• Nenhum resultado encontrado

2 A TRÍADE NUCLEAR À LUZ DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PARIDADE,

2.2 A EVOLUÇÃO DA TRÍADE NUCLEAR: VETORES AR, TERRA E MAR

2.2.3 Vetor Marítimo da Tríade: Mísseis Balísticos Lançados de Submarinos

O componente marítimo da tríade nuclear é constituído pela força de submarinos dotadas de mísseis balísticos (SLBM – Submarine-launched Ballistic Missile). Apontada como a haste mais confiável da tríade, devido a sua manobrabilidade e capacidade de entrega, na URSS seu desenvolvimento é subsequente, bem como afiliado, à tecnologia de mísseis balísticos terrestres. Compreender o papel desempenhado pelos mísseis balísticos lançados de submarinos à tríade e, consequentemente, à dissuasão nuclear, está associado ao entendimento do desenvolvimento dos sistemas submarinos dotados da tecnologia missilísitica. Destarte, observou-se a evolução de ambos os sistemas de sorte a abranger aspectos tecnológicos que se mostrem fundamentais para a efetividade operacional e, assim, garantir exequibilidade doutrinária.

Quando estudado o vetor marítimo da tríade nuclear soviética importa observar o papel atribuído à Marinha no amplo contexto das Forças Armadas soviéticas e, então, como se dá o avanço das tecnologias militares do setor no desenrolar da Guerra Fria. Ver-se-á que, ademais de ser pioneira no lançamento de mísseis balísticos de plataformas submarinas, os constantes avanços estadunidenses em sistemas vinculados ao vetor marítimo – mísseis e de sistemas de guerra antissubmarino – conferiram estrangulamentos à força estratégica naval soviética, delegando constantes ações reativas do setor.

No decurso de sua história, a missão da Marinha russa/soviética esteve vinculada à projeção de poder nas áreas consideradas de grande importância aos interesses do país. Apesar de a princípios do século XX figurar entre as três maiores potências navais110 do mundo, mostraram capacidades limitadas perante o combate, como visto na Guerra Russo- Japonesa e na I Guerra Mundial. O advento da Revolução Russa, combinado à rebelião de Kronstadt e à prolongada Guerra Civil, demonstrou o estado de declínio que se encontrava a Marinha do país.

Neste contexto, ganharam espaço as discussões acerca da missão incumbida à Marinha soviética, a qual foi protagonizada por teóricos tradicionalistas, liderados por Boris B. Gervais, e modernistas, jovens intelectuais adeptos às ideias da Jeune École francesa. Enquanto os primeiros, imbuídos da estratégia Mahaniana, defendiam a construção de uma imponente marinha de águas azuis baseada em grandes encouraçados, cruzadores e destroiers para o Comando do mar; os segundos advogavam a favor de uma doutrina de negação do mar, vislumbrando o desenvolvimento de uma Marinha de submarinos, pequenas embarcações de superfície, barcos de patrulha e aviação naval capaz de travar “guerras de guerrilha” em alto mar.

Para além do pensamento estratégico acerca da efetiva segurança soviética, a discussão esteve envolta por ditames econômicos. Enquanto a primeira missão proposta para a Marinha requeria grandes investimentos para sua construção e manutenção, a segunda não carecia de grandes recursos industriais para ser construída e, uma vez pronta, apresentaria custos inexpressivos de manutenção. Assim, visto o fraco status econômico e a ausência de capacidade industrial efetiva no país, deu-se preferência à Jovem Escola. No entanto, ao passo que a recuperação econômica ganhou corpo na década de 1930, e influenciados pela crítica stalinista – Stálin era pessoalmente favorável à construção de uma grande frota aos moldes tradicionais –, o programa de construção naval incorpora um curso tradicional. Como

110 Era composta por 20 encouraçados, 11 cruzadores blindados, 20 cruzadores, 25 destroires, além de botes

resultado, emergiu uma síntese entre tradicionalistas e modernistas referida enquanto a Escola Soviética, a qual buscava ajustar as abordagens doutrinárias de ambas as escolas (LOVETT, 2002a, p.187; DANIEL, 1988, p. 43-44).

