• Nenhum resultado encontrado

2 A TRÍADE NUCLEAR À LUZ DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PARIDADE,

2.1 O ADVENTO NUCLEAR: DE PONTE TECNOLÓGICA À PONTO DE

INFLEXÃO NO EQUILÍBRIO INTERNACIONAL.

O ativo principal da bomba nuclear, o urânio, foi descoberto pelo farmacêutico alemão Martin Klaproth em 1789, e foi assim chamado em referência ao planeta Urano (GOMES, 2017). Contudo, a descoberta do elemento adquiriu importância apenas a partir da evolução de pesquisas científicas que oportunizaram acúmulo de conhecimento profícuo na geração de energia nuclear. Tal processo perpassa a hipótese atômica proposta pelo químico-físico inglês John Dalton apresentada no livro A New System of Chemical Philosophy em 1803, a qual revolucionou a química moderna. Dalton afirmou cientificamente que toda matéria é constituída por unidades fundamentais chamadas de átomos – partícula cuja ruptura será responsável por gerar a energia necessária para a explosão dos artefatos militares nucleares. Em 1895, radiações ionizantes foram identificadas pelo físico alemão Wilhelm Roentgen e denominadas de Radiação X ou Raio X. No ano seguinte, Henri Becquerel descobriu a pechblenda, minério extraído do urânio capaz de escurecer uma placa fotográfica – os raios emitiam radiação que atravessava corpos opacos apesar de, em parte, serem absorvidos por

eles – impressão em chapas fotográficas de Raio X. Tal fenômeno foi denominado de “radioatividade” por Pierre e Marie Curie.

Em princípio do século XX, Enerst Rutherford demonstrou que partículas afetadas por radioatividade poderiam dar origem a um novo elemento químico. Também, a partir do estudo do comportamento dos raios X, embasou o estabelecimento do modelo nuclear análogo ao sistema planetário onde os elétrons orbitam em torno de um núcleo (GOMES, 2017; COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR – CNEN, 1997; OUTLINE HISTORY OF NUCLEAR..., 2019). Grandes avanços acerca da física nuclear tomaram forma ao longo da década de 1930, mas já em 1929 físicos italianos sustentavam que

A única possibilidade de novas grandes descobertas da Física reside no fato de podermos modificarmos o núcleo interno do átomo. [...] O objetivo não é tão somente a transmutação dos elementos químicos em quantidades sensíveis, mas a constatação da grande produção energética que deverá se manifestar na pulverização ou reconstituição dos núcleos atômicos. (CNEN, 1997, p. 13, grifo nosso).

Estavam postas as previsões para a conceptualização da fissão e fusão nuclear. Assim, os estudos sobre radioatividade artificial orientados por Enrico Fermi, são certificados quando da publicação de Otto Hanh e Fritz Strassmann no periódico Die Naturwissenschaften em dezembro de 1938, sobre a possibilidade de partir o núcleo do átomo. Antes de ser publicado, o resultado fora compartilhado com os pesquisadores Lise Meitner e Otto Frisch, os quais elucidaram que “o núcleo do urânio podia, de fato, parecer uma gota muito oscilante e instável, pronta para dividir-se à menor provocação com o impacto de um único n utron” (HOLLOWAY, 1997, p. 74). Ou seja, quando disparado contra uma partícula de urânio o nêutron era absorvido pelo núcleo causando uma instabilidade que desencadeava a divisão da partícula. De fato, esta desintegração nuclear gerava uma repulsão elétrica que liberava uma enorme quantidade de energia, equivalente a milhões de elétrons-volt (MeV). A essa nova reação, em artigo publicado em fevereiro de 1939 na revista Nature, Frisch e Meitner denominaram “fissão nuclear” (CNEN, 1997; GOMES, 2017; HOLLOWAY, 1997).

