pode legitimamente buscar, mas também a própria identificação dos objetivos que estão em jogo pode depender de atividade criativa do aplicador, que exerce uma espécie de poder de moldar

o caso ao selecionar as normas relevantes incidentes. Volta-se ao ponto no Capítulo 4.