Às vésperas da II Guerra Mundial, a Marinha soviética se mostrava em posição similar à Marinha czarista quando do advento da Guerra Russo-Japonesa. Isto por conta do baixo nível de experiência e moral do corpo de oficiais avassalado pelo período de expurgos, o que influenciou no sentido de resultados semelhantes em ambos os conflitos. Quando findada a II Guerra Mundial, o papel da Marinha soviética era de mero suporte às demais Forças, estando condicionado à proteção estatal, no sentido de expandir a fronteira naval de forma a afastar ameaças da costa e, consequentemente, do território soviético (BREEMER, 1989, p. 82; DANIEL, 1988, p. 45-48; LOVETT, 2002b, p. 237).

A evolução da Marinha soviética seguiu focada em uma tentativa de equilíbrio entre a grandeza tradicional e a agilidade das forças modernas. Em grande parte, essa evolução se deveu às ameaças advindas das frotas estadunidense e britânica, provocando ação reativa de Moscou. Foi o governo de Krushschev que absorveu efetivamente o papel de prover o Estado com defesas críveis frente a um ataque marítimo, sendo adicionadas missões de projeção de força, negação do uso do mar e antinavio111. Para tanto, o governo soviético delegou aos submarinos o papel central da Força, também direcionando importância às armas nucleares (LOVETT, 2002b, p. 238).

Apesar disso, o caráter estratégico da Marinha somente ganharia corpo na década de 1970, quando o avanço das tecnologias em submarinos e mísseis permitiu-lhe assumir posição de maior importância no conjunto das Forças Armadas soviéticas. Esse salto foi possível graças ao trabalho do Almirante Sergey Gorshkov a frente da Marinha soviética. Gorshkov foi responsável pela modernização que traria a Marinha soviética ao estágio em que se encontrava a Marinha americana na época da Classe Forrestal112 (1955). Não ao que se refere ao super porta-aviões que, de fato, a URSS nunca possuiu (e a Rússia até hoje não o tem),

111 Jan Breemer (1989, p. 83) aponta que as mudanças no governo Khrushchev pouco tem a ver com os

interesses e decisões deste em assuntos navais, os quais eram mínimos se comparados à importância auferida às Forças Terrestres (ICBMs). Em realidade, estavam envoltas em mudanças sistêmicas em termos de ameaças, armas e tecnologias. Estas alçaram a Marinha soviética a um processo de desenvolvimento tecnológico que refletiu em uma evolução doutrinária, indo de um papel secundário, de uso enquanto suporte a operações das demais Forças, ataque à portos e alvos costeiros, a um protagonismo estratégico nos anos vindouros (BREEMER, 1989, 0.83; ZALOGA, 2002b, p. 204).

112

A Classe Forrestal de super porta-aviões entrou em serviço em 01 de outubro de 1955. A partir de então, por conta da possibilidade de uso combinado de bombardeiros estratégicos em super porta-avisoes, significou uma mudança na percepção soviética acerca da ameaça estadunidense. Trata-se aqui do uso embarcado do bombardeiro A-3 Skywarrior “Whale”, capaz de carregar cerca de 5.000Kg de armas e alcance de aproximadamente 1.600Km. A conjunção das capacidades do super porta-aviões Forrestal com as do bombardeiro A-3 imputaram a mudança ao caráter estratégico auferido à Marinha soviética.

mas à noção de emprego de armas combinadas, nucleares e convencionais, no mar, legado que a Rússia se beneficia em medida considerável até hoje (GORSHKOV, 1979).

Para compreender a evolução do caráter estratégico da Marinha soviética, retoma-se a análise de Kopenhagem (2001, p. 08-10) o qual a apresenta partir da classificação dos estágios de desenvolvimento das Forças submarinas soviéticas (vide Quadro 04). O primeiro compreende um período de cerca de dez anos, entre o final da II GM (1945) e 1955. Este foi marcado pela construção de embarcações submarinas de maior velocidade, alcance e profundidade. Com motor a Diesel elétrico, eram capazes de cumprir missões em regiões oceânicas pouco distantes do mar territorial. Estavam equipados com radares de engrenagem hidro acústica, dispositivos de navegação e comunicação e torpedos. O segundo estágio, a começar no final dos anos 1950, foi tipificado pela construção de grandes submarinos de propulsão nuclear, o que ampliava as possibilidades de uso em combate das forças submersas da Marinha soviética, e pelo comissionamento de ogivas nucleares em seus sistemas de armas, a começar por mísseis de cruzeiro e, posteriormente, mísseis balísticos. O terceiro, a datar de meados da década de 1970, implicou em melhorias no alcance e precisão dos mísseis balísticos embarcados, bem como, na quantidade de ogivas dispostas em cada plataforma.