Neste mesmo ano, 1939, Hahn e Strassmann avançaram suas pesquisas mostrando que o experimento da desintegração nuclear liberava nêutrons adicionais os quais, em contato com outros núcleos de urânio, desencadeavam uma reação em cadeia gerando produção de energia em larga escala (OUTLINE HISTORY OF NUCLEAR..., 2019). Também naquele ano, Niels Bohr concluiu que a fissão era mais eficaz se utilizado o isótopo U-235 do urânio. A escassez do elemento o levou a criar um processo de purificação do U-238, o qual ficou conhecido

como enriquecimento de urânio. Por fim, o físico francês Francis Perrin demonstrou a massa crítica de urânio necessária à liberação autossustentável de energia. Deste momento em diante estabelecia-se a receita da produção de energia atômica.

Holloway (1997) afirma que o avanço das pesquisas gerou uma grande excitação na comunidade científica. No entanto, o clima hostil de guerra que pairava sobre a Europa gerava tensão sobre as possibilidades de uso da fissão nuclear. Leo Szilard é quem aponta para a responsabilização da comunidade científica sobre as implicações militares da descoberta (HOLLOWAY, 1997). Em progressivos intentos, Szilard buscou alertar autoridades competentes na Europa e Estados Unidos sobre as consequências das reações nucleares em cadeia e sua disseminação para usos militares. Dentre os intentos, alertou o governo britânico para “negar Alemanha o urânio de posse da Union Minière Company, na B lgica” (p. 82). Mas o vislumbre remoto da confecção da bomba atômica somado ao direcionamento dos esforços dos físicos para atender outras demandas da guerra, esvaziou o senso de urgência. No entanto, ainda em abril de 1939, um grupo de cientistas alemães alertaram o governo nazista sobre as implicações da fissão nuclear e, já em setembro – quando da eclosão da II Guerra Mundial –, o Ministério de Guerra assumiu as pesquisas nucleares do Instituto Kayser Wihelm e a Diretoria do Material Bélico de Guerra estabeleceu um projeto para o estudo da fissão nuclear. A partir de então, toda e qualquer referência a respeito de produção e uso de energia atômica estava sob controle estatal. Não tardou para a física nuclear se transformar em um fator-chave das relações internacionais, muito antes do advento efetivo da bomba de energia atômica.

O avanço do conflito em território europeu levou Leo Szilard a reorientar seus esforços, agora em prol da expansão das pesquisas de tal sorte a ultrapassar uma possível investida alemã na construção da bomba. É quando, então, por intermédio de Alexander Sachs, faz chegar às mãos do presidente Franklin Delano Roosevelt, uma carta escrita por Albert Einstein cujo intento é influenciar a presidência de sorte a angariar recursos às pesquisas:

Senhor Presidente,

Algumas pesquisas recentes desenvolvidas por E. Fermi e L. Szilard, [...], me levam a considerar que o elemento urânio possa ser transformado, num futuro imediato, em uma nova e importante fonte de energia. Alguns aspectos da situação parecem exigir certa vigilância e, se necessário, uma ação rápida por parte da administração estatal. [...] No curso dos últimos quatro meses [...] foi confirmado que possa ser possível estabelecer uma reação nuclear em cadeia em uma grande massa de urânio, através da qual vastas quantidades de energia e grandes quantidades de novos elementos semelhantes ao rádio seriam gerados. [...] Este novo fenômeno também conduziria à construção de bombas, e é concebível – embora menos certo – que bombas

extremamente poderosas deste tipo possam ser construídas. [...] Em vista desta situação, você poderia achar desejável manter algum contato permanente entre a administração e o grupo de físicos que trabalham com “reação em cadeia” na América. [...] [é sabido] que a Alemanha efetivamente bloqueou a venda de urânio das minas da Tchecoslováquia, das quais tomou posse. A decisão de agir rapidamente pode ser explicada pelo fato [de o Kaiser-Wilhelm-Institut de Berlim], em parte, estar repetindo as mesmas pesquisas sobre o urânio que se desenvolvem nos Estados Unidos17. (EINSTEIN, 1939, não paginado, tradução nossa).

Este primeiro esforço da comunidade científica americana para atrair a atenção governamental às questões nucleares ganhou corpo somente após o início da II Guerra, quando em 1940 criou-se o National Defense Research Committee – NDRC (IRVIN, 1948).

