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2 A TRÍADE NUCLEAR À LUZ DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PARIDADE,

2.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Olhando em retrospecto, o presente capítulo buscou na origem da energia atômica e na evolução de seu uso militar indicadores à compreensão de seus efeitos sobre a guerra e sobre a polaridade do sistema internacional. Outrossim, pautada pela posse de dispositivos nucleares e seus sistemas de entrega por parte das superpotências à época, Estados Unidos e União Soviética. Ou seja, a posse dos artefatos não somente expunha o avançado status de desenvolvimento tecnológico, mas também evidenciava implicações cruciais ao SI.

À primeira pergunta proposta, importa destacar que no tocante à guerra, percebe-se que incialmente – quando os Estados Unidos detinham monopólio nuclear – as armas nucleares foram vistas como armas de decisão, permitindo a imposição de vitória decisiva ao curso de qualquer conflito. Entretanto, findado o monopólio nuclear, elas assumem um papel de inibidoras de conflagrações entre Estados Unidos e União Soviética. Essa realidade era garantida pelo rendimento altamente destrutivo dos artefatos nucleares os quais, somados a

sistemas de entrega de longo alcance, deram tom à destruição mútua assegurada (MAD) e endossaram a dissuasão nuclear. Assim, impedindo o confronto direto entre as superpotências nucleares.

Em relação às relações internacionais, os efeitos dos dispositivos se estendem a uma hierarquização das capacidades dos Estados, cujos reflexos se dão na polaridade do Sistema Internacional. Qual seja, a posse dos artefatos nucleares e termonucleares, mas principalmente da tríade nuclear - a qual dá mobilidade, permitindo a entrega das ogivas ao território do oponente, passa a ser parâmetro de poder definidor do status de potência no SI.

Cumpre ressaltar também que, mesmo durante o período no qual os Estados Unidos gozaram do monopólio nuclear, este não se mostrou uma vantagem competitiva suficiente a lograrem ditar unilateralmente seus termos à configuração do SI no pós-Segunda Guerra Mundial. Dentre os fatores que explicam tal fato cabe mencionar o baixo rendimento das bombas atômicas estadunidenses, bem como a quantidade de bombas produzidas. Ao final da Segunda Guerra Mundial os americanos haviam produzir um total de três (03) bombas – uma para seu primeiro teste, Trinity, e duas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, Little Boy e Fat Man – o que significa que não havia um estoque contundente para fazer frente à um ataque de larga escala à URSS (em 1949, ano de explosão do primeiro artefato nuclear soviético, os Estados Unidos detinham cerca de 200 bombas nucleares Mark 4 de rendimento entre 1- 31Kt). Além disso, mesmo que seu principal sistema de entrega (bombardeiro B-29) atingisse território soviético a partir das bases aliadas na Europa Ocidental, há de se considerar que o baixo rendimento dos artefatos nucleares americanos - tirando como exemplo os danos causados ao Japão - não impediriam um ataque retaliativo massivo de forças convencionais soviéticas aos aliados europeus.

Assim, não se pode negligenciar as capacidades da URSS que, mesmo debilitada, sai vitoriosa da Segunda Guerra e passa a empenhar esforços e investimentos tecnológicos para retomar sua capacidade de combate convencional bem como atingir a equidade nuclear. Ou seja, a mensagem transmitida por Hiroshima e Nagasaki e o espectro anticomunista que pairava na arena internacional incitam a reatividade defensiva dos soviéticos, que se concentram no desenvolvimento atômico para fazer frente à contraparte estadunidense. Contudo, ainda que o advento nuclear soviético não tenha inicialmente causado grandes impactos na correlação de forças – dada sua baixa capacidade de entrega ao território estadunidense – o monopólio nuclear dos Estados Unidos permanece questionável. Pois na correlação “capacidade de causar dano ao inimigo” versus “capacidade retaliativa convencional deste”, o último ainda teria capacidades críveis, mesmo que sobre os aliados

europeus. Ou seja, o argumento aqui apresentado corrobora a análise de Richard Betts que a “Era de Ouro Nuclear” fora um mito.

As armas de fusão, ao contrário das armas de fissão, detêm expressiva capacidade destrutiva – podendo arrasar continentes inteiros. Também, diferentemente do grande lapso temporal verificado entre o monopólio nuclear, o termonuclear foi comparativamente de curta duração e deu-se concomitantemente à Guerra da Coreia. Ou seja, a bomba de hidrogênio impeliu fim à superioridade nuclear, dando novo tom ao equilíbrio nuclear. Como resultado, o que vemos após a Guerra da Coreia (1953) , dentro da Pax Americana (VISENTINI, PEREIRA, 2008), o estabelecimento de uma ordem bipolar desequilibrada e assim trica. Neste sentido, apesar dos Estados Unidos possuírem um número consideravelmente mais elevado de bombas de hidrog nio que a URSS, o que lhes conferiu relevante vantagem competitiva, também não foi suficiente para lhes assegurar ditar as regras do Sistema Internacional, e endossar-lhes a unipolaridade.