A fim de cumprir os objetivos desta pesquisa, faz-se referência à evolução de submarinos (desígnios OTAN) das gerações da década de 1930, Shchukas e Stalinetz, perpassando o desenvolvimento das classes de submarinos convencionais Whiskey, Zulu e Quebec, para alcançar os submarinos nucleares das classes November, Echo e Hotel desenvolvidos na década de 1960 e que ganham proeminência estratégica na década de 1970. A evolução dos sistemas de submarinos e de seu armamento (torpedos, mísseis de cruzeiro e balísticos), bem como o comissionamento de armas nucleares, se dá de forma concomitante. E, como dito, ao passo que avançam em tecnologia, orientam as mudanças quanto a seu emprego. Assim, a partir da leitura Kopenhagen, Miasnikov e Tarasenko chegou-se ao seguinte quadro, que cumprirá a função de guia do estudo:

Geração Período Propulsão Projeto Principal

Arma

Entrada

Serviço Emprego Tipo Sistema Míssil Alcance Ogiva

1a 1945 -1 9 5 5 elétrico diesel Whiskey torpedo T-5 RDS-9 1958 Tático Projeto AV611 (Zulu V) balístico D-1 12 x R-11FM 150Km RDS-4 1x10Kt / 1x0.5Mt 1957 Projeto 629 (Golf I) balístico D-2 3 x R-13 650Km 1x1Mt 1959 Projeto 629A

(Golf II) balístico D-4 3 x R-21 1.400Km 1x1Mt / 1x0.8Mt 1967

2a 1960 -1 9 7 7 nuclear Projeto 658 (Hotel I) balístico D-2 3 x R-13 600Km 1x1Mt 1961 Estratégico Projeto 658M

(Hotel II) balístico D-4 3 x R-21 1.400Km 1x1Mt / 1x0.8Mt 1964 Projeto 667A

(Yankee I) balístico D-5 16 x R-27 2.400Km 1x1Mt 1967

Projeto 667AU

(Yankee I) balístico D-5U 16 X R-27U 3.000Km

1x1Mt

3x200Kt (MRV) 1972 Projeto 667AM

(Yankee II) balístico D-11 12 X R-31 3.900Km 1 x 500Kt 1980 Projeto 667B Murena

(Delta I) balístico D-9 12 x R-29 7.800Km

1x0.5-1Mt /

1x800Kt 1972 Projeto 667BD

Murena-M (Delta II) balístico D-9D 16 x R-29D 9.100Km 1x1Mt / 1x800Kt 1975 Projeto 667BDR

Kalmar (Delta III) balístico D-9R 16 x R-29R

8.000Km 6.500Km (MIRV) 1x450Kt 3x200Kt (MIRV) 7x100Kt (MIRV) 1976 3a 1977 nuclear Projeto 941 Akula (Typhoon) balísitco D-19 20 x R-39 10.000Km 8.300Km (MIRV) 10 x 100Kt (MIRV) 1981 Projeto 667DRM

Delfin (Delta IV) balístico D-9RM 16 x R-29RM 8.300Km 4 x 100Kt (MIRV) 1985 Fonte: elaborado pela autora (2019), com base em Kopenhagen (2001); Miasnikov, Tarasenko (2004); Zaloga (2002).

O primeiro estágio apontado por Kopenhagem está vinculado aos submarinos de propulsão elétrica à diesel e à primeira geração de SLBMs na classificação de Miasnikov e Tarasenko. Já o segundo estágio compreende as classes de submarinos de propulsão nuclear e associa-se à segunda e terceira gerações de SLBMs. Nessas novas gerações de submarino, houve duas modificações essenciais. A primeira, no sistema de propulsão; a segunda, no aumento do alcance dos SLBMs. Ambas, em conjunto, foram elementos chave para diminuir a vulnerabilidade destes.