Na Rússia, e posteriormente na URSS, é perceptível um esforço laborioso ao desenvolvimento científico, especificamente, ao nuclear. Os primeiros estudos de materiais radioativos, desenvolvidos por V.I. Vernadsky, datam do período czarista. No entanto, é a Revolução de 1917 que impele relevância aos estudos científicos, dada a crença bolchevique na ciência imputada pelo teor científico do marxismo (HOLLOWAY, 1997, p. 27). Destarte, apesar dos problemas econômicos advindos da I Guerra Mundial e da instabilidade da Guerra Civil gerada pela Revolução, no imediato período pós-revolução o desenvolvimento de ciência e tecnologia estabeleceu-se enquanto prioridade ao governo bolchevique. A área projetava-se enquanto campo basilar de investimento e de política de governo, dados os estreitos vínculos com a indústria.

Assim o foi com os centros de pesquisa sobre radioatividade. Já em 1918 o governo bolchevique, sob coordenação dos cientistas A.F. Ioffe e M.I. Nemenov, fundava em Petrogrado18 o State Institute of Roentgenology and Radiology19 20. Em 1934 ambos os institutos – LPTI e RIAN – conduziam pesquisas sobre física nuclear e, no mesmo ano, foi

17

Do original em inglês: “Some recent work by E. Fermi and L. Szilard, […], leads me to expect that the

element uranium may be turned into a new and important source of energy in the immediate future. Certain aspects of the situation which has arisen seem to call for watchfulness and if necessary, quick action on the part of the Administration. In the course of the last four months […] that it may be possible to set up a nuclear chain reaction in a large mass of uranium, by which vast amounts of power and large quantities of new radium-like elements would be generated. […] This new phenomenon would also lead to the construction of bombs, and it is conceivable--though much less certain--that extremely powerful bombs of this type may thus be constructed. In view of this situation you may think it desirable to have some permanent contact maintained between the Administration and the group of physicists working on chain reactions in America. I understand that Germany has actually stopped the sale of uranium from the Czechoslovakian mines which she has taken over. That she should have taken such early action might perhaps […] the Kaiser-Wilhelm Institute in Berlin, where some of the American work on uranium is now being repeated” (EINSTEIN, 1939: online).

18

A cidade que hoje se conhece por São Peterburgo (em russo: Санкт- етерб рг), fora chamada de Petrogrado (em russo: етроград) no período de 1914 a 1924, e Leningrado (em russo: Ленинград de 1924 a 1991.

19 Em novembro de 1921 State Institute of Roentgenology and Radiology foi dividido formando o Institute of

Physics and Technology (depois renomeado Leningrad Institute of Physics and Technology - LPTI) e o Radium Institute of the Academy of Science (RIAN).

estabelecido em Moscou o Lebedev Institute of Physics21 se tornando centro de referência para pesquisas sobre o tema. À época, outros institutos como o Ukrainian (depois Kharkov) Institute of Physics and Technology22, também realizavam proeminentes pesquisas na área (BUKHARIN, SUTYAGIN, 2004, p. 67). Steven Zaloga (2002) observa que, já no final da década de 1930, era de conhecimento dos cientistas soviéticos a possibilidade de uso da energia nuclear para construção de armas. No entanto, as pesquisas equacionando o uso da energia nuclear para fins civis ou militares se davam em escala muito pequena, resultado do ceticismo dos cientistas em relação ao uso efetivo desta energia e da falta de suporte do governo (HOLLOWAY, 1997, p. 79; ZALOGA, 2002, p.5). Enquanto pesquisadores como Igor Tamm afirmavam que a nova descoberta significava “pode[r] construir uma bomba que destruirá a cidade em um raio de talvez dez quilômetros” (FRISH, 199223

apud HOLLOWAY, 1997, p. 79), outros, como A. Ioffe, acreditavam que “se o domínio da tecnologia de mísseis é uma questão para os próximos cinquenta anos, então o emprego da energia nuclear uma questão do próximo s culo” (HOLLOWAY, 198124

apud ZALOGA, 2002, p. 5).

