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2 A TRÍADE NUCLEAR À LUZ DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: PARIDADE,

2.2 A EVOLUÇÃO DA TRÍADE NUCLEAR: VETORES AR, TERRA E MAR

2.2.1 Vetor Aéreo da Tríade: Bombardeiro Estratégico

Seguindo o raciocínio de evolução tecnológica dos sistemas militares e de seus desdobramentos nas estratégias dos países (BUZAN, 1987), compete ressaltar a importância auferida ao domínio do ar, o qual tenciona a uma nova visão doutrinária militar. De mesma ordem, é sabido que o advento das armas nucleares exerceu significativo impacto sobre as estratégias militares. No entanto, há de compreendê-las em conjunto com teorias estratégicas prévias e não enquanto fonte de obsolescência destas. Tal encadeamento é dado pela doutrina de bombardeiro estratégico, a qual assumia o uso das aeronaves para bombardeamento da infraestrutura industrial e social do inimigo, produzindo caos social e, então, o colapso estatal (FREEDMAN, 2003, p.3). O elo com as armas nucleares é auferido enquanto meio de entrega das ogivas, constituindo a primeira haste do tripé nuclear, bem como à lógica do emprego das ogivas em ataque contra-força41 e contra-valor42.

Outrossim, busca-se também reconhecer o processo de retroalimentação entre a política industrial (de fato, os esforços empreendidos para o desenvolvimento de sistemas) e a política de defesa à época. Dessa forma, procura-se estabelecer laços que nos direcionem a

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Contra-força: ataques estratégicos direcionados a aniquilar a infraestrutura militar e as forças nucleares de seu oponente, obstruindo resposta ao ataque surpresa. Como exemplos, cita-se ataques a silos de mísseis, aeródromos estratégicos, centros de comando e controle, bases navais, estações rádio transmissoras, etc. Ainda que não de forma intencional, inevitavelmente, em algum grau atingirão os centros urbanos dada a escala da explosão nuclear.

42 Contra-valor: são ataques direcionados a aniquilar a infraestrutura econômica e social do país. Como

exemplos, citam-se facilidades energéticas (hidroelétricas, refinarias, etc.), sistema de transporte (rodovias, ferrovias, aeroportos civis, etc.) e grandes centros urbanos. Para além dos danos causados por uma explosão nuclear em qualquer dos casos, destaca-se que, no que diz respeito especificamente ao contra valor, a intenção é a desestruturação do tecido social, geração caos interno e a virtual aniquilação do oponente.

uma melhor compreensão das Relações Internacionais e da hierarquia de poder estabelecida no SI, especificamente, no que tange ao papel da URSS.

O advento da aviação e sua capacidade de mover-se na terceira dimensão abre a possibilidade do uso do espaço aéreo enquanto ambiente de batalha. Pode-se, então, mover-se de um lugar a outro, livre de maiores obstáculos, expandindo o campo de ataque ao inimigo. Ademais de, inicialmente, possuir restrito raio de alcance e capacidade de ação, dada a limitada carga ofensiva passível de ser transportada, o uso das aeronaves permitiu ataques às linhas inimigas em posição de vanguarda e retaguarda. O uso de aeroplanos dá profundidade ao campo de batalha, permite sobrevoar as linhas de batalhas traçadas na superfície e ultrapassá-las sem antes rompê-las, atacando o inimigo ao longo de todo seu território (DOUHET, 1988, p. 23-24, 30). Neste sentido, expandem-se os limites do campo de batalha, podendo as repercussões da guerra serem sentidas em regiões distantes daquelas atingidas na linha de frente do conflito. Segundo Douhet, o conflito agora espalha-se por todo território do inimigo e também seus mares circundantes, confinando-se ao largo de toda extensão das fronteiras das nações em guerra: “todos se tornarão combatentes porque todos estarão expostos aos ataques diretos do inimigo. Não haverá mais distinção entre beligerantes e não beligerantes” (DOUHET, 1988, p. 30).

Assim como se dá no âmbito da Força Terrestre ou da Marinha, a Força Aérea é composta por distintos ramos que se constituem em serviços ou armas. Assim, pode-se dividir as armas entre aquelas de emprego de força letal (aviação de combate) e aquelas não letais, as quais exercem funções de alerta antecipado, transporte, reconhecimento, vigilância, inteligência. Essas últimas, conquanto não usem de força letal, são parte integrante de serviços decisivos para o desempenho da Força Aérea como um todo, posto que são parte ativa da rede de Comando, Controle, Guiagem de Armas e Entrega de Suprimentos. No caso dos Estados Unidos, as Armas da Força Aérea estão vinculadas ao Comando Tático (TACOM) e ao Comando Estratégico (STRATCOM); na Rússia estão subordinadas ao Comando da Força Aérea, dentro da hierarquia do Alto Comando das Forças Aeroespaciais.