A melhoria na propulsão permitiu a execução de patrulhas a longas distâncias, tempo de submersão maior e menor emissão de ruídos, dificultando o reconhecimento pelas redes de sensoriamento inimigas. Já o aumento do alcance dos SLBMs permitiu que os disparos fossem realizados junto da costa de seu território, sob proteção de seus sistemas de defesa. Cabe lembrar que inicialmente o alcance limitado dos mísseis (cerca de 600Km) imputava disparos próximos da costa do inimigo, expondo-os aos sistemas de defesa da contraparte. Além disso, o ruído emitido pelos motores à diesel tornava-os de fácil identificação. Quando associadas, as melhorias passaram a garantir efetivo elemento dissuasório das forças estratégicas soviéticas.

Dado o papel auxiliar delegado aos submarinos, inicialmente o comissionamento de armas nucleares foi visto enquanto forma de aumentar a efetividade de operações navais contra navios de grande porte, grupos de navios e bases navais. Ou seja, não havia intenção de uso em missões estratégicas. Concomitante aos avanços tecnológicos em torno dos dispositivos nucleares, que resultou em considerável redução de seus pesos e dimensões, o desenvolvimento de mísseis balísticos e de cruzeiro permitiram projetos experimentais de alocação dos sistemas missilísticos em submarinos.

As armas-padrão utilizadas pelas frotas de submarinos soviéticas eram torpedos, cujas dimensões eram inferiores às das bombas nucleares comissionadas na aviação, o que inviabilizava o comissionamento destes com dispositivos nucleares. As primeiras investidas em torno de torpedos nucleares foram conduzidas à margem da Marinha, a partir de projetos do Ministry of Medium Machine Building, responsável por supervisionar a indústria nuclear soviética, o que gerou uma forte objeção da Força na adoção dos sistemas de armas. Foram projetados dois torpedos nucleares: o T-15, 1550mm; e o T-5, 533mm. O primeiro a ser disposto no primeiro submarino de propulsão nuclear soviético, Projeto 627 (November), e o segundo, em submarinos de classes com propulsão elétrica. Um primeiro teste com o dispositivo nuclear RDS-9, a ser comissionado no torpedo T-5, foi conduzido de forma falha em outubro de 1954, impactando no cancelamento do projeto T-15. Para a Marinha, a

continuidade do projeto T-15 representava transformar o P-627 em uma arma de ataque a regiões costeiras, delegando mera função tática a um sistema de múltiplos propósitos. Assim, deu-se preferência à continuidade do projeto T-5 (MIASNIKOV, TARASENKO, 2001, p. 236).

Em 21 de setembro de 1955 um novo teste da RDS-9 no arquipélago de Novaya Zemlya, no Ártico, resulta na primeira explosão nuclear subaquática da URSS. Em 10 de outubro o submarino Projeto 613 SS-144 (Classe Whiskey) conduziu o primeiro lançamento teste do T-5 comissionado com ogiva nuclear. A explosão teve rendimento de 10Kt, a uma profundidade de 35 metros e a uma distância de 10Km do veículo lançador. O torpedo T-5 se tornou a primeira arma nuclear da Marinha soviética, entrando em serviço em 1958 como Type 53-58. Seu propósito estava direcionado a missões táticas de ataque contra grandes embarcações e grupos de navios e, se necessário, contra infraestruturas inimigas como portos e bases navais. Valia-se de sua carga nuclear para melhorar seu raio de explosão (kill radius), ou seja, não necessitando impacto direto contra a embarcação ou infraestrutura inimiga. O uso de ogivas nucleares compensava também o baixo retorno acústico e os desvios na manobra final do artefato, estes últimos causados por contramedidas e decodificações que poderiam confundir e alterar a guiagem final do torpedo (MOORE, POLMAR, 2004, p.28).

Simultaneamente ao desenvolvimento dos torpedos, pesquisas eram conduzidas sobre a implementação dos incipientes sistemas de mísseis balísticos em submarinos, tratava-se do projeto P-2 (1949). Dentro da estrutura deste projeto surgiram as primeiras designações para desenvolvimento de submarinos a serem comissionados com mísseis balísticos – R-1, e de cruzeiro – Lastochka. O submarino, no entanto, para carregar a carga pretendida de doze (12) mísseis R-1 mais uma quantidade de mísseis Lastochka, deveria ter deslocamento de quase 5.400 toneladas, o que à época não fora possível ser construído pelos engenheiros soviéticos. Somaram-se ainda problemas na estabilização dos mísseis, o que levou ao cancelamento do projeto (MOORE, POLMAR, 2004, p. 105; ZALOGA, 2006, p. 8).