Zaloga (2002) afirma que a proximidade da guerra e a suspeita do desenvolvimento de uma arma nuclear pela Alemanha, induziram mudanças de atitude do governo soviético. Também contribuíram os relatórios do Departamento de Inteligência Científica e Técnica do NKVD 25 (Comissariado do Povo para Assuntos Internos), os quais mostravam desenvolvimentos nucleares na Grã-Bretanha, na França e na Alemanha (ZALOGA, 2002, p. 5; BUKHARIN, SUTYAGIN, 2004, p. 68). Ou seja, assume-se a presunção de que um programa nuclear alemão, bem como britânico e americano, tenha servido de alerta às autoridades soviéticas. Não obstante, Holloway infere que os cientistas soviéticos tiveram comportamento diferente dos americanos – que alertavam o governo via carta de Albert Einstein à Roosevelt – não alvoroçando sobre as implicações do uso da fissão nuclear, quiçá, fundamentados em seu ceticismo quanto ao uso real da energia nuclear. Ainda, é plausível auferir vínculos ao posicionamento estratégico e político da União Soviética em relação ao conflito que se encetava na Europa: alarmar-se por uma eventual ameaça de armamento nuclear alemão se mostrava contraproducente ao pacto germano-soviético de não-agressão (Pacto Ribbentrop-Molotov – 1939) (HOLLOWAY, 1997, p. 84).

21

Do original em russo: Физический инстит т им. Лебедева.

22 Do original em russo: Национальный на чный центр Харьковский физико-технический инстит т. 23 FRISH, S. Skvoz prizmu vremeni. Politizdat, Moscou, 1992, p. 87.

24

HOLLOWAY, D. Entering the Nuclear Arms Race: The Soviet Decision to Built the Atomic Bomb, 1939-45. Social Studies of Sciense, vol. 11, 1981, pp. 159-197.

A entrada forçada da URSS na II Guerra Mundial, em 22 de junho de 1941, suspendeu o programa nuclear do país, redirecionando os esforços científicos para demandas prementes. Foi em fins de 1941 que Lavrenty P. Beria, chefe do Serviço Secreto da NKVD, notificou I. V. Stálin sobre o desenvolvimento teórico de uma bomba de urânio na Inglaterra. Stálin, incrédulo, somente admitiu a veracidade da informação quando de um segundo memorando de Beria, recebido em março de 1942, corroborado com informações recebidas do Departamento Central de Inteligência de Klaus Fuchs – informante do programa inglês (ZALOGA, 2002, p.5; COCHRAN et al, 1995, p. 19; BUKHARIN, SUTYAGIN, 2004, p. 68). A rede de espionagem do governo serviu enquanto catalisador para a retomada do programa nuclear soviético à agenda governamental. Em 11 de fevereiro de 1943, uma determinação do Comitê de Defesa Estatal estabeleceu o Laboratório n. 226, assim intitulado para que não revelasse sua real função (HOLLOWAY, 1997, p. 128):

O [objetivo do] Laboratório n. 2 era projetar um reator nuclear para demonstrar a viabilidade de uma reação nuclear em cadeia e desenvolver técnicas para separação do isótopo de urânio. [...] na primavera de 1943 [...] a agenda de pesquisa foi expandida para incluir a produção de plutônio e o estudo de suas propriedades. (BUKHARIN, SUTYAGIN, 2004, p.69).

A destreza do projeto dependia, para além dos investimentos diretos do governo, de recursos materiais externos, especificamente, urânio. Assim, as constantes compras de matéria prima dos Estados Unidos poderiam ser traduzidas pelos pares internacionais tanto como um direcionamento de esforços aos estudos nucleares quanto, por outro lado, como demonstração de deficiência na exploração dos depósitos de minério soviéticos. Ao fim e ao cabo, refletiam a morosidade de progresso do projeto e de que este não se fixava enquanto alta prioridade ao Politburo. O constante fluxo de informações dava ao serviço secreto soviético uma ampla e clara visão sobre o Projeto Manhattan e os progressos obtidos nas pesquisas americanas. Outrossim, mostrava ser factual a lacuna existente entre os projetos da URSS e dos EUA. Contudo, é o teste de 16 de julho de 1945 (dispositivo nuclear Gadget ou bomba Trinity27) e,

26 Holloway (1997, p. 132) aponta para o crescimento lento do laboratório. Um ano após seu estabelecimento

eram 74 pessoas trabalhando no laboratório (Bukharin e Sutyagin, 2004, p. 69 indicam número de 83 pessoas trabalhando no laboratório), sendo que 25 destes eram cientistas.

