• Nenhum resultado encontrado

ADIVINHA MORO NA FAZENDA.

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

ADIVINHA MORO NA FAZENDA.

COMO CAPIM E BEBO ÁGUA. QUEM EU SOU?

CAVALO Figura 6: Texto ADIVINHA Episódio(...)

(31) S.: Quem gostaria de ler [LER] o texto? (indica o texto na lousa)

(32) E.: (se aproxima da lousa, aponta a palavra CIDADE) [CAVALO] (indica a palavra

FAZENDA no texto) [LONGE] (indica a palavra CAVALO no texto e soletra) [C-A-V-A-L-O]

(passa o dedo na frase – MORO NA FAZENDA) [CAVALO] [LONGE] (indica a palavra mora) [CASA].

Pode-se observar que, no turno acima, E. recorre à escrita na lousa para ler, ao mesmo tempo em que recorre ao texto “Adivinha”. Novamente, seus olhos saltam pela página, em busca do sentido, explicitando para a palavra FAZENDA o conceito de longe. Logo em seguida, soletra a palavra cavalo e volta outra vez para a primeira frase – MORO NA FAZENDA, sinalizando novamente cavalo, longe e casa. Ao expressar-se nessa ordem, parece dizer que o cavalo mora longe, isto é, na fazenda. Mais adiante, talvez por partilhar pela primeira vez desse modelo de gênero discursivo, apóia-se em fatos do seu cotidiano, desviando-se do conteúdo impresso no texto. Ver a seqüência:

(33) E.: (passa o dedo sobre a segunda frase – COMO CAPIM E BEBO ÁGUA) [CAVALO LONGE COMER] (indica a palavra BEBE ÁGUA) [ERRAR LAVAR] [ROUPA] (indica as palavras BEBE ÁGUA) [COELHO] [ARVORES]

(34) E.: (indica a terceira frase) [CASA EMBORA JÁ] [QUARTA-|FEIRA CAVALO] [CEES] (indica a última frase) [ÁRVORE] (indica a palavra CAVALO) [EMBORA] [DORMIR] (35) S.: acabou!!! Tem mais?!!!

Nessa atividade, a criança parece rememorar outros discursos já pronunciados, ou seja, fatos que marcaram leituras anteriores, como, por exemplo, no caso da atividade “Visita do Coelho”, em que as palavras COELHO e QUARTA- FEIRA aparecem nesse episódio novamente, porém fora do contexto: ver turnos 33 e 34. Ao invés de enxergar esses deslizes, ou equívoco da criança como erro, ou como distúrbio de linguagem, alguns estudiosos preferem deslocar o foco de

sintomas ou erros na linguagem do sujeito como efeito de sentido, ao deixar de

procurar marcas do imperativo da língua (das normas e regras inerentes ao código) para “escutar” as pistas diluídas no discurso do sujeito (TFOUNI, FERRIOLLI & MORAES, 2002). Assim como Brait (2000, p. 17), pode-se dizer que qualquer enunciado fatalmente fará parte de um gênero:

[...] Se eu vou me expressar em um determinado gênero, meu enunciado, meu discurso, meu texto será sempre uma resposta ao que veio antes e suscitará respostas futuras, o que estabelece a profunda diferença entre intertextualidade (diálogo entre textos) e a interdiscursividade (diálogos entre discursos).

Para finalizar sua atividade de leitura, E. recorre ao dizível do gênero partilhado, querendo talvez dizer “O Cavalo foi embora para a floresta”:

(36) E : (indica as duas últimas palavras da frase) [EMBORA CAVALO ÁRVORE]; (37) S : muito bem.. você sabe ler tudo !!! Parabéns...

Esse movimento do aluno, na apropriação do gênero, também pode ser observado na próxima atividade.

23 - ATIVIDADE: Em busca do texto correto para continuar confeccionando a máscara Data: 29/04/03 Participantes: N. e E. Objetivo Função social de comunicação

Descrição da atividade Suporte

textual - Comparar as silhuetas dos textos conhecidos; - Permitir a criança identificar o texto que a auxiliará a dar - Regular com precisão o comportamento humano para a realização do objetivo.

A criança foi incentivada a localizar o texto para continuar confeccionando a máscara do coelho, que foi interrompida no encontro passado, pois já havia encerrado o seu horário de atendimento.

Texto: MÁSCARA DO

prosseguimento à execução de uma tarefa.