Não obstante, em 1954, por decreto do governo soviético, ordenou-se o desenvolvimento de um submarino com mísseis balísticos, para o qual considerou-se o míssil R-11 enquanto alternativa (Projeto Volna). Korolev propôs uma variação naval do míssil R- 11, o R-11FM, para a qual substituía o combustível líquido da versão terrestre por querosene e ácido de nitrato, dando-lhe mais estabilidade e possibilidade de armazenamento do míssil por período maior de tempo. Para o teste do R-11FM foi utilizado o submarino B-67 Projeto 611 (Classe Zulu), o qual foi convertido para alocar dois tubos lançadores dos mísseis. O teste efetivo ocorreu no submarino modificado Projeto V611 (Zulu IV ½) em 16 de setembro de

1955, do mar Branco à Kola, sendo o primeiro míssil balístico da história mundial a ser lançado de uma plataforma submarina. O R-11FM alcançou uma distância de 250Km (135 milhas náuticas). Iniciou-se então a produção do Projeto 611AV (SSB – ballistic missile submarine) (Classe Zulu V) para comissionamento do sistema D-1, com dois mísseis R- 11FM. Foram construídas cinco unidades do submarino (a quinta tratava-se de um submarino B-62 modificado e incorporado à frota em 1958).

O sistema D-1 apresentava inúmeros estrangulamentos, no entanto, Krushchev ordenou sua entrada em serviço (1959) pois almejava que a Marinha tão pronto adentrasse a era de mísseis nucleares. Zaloga (2006, p. 10-11) aponta que o sistema era muito difícil de ser operado, o submarino deveria manter curso, velocidade e profundidade estável por cerca de duas a quatro horas antes do lançamento. Na superfície, visto ainda não disporem de tecnologia de disparo submerso, levava 5min para erigir e disparar o primeiro míssil, sendo necessário espera de mais 5min para o segundo disparo. O autor ainda destaca que raramente os mísseis ficavam comissionados nos submarinos devido à corrosidade de seu combustível. Ou seja, a prontidão do sistema praticamente inexistia. Moore e Polmar (2004, p. 107) destacam ainda que o limite de alcance do míssil R-11FM balizava os submarinos a missões táticas e de teatro. A vulnerabilidade do submarino à diesel estava atrelada à necessidade de submergir regularmente (a cada dois ou três dias) para recarregar suas baterias, revelando sua posição e comprometendo operações encobertas (MIASNIKOV, TARASENKO, 2001, p.237).

Concomitante à construção dos submarinos P-611AV e ao comissionamento do sistema D-1, novos submarinos Projeto 629 (Classe Golf) foram projetados para carregar o sistema D-2 comissionado com a versão SLBM do míssil R-13 (SS-N-4 Sark). O submarino tinha deslocamento de 2.850 toneladas, podendo carregar até três unidades do míssil, cujo alcance era de 650Km. Entre 1958 e 1962 foram construídos 23 submarinos P-629. Tanto o submarino quando seu sistema apresentaram as mesmas limitações dos anteriores, ou seja, o míssil tinha limitações de alcance e longo tempo de preparo, bem como era necessário submergir seja para carregamento das baterias do motor propulsor, seja para disparo do sistema D-2, facilitando sua localização. O comissionamento de novos sistemas era acompanhando por melhorias que vislumbravam suprimir as limitações e vulnerabilidades citadas acima. Assim, avançaram as tecnologias para disparos submersos, maior alcance e também em torno de submarinos de propulsão nuclear.