As aeronaves de combate serão separadas em quatro grupos principais, cujo fator de distinção é sua função primária, quais sejam: caças; ataque; interdição; e bombardeiros. Para fins de análise da presente pesquisa, o foco principal recairá na importância do bombardeiro para a aviação, para a composição da tríade nuclear e para o estabelecimento da dissuasão estratégica. Entretanto, para fins de conhecimento, perpassa-se as funções dos demais ramos.

A função básica designada aos primeiros, os caças, é de defesa do espaço aéreo contra mísseis cruzadores ou bombardeiros inimigos. Dada esta última atribuição, há possibilidade

de confronto com aeronaves análogas que escoltam os bombardeiros. Desta forma, compete também aos caças a função de disputa da superioridade aérea. Já aos segundos, aeronaves de ataque, seu principal emprego é o despejo de munições sobre forças terrestres inimigas. Dado que tais operações se desenrolam na linha de frente importa que tais aeronaves sejam capazes de associar capacidade de entrega de munição com manobrabilidade, a fim de sobreviver às defesas antiaéreas de curto alcance43. À terceira divisão, aeronaves de interdição, é impelida a função primária de restringir a mobilidade e a logística do inimigo. Qual seja, buscam romper linhas de suprimento de sorte a isolar determinados setores da frente de batalha para que não recebam reforços e suprimentos das demais unidades. Por último, os bombardeiros estratégicos têm a finalidade de destruir os centros produtivos e a organização social do inimigo, exaurindo sua capacidade de luta. Daí seu esforço principal em infletir-se sobre a retaguarda – centros urbanos e industriais. Retomando Freedman (2003), trata-se do uso de aeronaves para o bombardeamento de infraestrutura industrial e social para fins de produção de caos social e, por fim, colapso do inimigo, tal qual analisara Giulio Douhet.

Compete ressaltar que, hoje, a estrtuturação efetiva de uma Força Aérea vai além dos bombardeiros. No entanto, dada sua capacidade de determinar, por si só, o resultado da guerra, esta classe de aeronaves fora responsável pela criação da Força Aérea enquanto ramo independente das demais Forças, percepção que ganhou vigorquando somada ao desenvolvimento das armas de destruição em massa.

Um breve repasse histórico mostra experimentos, sem sucesso, com o uso de balões para lançar explosivos em alvos inimigos, os quais podem ser exemplificados pelos casos dos russos contra os franceses em 1812 e dos austríacos contra venezianos em 1847. Outrossim, resultados efetivos foram obtidos nos bombardeios às vilas árabes na Líbia em conflito envolvendo italianos e turcos (1911-12). No entanto, foi na década de 1920 e 1930 que ganharam credibilidade, auferida pelo uso, mesmo que em pequena escalda, de Zepelim e aircraft raids. É também desta época a sistematização teórica provida por Douhet para dar lógica ao uso do poder aéreo, na qual o bombardeamento estratégico constitui-se em peça fundamental à vitória (FREEDMAN, 2003, p.5).

Para Douhet, a aviação não deveria apenas facilitar e integrar o emprego bélico das Forças de terra e mar, a exemplo de seu emprego durante a Primeira Guerra Mundial. Mas sim, deveria garantir sua atuação de maneira independente, a qual seria deveras vantajosa e profícua (DE ANDRADE, 2018, p.17; DOUHET, 1989, p. 24). Organizada em uma Força

43 Cabe ressaltar que a dificuldade de conjunção de tais características, tem conduzido à tendência de efetuar-se

A rea independente, a função da Arma a rea seria para obtenção do “domínio do ar”, ou seja, “estar em condições de impedir o voo do inimigo ao mesmo tempo que garantimos esta faculdade para nós mesmos” (DOUHET, 1988, p. 48). Para tanto, seria necessário destruir os meios aéreos inimigos ainda na superfície – forma mais eficiente do que combatê-los em voo, atingindo seus locais de depósito, as fábricas que os produzem, e avançando para as cidades e suas populações.

Somada à Arma aérea, Douhet atentava a outro instrumento novo: a Arma de gás venenoso, antecipando aquelas que posteriormente seriam denominadas como armas de destruição em massa. À luz dos desenvolvimentos de ambos sistemas de Armas (aérea e química), Douhet concebe a ideia de uma Força Aérea estratégica, cuja base é a utilização de munição química contra populações inimigas:

[...] as duas novas armas se integram. A química, depois de dar os mais poderosos explosivos, pode agora fornecer venenos não muito menos eficientes […] por meio da arma aérea, não só explosivos, mas também químicos e venenos bacteriológicos podem ser levado a qualquer ponto do território inimigo para acarretar morte e destruição do país inteiro. (DOUHET, 1988, p. 27).