É preciso mencionar que, ao passo que as forças convencionais serviram de contraponto assimétrico às bombas atômicas, na era termonuclear a balança foi proporcionada pela soma de artefatos nucleares e capacidades convencionais em conjunto aos desenvolvimentos soviéticos em capacidade missilísticas de curto e médio alcance.

Fato o é que os soviéticos fomentaram a corrida armamentista, mas, principalmente, buscaram compensar suas desvantagens qualitativas mantendo a dissuasão a níveis elevados em território europeu. A saber, o investimento na corrida nuclear não era o elemento mais significativo dos gastos com defesa da URSS. No período de 1951 a 1990 os gastos com as forças nucleares contabilizavam apenas 11% (7% direcionado às forças nucleares intercontinentais, 4% as forças nucleares de alcance intermediário) do orçamento total de defesa do país. Setores como a força de defesa aérea estratégica absorviam orçamento comparável aos da Força Estratégica de Mísseis, porém, em contrapartida, oferecendo contribuições marginais à segurança soviética (ZALOGA, 2002, p. 213).

Em relação ao desafio imposto pelas armas nucleares e os sistemas de entrega estadunidenses à URSS, é perceptível o amplo empenho e esforço soviético em busca de equiparação ao nível de desenvolvimento científicos e tecnológico dos Estados Unidos, por vezes até suplantando-os - como no caso do lançamento do primeiro ICBM. Esse movimento reativo é perceptível ao longo do período analisado, e prioriza a defesa como seu objetivo fim. Esta reatividade-defensiva pode ser vista na produção dos artefatos atômicos (bomba nuclear) e também em seus veículos de entrega. Salvo o ICBM, as demais hastes da tríade

(bombardeiro e submarino nuclear) foram conquistadas pelos soviéticos a partir da reação ao desenvolvimento tecnológico estadunidense.

Outro fato a destacar é que, apesar dos esforços, os sistemas de armas soviéticos se mostravam deveras ineficientes. Assim, a “ofensividade” nuclear soviética era auferida por uma postura “defensiva” que, ao fim e ao cabo, se traduzia no elemento doutrinário de “no- first use”, bem como, enquanto ponto constitutivo da dinâmica dissuasória do país.

Vejamos o exemplo dos ICBMs, enquanto os Estados Unidos colocaram em campo quatro tipos de mísseis em seis variantes, os soviéticos colocaram não menos que onze modelos de mísseis balísticos intercontinentais e cerca de vinte variações. Um padrão semelhante se estabeleceu na haste naval da tríade: enquanto os Estados Unidos comissionaram três classes de submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos, a URSS comissionou oito. Isto imputou, segundo Zaloga (2002, p. 214), um gasto 70% superior em comparação aos investimentos estadunidenses neste tipo de submarinos. As ineficiências se refletiam também no tempo de vida útil dos mísseis, fazendo necessário a construção de novas armas à cada década.

Todavia, há de se ressaltar que apesar da ineficiência e da profunda disparidade entre as forças nucleares de EUA e URSS, as forças estratégicas soviéticas cumpriram sua missão de dissuadir um ataque a seu território. Sendo recorrente a questão: e se não houvesse as armas nucleares, teriam os Estados Unidos investido militarmente contra o território da URSS? Mais que isso, caberia ainda questionar se na falta das armas nucleares a URSS seria sequer um dos pólos no SI. Destarte, entende-se que a própria existência do equilíbrio bipolar é fruto das armas nucelares e de suas tecnologias correlatas.

Como visto, a busca por paridade e superioridade nuclear deu tom aos avanços tecnológicos de sistemas de armamento das superpotências. A posse da tríade nuclear – vetores de entrega distribuídos em ar, terra e mar – tornou-se parâmetro para dissuasão nuclear, se fazendo fundamental enquanto capacidade de resposta frente a uma investida nuclear, seja ela primeiro ataque ou ataque preemptivo. A distribuição das forças nucleares nas três hastes é garantia da capacidade de resposta (seja ela contra força ou contra-valor), ou seja, fiadora da dissuasão nuclear.

Ao passo do desenrolar da Guerra Fria, o que se viu foi uma constante busca da URSS por manter o equilíbrio nuclear, e a criação das forças de dissuasão soviéticas não podem ser consideradas nada menos que uma “realização notável” (ZALOGA, 2002, p. 214). Outrossim os engenheiros soviéticos foram capazes de construir uma força nuclear capaz de rivalizar palmo a palmo com os Estados Unidos, sendo assegurando seu posicionamento e seus

interesses no SI. Estas capacidades, fiadoras da dissuasão nuclear, encarregaram-se de sustentar a lógica da estabilidade estratégica – cujo ponto de inflexão é o debate central ao próximo capítulo – em uma ordem bipolar desequilibrada.