Quadro 25. GÊNERO INSTRUÇÃO DE MONTAGEM

Considerando que já havia se passado um longo período de coleta (06/03/02 a 29/04/03), nos próximos episódios procurarei demonstrar que os interlocutores (professora e crianças) foram se sentindo mais à vontade, em relação às atividades de leitura apresentadas. Tais propostas, quando decorrentes de situações reais de produção de linguagem, da função social e dos usos de circulação dos gêneros discursivos, deixam de causar estranheza aos participantes do estudo, para se tornar um instrumento de apropriação da linguagem e de interação. Visando a encontrar pistas para ler, busco auxiliar as crianças na leitura. É o que se pode observar, na seqüência de turnos abaixo:

(1) S.: Lembra, Edilson... que na semana passada nós estávamos fazendo a máscara do coelho, mas você teve que ir embora. Vamos continuar ela hoje (mostra os materiais para confeccionar a máscara, em cima mesa)

(2) E.: (faz o gesto que sim)

(3) S.: olha lá (aponta vários textos fixados na parece dos atendimentos anteriores) você deverá pegar o texto que está explicando [EXPLICAR FAZER MASCARÁ] de como nós devemos fazer a máscara

(4) E.: (vai até o primeiro texto)

1o texto - VAMOS COLORIR E DESMONTAR O COELHO Materiais:

1 TESOURA 1 DUREX 1 COLA Como fazer:

A NATHÁLIA VAI CORTAR AS PERNAS O ADILSON VAI CORTAR A BARRIGA O EDILSON VAI CORTAR AS ORELHAS

DEPOIS DE PINTADO, RECORTADO EM PARTES, NÓS VAMOS MONTÁ-LO NOVAMENTE. SERÁ QUE DARÁ UM COELHO MALUCO?

(5) E.: (aponta a palavra TESOURA no texto) [COELHO] (indica a palavra DUREX) [TESOURA] (6) S.: este que você apontou é o durex (mostra o durex para E.) E o outro, o que é?

(7) E.: (indica palavra COLA) [COLA]

(8) S.: é cola... tá certo, mas tem palitos escrito aí... tem lápis [LÁPIS COR] de cor...(indica os materiais para fazer a máscara, em cima da mesa, conforme verbaliza). Não tem... então não deve ser esse texto... Vamos ver o outro ?

Nessa atividade, procuro conduzir o aluno a mobilizar o sentido pela previsão do que virá na leitura (5 a 8).

Segundo Smith (1989), na leitura fluente, os olhos estão sempre à frente das palavras que o cérebro está processando, conferindo os possíveis obstáculos para compreensão. Existem muitas maneiras de interpretar; sendo assim, a previsão elimina a ambigüidade no mundo, onde há muitas maneiras de interpretar as coisas. O autor definirá a previsão com a eliminação antecipada de alternativas improváveis na leitura. Ela não é uma adivinhação irresponsável, nem uma questão de procurar uma chance tentando encontrar resultados mais prováveis. Para o autor, a criança usa sua teoria de mundo para dizer o que é mais provável de ocorrer e deixar o cérebro decidir entre as alternativas remanescentes, até que a sua incerteza seja reduzida a zero. “[...] Somos tão bons para prever alternativas prováveis que raramente nos surpreendemos” (1989, p. 78). É o que se observa quando E. hesita diante do segundo texto, objetivando encontrar pistas/indícios para continuar a tarefa: encontrar o texto correto para confeccionar sua máscara do coelho:

2o. texto: O coelho colorido

A Mariana vai pintar as duas orelhas do coelho de vermelho. Priscila vai pintar as pernas do coelho de verde.

A Sandra e a Mariana irão pintar os olhos de azul. (9) E.: (se aproxima do segundo texto)

(10) E.: (olha atentamente o texto, parece procurar algo e logo em seguida recorre ao terceiro texto)

Nesse momento, E. parece vacilar por alguns instantes, buscando pistas para ler; como não as encontra, abandona o segundo e se põe a analisar o terceiro texto (ver turno 10 e 11). Sinaliza ter encontrado as pistas que procurava, quando se dirige ao terceiro texto: escrita das palavras – LÁPIS e COLA.

3O. texto: MÁSCARA DO COELHO 1 COLA 1 TESOURA 1 MÁSCARA - MOLDE LÁPIS DE COR PALITOS E PAPEL INSTRUÇÕES

COLOCAR O MOLDE SOBRE O PAPEL. DEPOIS RISCAR EM VOLTA DA MÁSCARA RECORTAR A MÁSCARA

E AGORA!! É SÓ PINTAR A MÁSCARA E DEPOIS BRINCAR

(11) E.: (indica a palavra LÁPIS no terceiro texto e sorri) [LÁPIS] (indica para o lápis em cima da mesa)

(13) E.: (indica a palavra COLA) [COLA] (indica a cola em cima da mesa)

(14) S.: esse que você mostrou é cola. Você acha que é esse? Então pega o texto para a gente continuar a máscara

(15) E.: (olha para S. e passa o dedo sobre os materiais e leva o texto até a mesa)

(16) S.: agora vamos ler...pra gente continuar fazendo a máscara, o que é preciso fazer? (17) E.: (indica a palavra COLA e aponta a cola em cima da mesa)

(18) S.: E depois?