Destarte, a crença estava vinculada ao extermínio de civis o qual levaria ao colapso das capacidades produtivas e, consequentemente, à supressão da vontade de lutar:

Aquele que possui o domínio do ar […] capaz de proteger seu território e mares circundantes contra-ataques a reos […]. Ao mesmo tempo, ele pode infligir ao inimigo ataques de natureza aterradora, aos quais este não pode reagir. Por meio destes ataques é possível isolar o Exército e a Marinha hostis de suas bases e acarretar, no território do país inimigo, toda espécie de destruição que pode rapidamente solapar tanto a resistência material como a moral. (DOUHET, 1988, p. 48).

A percepção se fortaleceu ao passo que se aumentou a potência dos motores, permitindo maior autonomia de voo44 e capacidade de entrega de munição (payload). Naturalmente, o advento da Era Nuclear corroborou essa percepção, reiterando a importância do bombardeiro enquanto primevo vetor de entrega das ogivas nucleares. O fim da II Guerra Mundial coincidiu com o início da segunda fase da 2ª Revolução Industrial, a qual tem por características o uso das armas nucleares, da turbina a gás e do computador. É o influxo dessa primeira inovação – armas nucleares – o responsável por aprofundar a dissociação entre a

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Entende-se por autonomia de voo o raio de ação de uma aeronave, ou seja, a distância máxima que ele pode alcançar da sua base e retornar a ela em segurança. Quanto maior o raio, maior a penetração em território inimigo para infligir ataques aéreos (DOUHET, 1988, p. 65).

função do caça e do bombardeiro, cuja ênfase passa a ser a entrega de ogivas nucleares (MARTINS, 2008).

A interconexão entre o domínio do ar, os bombardeiros e as armas químicas - cuja evolução nos remete as armas nucleares, é campo fértil para designação do bombardeiro enquanto arma estratégica, prefigurando assim a formatação da tríade nuclear. Tal competência é auferida ao bombardeiro quando da entrega dos dispositivos Little Boy e Fat Man, respectivamente, sobre Hiroshima e Nagasaki ao final da II Guerra Mundial.

Nos Estados Unidos, neste momento, estamos nos referindo ao sistema B-29 Superfortress.

Figura 03 – B-29 Superfortress

Fonte: B-29 Superfortress (2019, não paginado).

Introduzido na Força Aérea em 1944 ele representava, à época, o estado da arte da tecnologia, estando tecnicamente uma geração à frente dos demais bombardeiros usados na II Guerra Mundial. Isso porque, se tratava de um bombardeiro quadrimotor com turbinas Wright R-3350-23, que o possibilitava operar voos de longa distância (alcance máximo de 9.300km), pressurizado para altas altitudes, em condições subestratosféricas. As características do B-29 indicam que ele representou um avanço substancial no refinamento do projeto em comparação

com os primeiros bombardeiros. Ele estabeleceu um novo padrão de aeronave a partir de suas características ímpares de potência em motor, peso bruto, carga alar, pressurização, armamento, sistemas aerotransportados e estrutura básica (DE ANDRADE, 2018, p. 60; B-29 SUPERFORTRESS, 2019, não paginado; BUDGE, 2016, não paginado; FAS, 1997, não paginado).

A aeronave tinha capacidade máxima de transporte de carga útil de 9.000Kg num trajeto de 4.500km. Em missões operacionais típicas eram transportados 6.000Kg de bombas a uma autonomia de voo de 5.900km, com carga reduzida de 2.000Kg a aeronave poderia alcançar cerca de 7.600km. Para sua defesa, contava com metralhadoras calibre .50mm e canhão .20mm; os tanques de combustível nas asas da aeronave possuíam uma capacidade de 5608 galões, capacidade esta que poderia ser complementada pela inclusão de tanques extras nas baias de bombas, e que foi substancialmente aumentada quando da tecnologia de reabastecimento em voo, cujos reflexos impactaram diretamente em sua autonomia de voo (B- 29 SUPERFORTRESS, 2019, não paginado; BUDGE, 2016, não paginado; MANN, 2009, p. 21; LOFTIN, 1985, p. 92).