Em termos de disparos submersos e em movimento, o sistema S4-7 (um sistema D- 1/R-11FM modificado), foi testado com sucesso em 10 de setembro de 1960, cerca de dois

meses após teste semelhante ser conduzido pelos Estados Unidos (míssil Polaris A-1 lançando submerso do submarino George Washington (SSBN-598). O sucesso do teste incorreu no projeto do míssil R-21 – sistema D-4 (SS-N-5 Sark/Serb), com alcance de 1.400Km, lançado a uma profundidade de 40 a 60m. Entre 1963-1967, grande parte os submarinos da primeira geração foram recomissionados com sistemas D-4, os quais incluíam três mísseis R-21.

Em termos de alcance, como visto, o novo sistema D-4 lançava mísseis R-21 de até 1.400Km, mais que duplicando o alcance de seu predecessor. Para além de alcançar alvos no território inimigo, o aumento do alcance dos mísseis representava dispará-los da segurança de suas águas territoriais ou, ao menos, posicioná-los de sorte a não precisar transpor os sistemas de guerra anti-submarina dos aliados da OTAN. Até então, a limitação de alcance forçava os submarinos a ultrapassar as barreiras de ASW (anti-submarine warefare) para aproximar-se da costa americana a fim de efetuar o ataque, estando também à mercê dos sistemas de defesa costeira do inimigo.

Abre-se um parêntese para atentar ao fato de que, desde o primeiro comissionamento do míssil R-11FM, a prerrogativa dos oficiais soviéticos era dotar de capacidade nuclear a Força Naval. Atendia-se aos preceitos de Krushchev mas, principalmente, habilitava-se um novo sistema de entrega de ogivas nucleares a compor a tríade nuclear. Ademais de suas limitações concernentes à alcance e vulnerabilidade que os orientava a missões táticas, as melhorias implementadas (alcance, manobrabilidade, capacidade de carga) os transformaram em alça de fundamental confiabilidade à estabilidade estratégica. Em 20 de outubro de 1961 o submarino P-629 dotado de sistema D-2/R-13 foi utilizado para o lançamento do primeiro SLBM comissionado com uma ogiva termonuclear. O teste “Rainbow” foi conduzido em Novaya Zemlya (Ártico) e detonou um dispositivo de rendimento de 1.45 megaton. O equivalente norte-americano ocorreu cerca de seis meses após, quando o SLBM Polaris, comissionado com uma ogiva A-1 de rendimento de pouco mais de 01 megaton, foi lançando do submarino SSBN 608 Ethan Allen. Subsequente ao teste, todos os sistemas D-2/R-13 foram equipados com ogivas nucleares.

No tocante à redução da vulnerabilidade dos submarinos, expostos quando do recarregamento de suas baterias, o desenvolvimento de reatores nucleares para propulsão destes tornou-se crucial. A tecnologia permitia aos submarinos manterem-se submersos durante patrulhas por longos períodos de tempo. O primeiro vaso a conjugar propulsão nuclear e sistemas de mísseis balísticos foi o SSBN Projeto 658 (Classe Hotel). Sua propulsão contava com dois reatores nucleares, os quais garantiam deslocamento de 4.080 toneladas.

Seu comprimento total era de cerca de 114m e estava armado com três mísseis R-13 (SS-N- 4), além de torpedos auxiliares. Foi posto em operação em 12 de novembro de 1960. Em dois anos oito unidades foram construídas. No entanto, produções de novos submarinos foram prejudicadas pelo cancelamento de programas navais em favor de programas terrestres da Força de Mísseis Estratégicos (MOORE, POLMAR, 2004, p. 113-114). Das unidades construídas, sete foram rearmadas com sistemas D-4/R-21, Projeto 658M (Hotel II).

De acordo com Moore e Polmar (2004, p. 113-14), ademais de terem sido pioneiros no desenvolvimento de submarinos lançadores de mísseis balísticos e de SLBMs, as capacidades desta primeira geração de submarinos e mísseis soviéticos, a qual inclui o primeiro submarino de propulsão nuclear, estavam muito aquém das tecnologias desenvolvidas pelos Estados Unidos. Os submarinos de propulsão nuclear, por exemplo, foram atormentados com questões de engenharia que acarretaram inúmeros acidentes, tais como incêndios e exposição das tropas a vazamentos de energia nuclear113. O comissionamento desta primeira geração se deu amplamente nas Frotas do Norte e Pacífico, servindo para patrulha das águas dos mares adjacentes e, por mais que seus mísseis vislumbrassem alvejar centros industriais na Europa