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4 PROPORCIONALIDADE E ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO:

4.2 Raciocínios consequencialistas: estrutura e problemas

A proporcionalidade calibra a realização de princípios, que são normas com estrutura teleológica, enquanto a AIR pressupõe a análise dos efeitos da medida proposta e de suas alternativas, por meio de raciocínio prospectivo/consequencialista. A operacionalização de ambas guarda um decisivo elemento em comum, porque a justificação de decisões com base em princípios depende também do recurso a raciocínios consequencialistas. O ponto será explorado na Seção seguinte; nesta, importa apresentar a estrutura de raciocínios consequencialistas e seus problemas.

A estrutura por meio da qual raciocínios consequencialistas são feitos pode ser explicada com a menção a duas dimensões. Primeiro, qualquer juízo consequencialista, como diz Schuartz, “contém uma dimensão descritiva, na qual deverá ser positivamente especificada, para cada alternativa de decisão disponível, a sua respectiva consequência”283. O alcance

universal da pretensão de validade que um juízo consequencialista carrega restringe-se justamente a esta dimensão sua: a especificação das consequências de cada alternativa de decisão será objetivamente inadequada se puder ser mostrado que elas são diversas daquelas imaginadas pelo decisor284.

A outra dimensão de um juízo consequencialista, que se chama de normativa, consiste na “ordenação do conjunto de consequências de acordo com critérios valorativos”. Dela, se pode cobrar a consistência interna e também, pensando na sua aplicação no Direito, “dependendo das circunstâncias, a sua compatibilização externa com normas e práticas aceitas como devidas pelos integrantes de uma comunidade jurídica particular”285.

Como se vê, “juízos consequencialistas exibem uma estrutura dual, com cada elemento que os compõe (i. e., o descritivo e o normativo) estando sujeito a diferentes condições de

283 SCHUARTZ, Luis Fernando. Consequencialismo Jurídico, Racionalidade Decisória e Malandragem. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 248, p. 130-158, mai. 2008, p. 131. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41531>. Acesso em: 13 Dez. 2019. doi:http://dx.doi.org/10.12660/rda.v248.2008.41531.

284 Id.

racionalidade que, em conjunto, definem os critérios de adequação do juízo como um todo”286.

Em síntese, o que se tem é uma dimensão descritiva, em que “não há propriamente decisão, mas simplesmente prognoses sobre o que pode ocorrer caso o tomador de decisão opte por qualquer um dos possíveis caminhos decisórios”287, e outra normativa, “no âmbito da qual

se prescreve a adoção do curso de ação ao qual estiverem vinculadas as consequências preferíveis” de acordo com o critério de valoração de efeitos indicado288.

E que problemas esses juízos podem carregar? Foi dito, mais acima, com apoio em ideias desenvolvidas pela teoria de decisão, que há casos em que as relações entre alternativas decisórias e consequências não se dão sob condições de certeza, mas de risco (quando não se tem certeza de que a alternativa levará a determinado resultado, mas é possível estimar probabilidades em que isso ocorrerá), ou de ignorância (quando sequer é possível estimar probabilidades, ou mesmo conhecer os efeitos da alternativa). Raciocínios consequencialistas podem, como sugerem essas constatações, apresentar alguns problemas estruturais, e conhecê- los é primordial, como diz Leal, para o “desenvolvimento de metodologias de decisão capazes de elevar os níveis de racionalidade de processos decisórios, dentro ou fora do direito, orientados na valoração de efeitos de diferentes cursos de decisão”289. Estes problemas podem

afetar tanto a dimensão positiva/descritiva, quanto a dimensão normativa do raciocínio.

Na dimensão positiva, dois problemas podem aparecer. Um deles refere-se à extensão das cadeias de consequências: a questão relevante a ser enfrentada nesse caso é determinar até quando consequências devem ser consideradas, uma vez que “Cursos de ação geram efeitos que podem produzir novos efeitos que, por seu turno, podem produzir novos efeitos e assim sucessivamente”290.

O outro problema que incide na dimensão descritiva do tipo de raciocínio aqui considerado refere-se a como controlar prognoses: “Se, para dizer com Luhmann, existe uma assimetria insuperável entre o futuro presente e o presente futuro”, afirma Leal, “a validade de argumentos consequencialistas é necessariamente dependente da confiabilidade das prognoses feitas sobre o que acontecerá com o mundo caso um determinado curso de ação seja adotado”291.

286 Ibid, p. 133.

287 LEAL, Fernando A. R. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a teoria dos jogos podem oferecer?, p. 90. In: Armando Castelar Pinheiro; Antônio J. Maristrello Porto; Patrícia Regina Pinheiro Sampaio. (Org.). Direito e Economia: Diálogos. 1ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, v. 1, p. 85-113, 2019 288 Id.

289 Id . 290 Ibid., p. 94.

291 LEAL, Fernando. Inclinações pragmáticas no direito administrativo: nova agenda, novos problemas. O caso do PL 349/15. In: LEAL, Fernando; MENDONÇA, José Vicente Santos de (Orgs.). Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias. Rio de Janeiro: FGV, 2017, p. 28.

Se isso é verdade, “então a pergunta central a ser respondida neste plano de análise é: como tornar essas prognoses confiáveis, e não produtos de especulações intuitivas sobre o futuro?”292.

A questão diz respeito, portanto, à confiabilidade/precisão das análises dos efeitos que as medidas em jogo provocarão no mundo.

Já na dimensão normativa de raciocínios consequencialistas, é possível enxergar três tipos de problema: (i) o controle dos critérios usados para ordenar o estado de coisas associados às alternativas decisórias; (ii) “a definição e a estabilização dos sentidos destes critérios de valoração, sobretudo quando vagos”; e (iii) “como solucionar possíveis colisões entre critérios de valoração igualmente aplicáveis à mesma situação”293. Em três perguntas: qual o critério que

deve ser utilizado, quem deve escolhê-lo e de que modo, para, no caso em exame, ranquear os pares “alternativas decisórias disponíveis-respectivos efeitos”? Qual é o sentido desse critério? O que fazer quando há mais de um critério?

Passe-se a ver, enfim, por que princípios exigem raciocínios consequencialistas e a razão pela qual a proporcionalidade, em suas três etapas, pode lidar com juízos desse tipo.