O B-29 alçou seu primeiro voo em 21 setembro de 1942 e foi introduzido à Força Aérea dos Estados Unidos (USAF – United States Air Force) efetivamente em maio de 194445. A fins de 1943 foi decidido pelo governo estadunidense não utilizar o B-29 no Teatro de Operações Europeu, permitindo então direcionar a unidade ao Teatro do Pacífico. A decisão levava em consideração o amplo alcance de voo da aeronave, que fazia seu uso mais proveitoso e eficiente para atacar as ilhas japoneses a partir das bases avançadas estadunidenses na China e nas Ilhas Marianas (SIMONS, 2012, p. 123; FAS, 1997: online). Antes de performar aquela que se transformou em sua principal missão na II Guerra Mundial, mais de 500 aeronaves B-29 tinham sido enviadas para realizar ataques às cidades do Japão. Foram dois bombardeiros B-29s os responsáveis por transportar os primeiros artefatos nucleares lançados em guerra.

Na manhã de 06 de agosto de 1945, como parte da operação codinome Centreboard, o bombardeiro “Enola Gay46” lançou a primeira bomba atômica em Hiroshima. A aeronave decola da Ilha Tinian (arquipélago das Ilhas Marianas), a 2.414km do alvo. O artefato L11 - Little Boy, pesava 04 toneladas e gerou uma carga explosiva entre 13.000 a 15.000 toneladas de TNT. Três dias depois, 09 de agosto de 1945, o B-29 Bockscar, lançou o segundo artefato

45 Já em meados de 1943 encontrava-se pronta a unidade de combate 58 Very Heavy Bombardment Wing em

Marietta-Georgia, a primeira a receber para fins de treinamento de tropas os protótipos YB-29.

46 O nome “Enola Gay” foi cunhado aeronave por seu piloto, Cel. Paul Tibbets, em homenagem a sua mãe

nuclear em Nagasaki. O bombardeiro também decolou da Ilha Tinian e seu alvo inicial era Kokuro, no entanto, dada condições climáticas, desviou a rota direcionando-se à Nagasaki. O artefato, F31 - Fat Man, pesava 4.500Kg e gerou uma explosão de cerca de 21.000 toneladas de TNT (GOLSING, 1999, p. 51-54; MANN, 2009, p. 207-209; SIMONS, 2012, p. 322).

Figura 04 – Bombas Nucleares Little Boy e Fat Man

Fonte: Crirrie (2019, não paginado).

A Figura 04 traz as rotas aéreas percorridas por ambos os bombardeiros em suas missões na Operação Centreboard. Segundo Simons (2012), um terceiro artefato (F32) estava sendo preparado para um ataque noturno à Tóquio tendo sido suspenso por ordem do então presidente Truman.

Figura 05 – Rotas aéreas da Operação Centreboard

Fonte: Gosling (1999, p.52).

Cabe aqui efetuar uma análise dos alvos selecionados na campanha contra o Japão, tanto os objetivos das munições convencionais, quanto (e principalmente) os alvos a serem atingidos pelos artefatos nucleares.

Em princípios de maio de 1945, dada a capitulação nazista, estava claro que o uso dos novos artefatos atômicos se direcionaria ao Japão, caberia apenas definir onde. Após discussões, um grupo de trabalho reunido em Los Alamos encaminhou ao General Leslie R. Groves a seguinte orientação:

Dr. Stearns descreveu o trabalho que ele havia feito sobre a seleção de alvos. Ele pesquisou possíveis alvos que possuíssem as seguintes qualificações: (1) são alvos em grandes áreas urbanas de mais de três milhas de diâmetro, (2) eles podem ser danificados de forma eficaz por uma explosão, e (3) é improvável que eles sejam atacados até o próximo agosto. Dr. Stearns listou cinco alvos que a Força Aérea estaria disposta a reservar para nosso uso, a menos que surgissem circunstâncias imprevistas. Estes alvos são: (1) Kioto […]; (2) Hiroshima […]; (3) Yokohama […];

(4) Kokura Arsenal […]; (5) Niigata […]47(SIMONS, 2012, p. 300-301, tradução

nossa).

Dos alvos apontados:

a) Kioto: por ser um centro urbano industrial com uma população de 1 milhão de habitantes, para onde muitas industrias e parte da população estavam se deslocando dada a destruição em outras áreas, era classificado enquanto alvo AA – ou seja altamente prioritário; a análise aponta que a julgar o impacto psicológico causado pela arma, aquele era um centro intelectual do Japão, e as pessoas melhor saberiam “apreciar” os resultados do uso da arma.

b) Hiroshima: também classificada como alvo AA, e posteriormente alvo primevo dos ataques, foi elencada por ser um importante entreposto e um porto de embarcação do Exército em meio a uma área urbana industrial; foi considerado ainda o tamanho da cidade e o relevo, cujas colinas proporcionariam efeito concentrado da explosão, aumentando o dano à cidade.

