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2 A ADOÇÃO DE RECOMENDAÇÕES TÉCNICAS

O trabalho de capacitação, orientação para coleta de amostras e, sobretudo, de aconselhamento a partir das análises de solos exige que se considerem alguns fatores que influenciam na possibilidade dos produtores rurais adotarem ou não as recomendações e inovações sugeridas.

A orientação difusionista da assistência técnica, que uniformiza os produtores rurais para os quais se repassam tecnologias padrões e pré-definidas, já se mostrou muito limitada e excludente, deixando sem opções tecnológicas e assessoramento adequado um grande conjunto de produtores rurais, sobretudo agricultores familiares cujos sistemas de produção são complexos (CAPORAL e COSTA BEBER, 1994). Nesta concepção clássica todos os agricultores poderiam ser classificados entre

"dinâmicos", mais propensos ao risco e receptivos às técnicas modernas, e agricultores "tradicionais", avessos ao risco e pouco receptivos àquelas

técnicas. Essa teoria indica que a difusão e adoção de tecnologias, são processos que sugerem a pura e simples incorporação pelo agricultor de uma tecnologia acabada gerada fora de seu universo. A decisão do agricultor se daria num campo de escolha restrito: adotar ou não adotar.

Essa noção, cujas incoerências já estão suficientemente confirmadas, desconsidera o papel dos agricultores como sujeitos sociais, cujas decisões administrativas se dão dentro de múltiplas pressões, objetivos e expectativas em conflito, condicionadas por um contexto que vai além dos limites da propriedade.

Ao contrário da visão clássica e difusionista, considera-se aqui que é preciso admitir as diversidades dos ecossistemas e dos modos de gestão, e reconhecer a constituição histórica de agricultores e agriculturas diferenciados econômica, social e culturalmente. Nesta perspectiva, o processo de assessoramento, de geração e socialização de conhecimentos e técnicas pressupõe não só o reconhecimento da existência de diferentes tipos de agricultores, mas a realização de procedimentos que caracterizem as diferenças fundamentais que condicionam a adoção de inovações. São estas condições concretas em nível de unidade produtiva, que determinarão as opções tecnológicas.

Estas condições envolvem fatores não só econômicos, mas aspectos ecológicos, culturais e político-institucionais que definem distintas estratégias de decisão e gestão nas unidades produtivas (SILVEIRA, 1993).

Isso implica em reconhecer que os agricultores não tomam suas decisões exclusivamente orientadas pela busca do lucro. Ao contrário, os agricultores, e, sobretudo familiares, fazem suas escolhas orientados por fatores diversos e não só econômicos. Esses vários condicionantes nem sempre ocorrem de forma clara e harmônica para o agricultor.

Freqüentemente eles encontram-se influenciados por uma ampla lista de

objetivos que podem inclusive se apresentarem para o agricultor de forma conflitiva - tal como alcançar maior lucratividade ou manter a situação de segurança, de autonomia. Nesta perspectiva entende-se que a racionalidade que orienta as decisões dos agricultores é condicionada por contextos complexos, limitada pelas tensões do cotidiano, do mundo social e natural, e pelas diversas capacidades e objetivos dos seres humanos (GUIVANT, 1995).

Admite-se assim que o pressuposto da racionalidade econômica como único parâmetro válido e universal para orientar as escolhas dos agricultores é incapaz de explicar a complexidade do processo mudança técnica, sobretudo diante da diversidade de tipos de agricultores constituída pela diferenciação social que acompanhou o processo de modernização da agricultura brasileira.

É preciso, assim, compreender a racionalidade da gestão da unidade produtiva, identificando suas características sócio-econômicas, sua história e estado atual, sua necessidades e projetos. Como afirma SILVEIRA (1993) essa racionalidade ou lógica de gestão e decisão “(...) é sempre uma opção entre alternativas conhecidas pelo gestor, segundo critérios que são condicionados pela percepção do agente em relação a sua situação”. Captar esta percepção do produtor é uma das principais funções do diagnóstico. Algumas questões centrais devem ser respondidas, dentre as quais se destacam:

1) Ocorrem problemas com os solos na propriedade agrícola?

2) O produtor percebe que estes problemas ocorrem? Na opinião do produtor, quais os impactos negativos destes problemas? Prejuízos econômicos: perdas de produção, de produtividade e renda? Impactos ambientais: processos de degradação? Perda do patrimônio sócio-cultural? Estas perguntas são fundamentais, pois é preciso que o agricultor esteja certo da necessidade do diagnóstico, das análises e

das recomendações daí derivadas. Essa necessidade deve ser evidenciada e reforçada se preciso, pois, do contrário, tanto a análise quanto as sugestões técnicas podem não ser consideradas importantes e úteis pelo o agricultor. Se isso acontecer a possibilidade de adoção das recomendações é pequena, ainda que elas possam parecer efetivamente necessárias;

3) Qual a prioridade que este produtor dá para os problemas de solo e para as recomendações que visem a correção ou manutenção da fertilidade do solo? Se outros problemas (técnicos ou não) forem considerados mais importantes pelo agricultor diante do esforço e custo que a análise e recomendações vão lhe exigir, seu interesse e aceitação diante das sugestões tende a ser reduzida.

Um método básico para responder a estas questões e identificar a importância e a prioridade para problemas e recomendações relacionadas com o solo é envolver ao máximo o produtor no trabalho de caracterização da propriedade. A participação do produtor tem por objetivo o engajamento deste na análise de sua realidade e na busca de alternativas apropriadas.

Além disto, proporcionar que o produtor não seja um mero informante, mas um co-autor do diagnóstico, é reconhecer o conhecimento local e transformar o diagnóstico num instrumento de capacitação (CHAMBERS, 1995).

O diagnóstico participativo deve assim, permitir que o produtor analise e discuta sobre o modo como o seu solo é manejado e sobre os problemas daí decorrentes. Isto vai permitir que ele perceba a necessidade (ou não) das análises e das futuras recomendações, o que tende a favorecer a adoção das recomendações. É evidente que quanto mais discutido com o produtor for o diagnóstico e as recomendações, mais apropriadas ao sistema de produção serão as sugestões, e maior será o grau de adoção.