27 O Teste Trinity ou Bomba Trinity é o codinome dado por Robert Oppenheimer ao local escolhido para o teste

do dispositivo nuclear codinome Gadget. O nome acabou sendo adotado pela equipe, e assim é referenciado até os dias de hoje. O projeto foi o clímax do Laboratório Los Alamos (também conhecido como Site Y), um centro de coordenação das pesquisas científicas do Projeto Manhattan, estabelecido em 01 de abril de 1943, liderado por Oppenheimer. O Laboratório – estrutura base das Forças Armadas para a administração o programa de desenvolvimento da bomba atômica –, produziu três artefatos nucleares, aos quais foram dados os codinomes: Gadget (Trinity), Little Boy e Fat Man. O dispositivo nuclear Gadget teve seu teste (Teste Trinity) efetivado em 16 de julho de 1945, com um poder explosivo equivalente a 20kt de TNT. O

mas principalmente, os bombardeios de Hiroshima (bomba Little Boy28) e Nagasaki (bomba Fat Man29) – respectivamente em 06 e 09 de agosto de 1945 – que impelem uma reação resoluta do governo soviético.

Figura 02 – Teste Trinity, 16 de junho de 1945: Gadget; Jumbo na torre; explosão aos 20”

Fonte: Adaptado de Hydrogen Bomb (2014b, não paginado).

O teste Trinity ocorreu no dia anterior à abertura da Conferência de Potsdam (17 de julho de 1945), onde fora discutido o acordo pós-guerra por Churchill, Stálin e Truman. O Presidente estadunidense anunciou Stálin sobre “uma arma nova de força destrutiva incomum” (HOLLOWAY, 1994, p. 154), no entanto, sem fazer menção precisa ao desenvolvimento da bomba. Ademais de indícios históricos sobre uma interpretação equivocada de Stálin à notificação de Truman, é factível que, dado as informações de inteligência recebidas pelo NKVD30 e GRU31, o líder soviético tivesse plena ciência sobre o

dispositivo foi testado na localidade de Alamogordo, Novo México. Para tanto construiu-se um dispositivo cilíndrico de aço, acunhado Jumbo (foram gastos U$12 milhões), para conter e impedir a perda de plutônio em caso de falha na explosão do Gadget. Cabe ressaltar que o dispositivo foi suspenso em uma torre para a explosão (BAINBRIDGE, 1976, p. 14-44; JONES, 1985, p. 82-88, p. 511-518; JUMBO, 2015; TRINITY TEST, 2014a).

28 Little Boy – codinome para a bomba de fissão de urânio (U-235) lançada sobre Hiroshima, que atingiu

rendimento explosivo de cerca de 13 a 15kt de TNT. O artefato foi lançado de um bombardeiro B-29 (Enola

Gay), a uma altitude de 31.600 pés (aproximadamente 9.000 metros), destruindo 60% da cidade, resultando

em 71.000 mortes e desaparecimentos e 68.000 feridos – estimativa das autoridades japonesas. Hiroshima era considerada objetivo militar de alta importância: demais de ser sede do Quartel do Exército japonês (cerca de 25.000 homens), era porto de suprimentos e comunicações entre Honshu e Kyushu, e um centro industrial bélico (GROVES, 1983, p. 512-516; REED, 2014).

29 Fat Man – codinome para a bomba de implosão de plutônio lançada sobre Nagasaki, que atingiu rendimento

explosivo equivalente a 22kt de TNT. A bomba foi lançada de um bombardeiro B-29 (Bookscar) a uma altitude de 29.000 pés (aproximadamente 8.000 metros), destruindo cerca de 44% da cidade. Uma pesquisa do “United States Strategic Bombing Survey” estimou 35.000 mortos e 60.000 feridos. A escolha da cidade de Nagasaki enquanto alvo se deu por ser um dos principais centros de reparo e construção naval do Japão, bem como de fabricação de munição naval e importante porto militar (GROVES, 1983, p. 554, 558; REED, 2014).