c) Yokohama: classificada como alvo A - prioritário, tratava-se de importante centro industrial que ainda não havia sido atingido; os ataques à Tóquio forçaram o deslocamento das atividades industriais para a região, que incluíam fabricação de aeronaves, maquinário e ferramentas, docas, equipamentos elétricos e refinarias de petróleo. A desvantagem estava em dois aspectos: nas áreas a serem atingidas estarem separadas por um grande corpo de água e em ter em seu entorno a maior concentração de sistemas antiaéreos do Japão.

d) Kokura: o maior arsenal japonês era circundado por um centro urbano industrial. Foi classificado como alvo A e se considerava necessário realizar um bombardeiro preciso do arsenal para que um efeito cascata de explosões destruísse as estruturas mais sólidas da cidade bem como danificasse seriamente demais estruturas. Por fim,

e) Niigata, um porto na costa noroeste de Honshu que foi ganhando em importância à medida que os demais portos foram sendo danificados. Possuía indústrias de maquinário e ferramentas, refinarias de petróleo e centros de armazenamento, foi classificado como alvo B. Ainda fora aventada a possibilidade de bombardeiro do

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Do original em inglês: “Dr. Stearns described the work he had done on target selection. He has surveyed

possible targets possessing the following qualification: (1) they be important targets in a large urban area of more than three miles in diameter, (2) they be capable of being damaged effectively by a blast, and (3) they are unlikely to be attacked by next August. Dr. Stearns had a list of five targets which the Air Force would be willing to reserve for our use unless unforeseen circumstances arise. These targets are: (1) Kioto [...]; (2) Hiroshima [...]; (3) Yokohama[...]; (4) Kokura Arsenal [...]; (5) Niigata [...]” (SIMONS, 2012, p. 300-301).

Palácio do Imperador, a qual foi discutida, porém não recomendada, dado que qualquer ação contra este alvo deveria vir das autoridades militares.

O documento finalizava atentando para dois aspectos fundamentais: o primeiro, obter um grande efeito psicológico contra o Japão e o segundo, tornar o uso suficientemente espetacular para auferir a real importância da arma, fazendo-se reconhecer internacionalmente quando de sua publicidade (SIMONS, 2012, p. 305). Os alvos finais foram selecionados levando em consideração a estratégia de invasão das ilhas nipônicas e também a perda real e projetada de vidas. Como mencionado, aspectos climáticos também interferiram no curso da operação, fazendo com que se deslocasse o alvo para Nagasaki ao invés de Kokura.

Por um lado, é perceptível na determinação dos alvos a influência dos preceitos teóricos de Douhet sobre a utilização da força aérea: atingir conglomerados de infraestrutura industrial e social do inimigo, a fim de produzir o caos social e, então, o colapso estatal. Para tanto, utilizar-se de bombardeiro de área, com carga explosiva capaz de causar o maior dano possível. Por outro lado, à época, a Doutrina Militar dos EUA, já aceita pelos altos escalões da Força Aérea, consentia também aos preceitos teóricos de Alexander Seversky e do uso bombardeiro de precisão. Se tratava de bombardear alvos específicos com relevância militar, em detrimento do bombardeio indiscriminado de grandes áreas.

Faz-se então, breve menção, às percepções de Seversky. Discípulo de Douhet, na medida em que também atribui à Força Aérea papel de primazia na definição de um conflito, Seversky afastava-se do italiano quando pontuava aumento da resistência civil aos bombardeamentos por área na Segunda Guerra Mundial48. Ou seja, ao invés de abalar a resistência moral das populações, fortificavam-nas a lutar e resistir contra o inimigo, o que tornava a destruição das cidades onerosa e ineficiente, sem contar no exagerado número de baixas civis que causava. Para Seversky a destruição do inimigo deveria estar calcada no uso de bombardeiros de precisão, ou seja, dever-se-ia atacar alvos específicos os quais, destruídos sistematicamente, bloqueariam o fluxo de “vida normal” de uma sociedade a ponto de um completo aniquilamento da vontade e capacidade de lutar.

Para tanto, dever-se-ia alvejar: fontes de energia elétrica, reservatórios de água, indústrias de aviação, docas, portos, utilidades públicas essenciais (SEVERSKY, 1988, p. 140). Substituir-se-ia a proposta de “vandalismo” e ampla destruição defendida por Douhet,

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Outro ponto de distinção entre ambos os teóricos está na compreensão acerca do uso do ar. Para Douhet, a dimensão aérea resume-se a ser o caminho para as unidades de bombardeiro, enquanto para Seversky a