Buscando identificar o texto correto para continuar a atividade de confecção da máscara, E. apóia-se na estratégia de identificação de palavras conhecidas (ver as passagens nos turnos 5, 7, 11, 13, 17). Sua dúvida, na escolha entre o primeiro e o terceiro texto, talvez possa ser explicada pela semelhança encontrada na superestrutura dos textos apresentados, conforme a silhueta e/ou dinâmica interna dos mesmos, como: tipo de letras, presença de numerais, disposição das palavras no texto, tipo de papel etc. De acordo com Jolibert et al. (1994), as crianças buscam indícios que vão desde a ilustração, o formato e a cor das letras, passando pelas palavras e que, de todo o modo, estão ligados ao contexto de produção e de circulação desse gênero discursivo. Como mostra os autores (1994, p.15):

[...] a leitura nada tem a ver com uma decifração linear e regular, que parte da primeira palavra da primeira linha para chegar à última linha; que varia de um leitor para outro e, para um mesmo leitor, de que um texto para outro, e, para um mesmo leitor e um mesmo texto, de um objeto de procura para outro (posso, em momentos diferentes, procurar informações diferentes num mesmo artigo).

Nesta direção, Manguel (1997, p. 54) acrescenta que

[...] ler não deve ser encarado como um processo automático de capturar um texto como um papel fotossíntese captura a luz, mas um processo de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e, contudo, pessoal. Os pesquisadores ainda não sabem se a leitura é independente, por exemplo da audição, se é um conjunto único e distinto de processos psicológicos ou se consiste de uma grande variedade desses processos, mas do próprio pensamento. [...] Ler, então, não é um processo monolítico, unitário, no qual apenas um significado está correto. [...] Ao contrário trata-se de um processo generativo que reflete a tentativa disciplinada do leitor de construir um ou mais sentidos dentro das regras da linguagem (1997, p. 54).

Para os autores referidos (SMITH, 1989; JOLIBERT ET et. al. 1994; MANGUEL, 1997), pode-se dizer que ler é questionar algo escrito como tal, a partir de uma expectativa real, para satisfazer uma verdadeira situação de vida. Questionar um texto, construir hipóteses de sentido, a partir de indícios levantados, buscando verificá-las para avançar na leitura. Portanto, pode-se dizer que é lendo escritos reais, desde o início, que a criança surda poderá tornar-se leitora. A seguir,

um outro exemplo em que a leitura parece ter sido encarada como uma satisfação de ter uma necessidade atendida.

45 – ATIVIDADE: Fazendo objeto com gesso – lendo as instruções Data:18/09/03 Participantes: M., e E. Objetivo Função social de comunicação

Descrição da atividade Suporte textual -Explorar a silhueta do texto (materiais e procedimento) ; - Explorar o uso de imagens e números, como complemento da informação textual. - Regular com precisão o comportamento humano, para a realização do objetivo.

As crianças manipulam os materiais, para fazer uma atividade de gesso. Para executar os passos da atividade, as crianças são motivadas a procurarem no texto as informações para realizar a tarefa. A professora também escreve os passos dos materiais e instrução de como fazer em um papel à parte da embalagem.

Texto: Instrução de como fazer um objeto de gesso.

Quadro 26. GÊNERO INSTRUÇÃO DE MONTAGEM

Nessa atividade, as crianças parecem estar bastante à vontade para ler, porque iriam executar algo com que estavam de acordo, ou seja, confeccionar um objeto de gesso. Na expectativa de resolver a tarefa, foram incentivadas pela professora a encontrar no texto informações sobre como realizá-la. Logo no início da atividade, E. assume a liderança para executá-la, mas, no primeiro obstáculo, diz não saber ler:

(1) E.: (olha o texto, pega a tigela e o copo com água)

(2) S.: (indica a frase contendo o segundo passo, passando o dedo sobre ela, da esquerda para direita – COLOQUE 1 COPO DE GESSO NA TIGELA)

(3) E.: (despeja o conteúdo do copo na tigela e olha para S.) [SABER NÃO]

Encorajando a continuar levantando perguntas para o texto, porque ele saberia o que era para fazer naquele instante, com a ajuda da professora, E. testa sua nova hipótese, talvez apoiado nas suas experiências prévias – ou conhecimento de mundo – de que precisaria de água para fazer o objeto de gesso:

(4) S.: [SABER FAZER]. [AGORA FAZER O QUÊ]?

(5) E.: [ÁGUA] (olha para a frase no texto - TERCEIRO: COLOCAR ÁGUA)

(6) S.: [AGUA TERCEIRO] [ONDE TEXTO]?

(7) E.: (indica o número três – contendo ser o terceiro passo na receita – TERCEIRO: COLOCAR AGUA)

(8) S.: [VOCE AGUA PEGAR) (indica a porta) (9) E.: (sai da sala para buscar água)