30 Do original russo: Народный комиссариат вн тренних дел (НКВД). Em inglês: People's Commissariat for

Projeto Manhattan e a proximidade dos testes da bomba nuclear. Além disso, Stálin era consciente do patamar do desenvolvimento nuclear soviético, e sua inexpressividade pode ser vinculada a uma negação de fraqueza. Outrossim, as memórias do marechal Zhukov e de Molotov32 apontam que Stálin sabia se tratar da bomba atômica, no entanto, questiona-se se lhe imputava a devida importância. É o assalto à Hiroshima (e Nagasaki) que denota o impacto do artefato nuclear americano na política soviética: (GOSLING, 2010, p. 93; HOLLOWAY, 1994, p. 155, 161)

O ataque alemão surpreendera Stálin, apenas dos muitos relatórios que recebeu sobre a intenção de Hitler. A bomba atômica também pegou Stálin de surpresa, apesar das detalhadas informações que a União Soviética recebera sobre o projeto Manhattan. Hiroxima não representava uma ameaça tão direta quanto o ataque alemão, mas as consequências para a União Soviética eram potencialmente perigosas (HOLLOWAY, 1994, p. 169).

Os eventos acarretaram uma substancial mudança na condução do projeto nuclear soviético, inferindo prioridade máxima à produção da bomba atômica, de sorte a suprimir a superioridade nuclear auferida pela contraparte estadunidense (PODVIG, 2004, p. 2).

Tão logo, em 29 de agosto de 1945, pelo Decreto n. 2222-567, foi estabelecido o First Main Directorate (PGU – Pervoey Glavnoye Upravleniye) do Conselho do Comissariado do Povo para administrar e gerenciar o programa de construção de armas nucleares que, deste ponto em diante, ganhou passo acelerado. Em conjunto com o Laboratório n. 2, o programa passou a dispor de uma rede de infraestruturas33 cujo empenho central era a produção da bomba nuclear. Sob responsabilidade do Departamento de Desenvolvimento e Teste de Armas Nucleares do Minatom (à época Fifth Main Directorate) foi fundado o All-Russian Scientific Research Institute of Experimental Physics (VNIIEF), também conhecido como Arzamas-16, enquanto sede para o Design Bureau N. 11 (KB-11), decisivo na supressão do monopólio nuclear estadunidense. Foi o KB-11 que recebeu os componentes de plutônio de

31 Do original russo: Гла

вное разве дывательное равле ние (ГРУ). Em inglês: Main Intelligence Dictorate.

32 Refer ncia de David Holloway (1994, p. 502) ao livro de memórias do Marechal Zhukov, “Vospominaniia i

razmyshleniia tom 3”, Moscou: Novosti, 1990, p.334.

33

É desta rede de infraestruturas inicial que se origina o Complexo Industrial Nuclear da URSS. As crescentes demandas em torno do programa levam à reestruturação das unidades de gerenciamento e administração: em 27 de dezembro de 1949, pela Resolução Ministerial n. 5744-2162, ficou estabelecida a seguinte divisão: a) PGU – responsável pelos projetos nucleares militares; b) Second Main Directorate – responsável pela indústria de produção de urânio; c) Third Main Directorate – responsável pelas atividades civis envolvendo energia nuclear. Após da morte de Stalin em 1953, a estrutura passou a ser gerenciada pelo Ministry of

Medium Machine Building (Minsredmash). Em 1986, após o desastre de Chernobyl, a estrutura nuclear

passou ao controle do Ministério da Energia e Indústria Atômica da URSS. Após a dissolução da URSS, a partir de 29 de janeiro de 1992, passou a ser chamado de Ministério de Energia Atômica da Federação da Rússia – Minatom. (PODVIG, 2004; ZALOGA, 2002).

Chelyabinsk-40 para a montagem da primeira bomba nuclear soviética (ZALOGA, 2002,